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O Cristo pós-pós-punk de Garfunkel and Oates

No contexto de seu julgamento envolvendo acusações de sodomia (entre outras), a obra de Oscar Wilde foi também acusada de obscenidade, imoralidade etc. Wilde foi condenado (e destruído pela condenação), mas sua obra inocentada. Ficaria famosa sua afirmação: “There is no such thing as a moral or immoral book. Books are well-written or badly-written. That is all”. Não há arte moral ou imoral, apenas arte bem realizada ou mal realizada. A moral individual, ou mesmo grupal, serve para julgar ações e conceitos, incluindo a moralidade da cada moralidade específica (ou a moralidade não evoluiria). A arte, por outro lado, não sendo ação nem conceito (mesmo a arte “conceitual” só vale por seus resultados), não pode e não deve ser julgada eticamente, mas esteticamente (Wilde again). O julgamento estético chama-se crítica.

As doces mas indóceis meninas do duo americano Garfunkel and Oates fazem aqui uma “crítica analítica” da hipocrisia e das contradições do discurso sexual católico, e o fazem muito bem, em termos estéticos. De certa forma, viram o punk do avesso, ao adotar uma estética da delicadeza, incluindo suas imagens, atitudes e a própria música, para fazer a crítica mais pesada a tal discurso, mas mantendo, do punk, do peso da crítica às referências escatológicas (intestinos, toalhas etc.). Pós-pós-punk é isso. Suas letras, além disso, são sempre inteligentíssimas, integrando argumentos, rimas e uma melodia que os marca. Fazem parte de uma nova cena poético-musical pós-feminista, cujas representantes mais famosas são as ucranianas do FEMEN e as russas do Pussy Riot. Faz todo sentido que tal poética venha das próprias mulheres, não em função da já ultrapassada poética dos gêneros (e ultrapassada inclusive por esses grupos), mas em função de darem voz a uma visão de certos fatos, como a moral sexual, da qual sempre foram objeto, depois se tornaram sujeito, e agora, afinal, sujeitos do discurso sobre isso. Quem mais poderia falar de seu próprio clitóris? Ou pôr o dedo no clitóris no contexto do “sexo bom” e do “sexo mau” segundo a moralidade religiosa? É exatamente o que elas fazem aqui: colocar o próprio corpo no centro de um discurso que sempre versou sobre ele, mas de fora dele. Lido desse ângulo, as coisas deixam de ser o que pareciam. Ou como deveriam. E levam a conclusões como a sintetizada no título dessa canção: “Fuck my ass because I Love Jesus”. O interessante, o mais que interessante, aqui, é que não se trata de um mero “grito” de provocação, mas de uma conclusão lógica derivada do próprio discurso sexual religioso. Como lembra Alcir Pécora, trata-se do recurso da overidentification, processo de adotar o ponto de vista de quem se quer criticar, levando-o às últimas consequências. Literalmente (em mais de um sentido). Um dos resultados é uma espécie de “hiper-realismo”. Além de ser hilariante.