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A BIENAL DE SÃO PAULO E O VAZIO DA ARTE CONTEMPORÂNEA

Depois que o entretenimento passou a ser um requisito de fácil utilização da arte contemporânea mais difundida, o olhar foi surpreendido pela ausência de raciocínio. A 28ª Bienal de Arte de São Paulo está vazia de obras e idéias. Difícil até de fotografar como constata o fotógrafo Thomas Milz ao fazer uma viagem com sua câmara no prédio projetado por Oscar Niemeyer. Milz terminou registrando a euforia e a disputa do público para escorregar no tobogã, instalado em suas dependências. Obra de arte? Diversão? Pouco importa. Fazemos parte de uma civilização sem tempo para se dedicar ao pensamento: a cultura do efêmero.

Para o público afeito ao espetáculo do consumo, visitar a 28ª Bienal é “mais uma” diversão, um lugar do flerte e da ociosidade, um ponto de encontro para se falar da crise financeira global, do carro novo, de tudo, menos de arte. As bienais de arte perderam sua credibilidade há muito tempo. Nessa mostra a arte é um adjetivo substituível na frase. O que interessa é a ilusão da praça, protegida, que não existe mais na cidade. Destruída de seus valores e funções, a cidade é adversa, recuperar a convivência com o outro, com o desconhecido, o espaço social, é um desafio e uma necessidade, mas não é a função principal da arte.

A obra de arte já não é mais o atrativo do espetáculo, diante da importância exacerbada do patrocinador e do curador. O artista passa quase despercebido e a obra é um simulacro. O marketing do produto é mais importante que o próprio produto. A idéia de arte, que vem desde a renascença como saber autônomo, foi substituída por mais um produto de consumo, condicionado à indústria da moda e aos agentes externos, que ditam as regras de seu circuito. O público consome qualquer coisa. Na condição contemporânea de articulação social, a arte foi reduzida a acessório, como mostra mais esta Bienal, de aproximação das pessoas com a cidade. Uma cidade da especulação imobiliária e da economia do metro quadrado, com uma arquitetura sem poesia, esvaziada de sentido, ameaçada por todos os tipos de violências e medos. Medo até de consumir o que não está na moda. Uma cidade destituída de valores, deserta e entulhada de images/stories.

Diante dos pilotis do prédio de Oscar Niemeyer, observo a perspectiva do espaço celebrado pela fotografia, uma pergunta ou uma dúvida: será que esta Bienal quer estimular um questionamento sobre o vazio da arte e da vida moderna de uma civilização utilitária e frívola? Não fica claro. A obra do arquiteto é que ficou visível. Um monumento ao vazio para reverenciar ou ironizar a racionalidade e a objetividade da arquitetura moderna.

O olhar atento do fotógrafo testemunha a relação do espectador com a solenidade do espaço e a indiferença para com a arte. A sensação era a mesma de se estar num shopping center. Mesmo quando se vê manifestações que a curadoria e o contexto determinaram como obra de arte, não se experimenta nenhum estado de desejo, o olhar permanece alheio ao objeto.

Que crise é essa? Do consumo de arte à relação amorosa não se sabe mais qual é o lugar do desejo. As responsabilidades são negociadas, trocadas. A ética deixada de lado. No meio de arte, quem decide é o Ministério da Cultura ou é a Petrobras? Para que serve uma mostra de arte desse porte?

Almandrade
Artista plástico, poeta e arquiteto

 

Fotos de Thomas Milz