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SOBRE PRÊMIOS (NÃO TÃO) LITERÁRIOS

É notória a condição do Nobel como o maior prêmio literário mundial. Menos notório é o significado real dessa condição: o Nobel é o maior prêmio porque tem a maior premiação, em torno de 1 milhão de dólares. Fora isso, tudo é duvidoso. A começar do fato de o Nobel de literatura ter-se transformado, de maneira mais ou menos confessada, em um prêmio rotativo multiculturalista. O que não é absolutamente uma homenagem às literaturas nacionais premiadas, como crêem os ingênuos, mas uma profunda des-homenagem. Pois fica implícito, pela própria rotatividade do prêmio, que se ganha, em primeiro lugar, porque não se é ocidental e/ou branco.

No entanto, ninguém jamais ganhou um Nobel de física por ser mulher, ou negro, ou asiático, ou, melhor ainda, mulher, negra e asiática, mas por ser um grande cientista. A desculpa é que não há critérios tão objetivos para julgar a literatura como os há para a ciência. Neste caso, o caminho seria tentar estabelecer um critério minimamente consistente de indicação do mérito literário, por mais difícil (e sempre questionável) que seja. Difícil não é o mesmo que impossível. Em vez, aproveita-se alegremente dessa dificuldade para tentar compensar as culturas não-científicas por não poderem receber os Nobel científicos. O resultado é que o Nobel, enquanto glorifica a ciência, reduz a literatura a um prêmio de consolação.

O que combina muito bem com a má-consciência sueca pós-contracultural e, mais genericamente, com a ocidental — para não falar do multiculturalismo como ideologia e do relativismo militante. Tudo bem que a maioria dos Nobel científicos fique com ocidentais, e, particularmente, numa (des)proporção gritante, com homens judeus. Por um lado, a ciência é “apenas outro discurso”. Por outro lado, o Nobel de literatura — ainda que não consiga se livrar inteiramente dos judeus ocidentais — premia fartamente autores de todas as latitudes e backgrounds — de preferência, os que não são judeus nem ocidentais nem homens. A afro-americana Tony Morisson, a sul-africana Doris Lessing, a austríaca Elfriede Jelinek… — austríaca, sim, mas, além de mulher, devidamente “de esquerda”. Pois o Nobel absolutamente não julga um escritor apenas por seu gênero, tom de pele ou nacionalidade. A ideologia correta também conta — e muito. Portanto, se não se premia um autor como Jorge Luís Borges, que além de homem, ocidental e elitista, era de direita, premiam-se quaisquer autores “de esquerda” com alguma proeminência — ainda que, afinal, sejam homens e ocidentais. Saramago que o diga (escrevo de direita sem aspas e “de esquerda” com aspas porque, se a direita existe, a existência da esquerda, para além dos discursos tão bem intencionados quanto impotentes, politicamente-corretos e rancorosos, é hoje para mim uma questão em aberto).

O prêmio Nobel de literatura é o maior prêmio literário e um sério candidato, entre os grandes prêmios, ao de menor significado.

Grécia, Nobel e outros

Os prêmios literários foram criados na Grécia. Autores trágicos participavam de concursos cujo prêmio, além da fama, era a encenação da peça como espetáculo público, bancado pela pólis. A cidade patrocinava o concurso, o ganhador era afamado e encenado, e a cidade assistia à peça e ao desenvolvimento de sua dramaturgia. Além da célebre função catártica da tragédia (e de sua origem em festas populares do culto dionisíaco e órfico), os próprios temas eram escolhidos pelo concurso, sempre versando sobre a tradição lítero-mitológica da própria cidade. O concurso, em suma, era parte orgânica da cultura da pólis. Algo equivalente deveria ser o propósito de qualquer concurso literário realmente significativo.

Mas isso não cabe no mundo contemporâneo, dir-se-ia, em que nada é “parte orgânica da cultura da pólis”. Ainda que, de alguma maneira, tenha cabido até o século XIX, por exemplo, nos vários salões parisienses de pintura. Em todo caso, se de fato não couber, isto não muda o diagnóstico, como a falta de existência de tratamento não pode ajudar um paciente desenganado: se for assim, os concursos literários não têm maior significado.

Na categoria logo abaixo do Nobel, em termos, digamos, de importância, ficam os grandes prêmios nacionais, como o Goncourt francês, o Booker Prize inglês e o National Book Award americano (o Brasil não tem nem teve nada equivalente). Mais uma vez, importância, aqui, tem um significado literal, ou seja, a importância que se paga. O maior prêmio nacional é, como regra, a maior premiação. No entanto, algo do sentido original grego, em graus variados, persiste nos grandes prêmios nacionais, na exata medida em que eles se diferenciem do Nobel. Ou seja, quanto menos sujeitos a ingerências e indulgências politicamente-corretas, mais robusto o significado do prêmio — e menos relativamente relevante a premiação monetária.

A diminuição da premiação monetária acompanha, portanto, o aumento, necessariamente relativo, do significado literário ou cultural. É o caso do Goncourt, cuja dotação é nenhuma, mas cujo prestígio é máximo entre os prêmios em língua francesa. Prestígio que é aqui sinônimo da antiga fama dos romanos. Ser famoso e ser falado são, denotativamente, iguais. Daí a infâmia, isto é, a antifama, que é, assim, ser muito mal falado. Ser afamado, ou bem falado (nos dois sentidos), era para os antigos o maior prêmio possível, literário ou não, pois a imagem pública de um homem era o aspecto mais importante e o valor maior de sua vida (noutras palavras, os romanos, assim como os gregos, não concebiam uma virtude privada). E a imagem, numa cultura oral, é o mesmo que a fama, o falar. Um prêmio literário que outorgue prestígio propriamente literário ao ganhador (ao contrário do Nobel) é relevante porque, se o prestígio é literário, ou seja, se se trata do reconhecimento público de um valor literário, é a própria literatura que está sendo servida.

O Nobel paga 1 milhão, o Goncourt não paga nada. No meio do caminho, o Booker Prize inglês paga US$ 30 mil, enquanto o americano National Book Award paga US$ 10 mil. Considerando os mercados em questão, tais premiações monetárias são simbólicas. Considerando, ainda, as tradições envolvidas, enquanto no caso francês há mais prestígio do que tiragem na balança, para o pragmatismo saxônico, fama e fortuna alimentam-se mutuamente. Logo, os prêmios traduzem-se em tarjas nas capas e em indicações nas resenhas, que por sua vez se traduzem em aumentos de tiragem e de venda, em números que nada têm de simbólicos. E como, ainda segundo o modelo saxônico, mercado e cultura não são excludentes, aumentos de tiragem e de venda é o mesmo que aumento de significado cultural. Neste caso, apesar de tudo, consegue-se através de um mercado editorial robusto algo que de alguma forma se aproxima daquela perdida “parte orgânica da cultura da polis”.

Brasil: sem mercado e sem mérito

Mas o mesmo não vale para o Nobel? Não, porque o Nobel, por ter um valor literário equívoco, devendo então seu reconhecimento tanto à quantidade da premiação quanto à “qualidade” política dela, é, no limite, tão-somente um índice mercadológico. Neste sentido, equivale ao Oscar. Ganhar ou não ganhar um Oscar nada diz do valor cinematográfico de um filme, mas diz muito de sua futura performance mercadológica (assim como de sua correição política). Do mesmo modo, ganhar um Nobel é o mesmo que ganhar novas edições e tiragens maiores. Já os grandes prêmios literários nacionais almejam algo distinto da fama pela fama, isto é, da fama cuja razão de ser é ela mesma, segundo o modelo das “celebridades”: Fulano é muito famoso por ser muito famoso. A fama, nesse caso, advém ou deveria advir, ao contrário, de algum mérito. Na verdade, a fama é, ela mesma, a premiação natural do mérito — servindo o concurso literário como um catalisador, como uma enzima numa reação química. O reflexo mercadológico do reconhecimento do mérito pela fama via concurso é, então, a soma do agradável ao útil. Útil porque, como dito, quem é assim servida, ao fim e ao cabo, é a literatura.

Com o que chegamos ao caso particular do Brasil. No qual, em síntese, os prêmios literários não redundam em reflexo mercadológico nem a fama premia o mérito. Não há grandes reflexos mercadológicos porque sequer há um mercado literário que mereça o nome (com mercado literário não me refiro à venda de livros, que são objetos, mas ao comércio de literatura, que é uma arte). E a fama não premia o mérito porque não existe nenhum prêmio que tenha sido criado para premiá-lo. Restaria, portanto, discutir porque jamais se criou no Brasil um grande prêmio voltado ativa e desassombradamente para o reconhecimento do mérito literário. Isto implicaria, porém, numa longa discussão histórico-sociológica, que iria desde nossas tradições colonizadas-bacharelescas até o democratismo compensatório de decretar a música popular a grande expressão da cultura brasileira, passando pela insignificância cívica das instituições e pelo espírito provinciano-grupalista que as assola. Resta tentar determinar o que, afinal, premiam os prêmios literários brasileiros, se não é o mérito.

Mas não é mesmo o mérito? Não, porque, numa demonstração circular, o espírito provinciano-grupalista que assola a insignificância cívica das instituições, as tradições colonizadas-bacharelescas e o democratismo compensatório de decretar a música popular a grande expressão da cultura brasileira, entre outros, explicam e determinam a dificuldade ou o desinteresse de se criar um grande prêmio voltado ativa e desassombradamente para o reconhecimento do mérito literário. E se não é o mérito, nem é uma perspectiva mercadológica que mereça o nome, é o quê?

O Jabuti foi ao mercado

Comecemos pelo prêmio mais “tradicional”, ou, mais precisamente, mais antigo, o Jabuti, instituído em 1959. Neste caso, há pouco a ser discutido. O Jabuti não é, na essência, um prêmio literário, mas um prêmio empresarial. O Jabuti nasceu com a missão de promover o mercado editorial [e hoje] demonstra a diversidade do mercado e o fortalecimento do setor” (José Luiz Goldfarb curador; em www.premiojabuti.com.br). Premiações desse tipo são um agente coadjuvante da publicidade. Assim é que todos os setores do mercado, dos produtores de calçados aos criadores de gado, passando pelos próprios publicitários, instituem seus prêmios, seus “melhores do ano” (“Os associados da CBL [Câmara Brasileira do Livro], SNEL [Sindicato Nacional dos Editores de Livros], ANL [Associação Nacional de Livrarias] e ABDL[Associação Brasileira de Difusão do Livro],como representantes do mercado, e os jurados das etapas anteriores, votarão no Livro do Ano nos gêneros Ficção […] e Não-Ficção” — “gêneros” estes, note-se, não lingüísticos, mas comerciais), segundo um sistema de rodízio imperfeito. Imperfeito porque, tratando-se de prêmios setoriais, e sendo os órgãos representativos dos diversos setores, como regra, dominados pelos maiores de cada setor, trata-se, ao fim e ao cabo, de proporcionar a esses maiores certas noites de gala, que servem, ao mesmo tempo, de publicidade grátis via mídia e de oportunidade de reunião político-comercial. “O Jabuti homenageia os diversos segmentos e todas as áreas de produção de um livro, desde a melhor capa, passando pela ilustração e projeto gráfico, até a melhor obra” (Rosely Boschini, presidente da CBL). O Jabuti é, em suma, o prêmio da CBL, órgão representativo central dos empresários do setor (“Além de editoras e livrarias, a CBL congrega agentes literários, profissionais da venda direta, distribuidoras, exportadoras, importadoras e gráficas”). O que o diferencia dos prêmios de outras categorias empresariais é, por um lado, a relativa pouca importância mercadológica da literatura, e por outro lado, as particularidades de seu produto. Livro não é salsicha, como reza um antigo aforismo.

Como todo antigo aforismo, parece conter em síntese poderosa de uma verdade luminosa. Porém, bem vistas as coisas, tal verdade não é necessariamente clara. Em primeiro lugar, livro tampouco é música ou pintura. Em segundo lugar, salsichas não são algo isento de rigores de produção e de vigores da tradição. Há, em suma, salsichas e salsichas. Como há livros e livros. Inclusive (muitos) livros que são como salsichas muito ruins: tempero carregado, consistência fraca, ingredientes duvidosos. Se há livros que são salsichas (ainda que, de fato, não haja salsichas que sejam livros), dizer que livros não são salsichas não é uma verdade irredutível. Mais correto seria então dizer que há livros que não são salsichas.

Voltando ao Jabuti, o que o diferencia dos prêmios de outras categorias empresariais é, portanto, de um lado a relativa desimportância mercadológica da literatura, e de outro, a particularidade de seu produto não ser, eventualmente, uma forma qualquer de salsicha (como os demais produtos oferecidos pelo mercado). E não é salsicha por ser, numa palavra, arte. Trocando salsichas por vinhos, para apontar sua qualidade, existem os sommeliers. Mesmo para as salsichas, porém, existem os gourmets. O papel de sommelier ou gourmet, no mercado de arte, é, idealmente, feito pela crítica. O Jabuti não é escolhido por críticos — ainda que críticos possam fazer parte do júri —, mas por editores e livreiros. Segundo o regulamento, “O júri […] será composto por profissionais habilitados, indicados pelo mercado editorial e escolhidos, através de sorteio, pela Comissão do Prêmio constituída pela CBL” (III – 1). Mercado editorial e sorte definem, portanto, os jurados. Somando tudo, considerá-lo um prêmio literário é, no limite, uma ilusão.

Portugal Telecom: uma tristezza

Para compor um arco de mínima representatividade, pulemos do prêmio mais antigo para o atualmente mais famoso, o Portugal Telecom (Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, por muitos referido como “Brasil Telecom”). Sua fama é do tipo Nobel. Se este paga 1 milhão de dólares, o Portugal Telecom paga 100 mil reais — além de 50 mil para o segundo colocado e 35 mil para o terceiro, num total de 150 mil (já o Jabuti paga 30 mil para cada “Livro do Ano” e os mesmos 150 mil na soma total das várias “categorias”). O motivo de uma dotação muito maior do que prêmios muito mais tradicionais de países literariamente muito mais fortes, como o Goncourt, o Booker Prize e o National Book Awards, é isso mesmo. Por um lado, o Portugal Telecom não tem tradição, logo, tem dotação. Por outro lado, como o mercado literário brasileiro é ridículo em termos quantitativos, prestígio que redundasse em tiragem não faria muito sentido. Com uma grande dotação se pretende, em suma, “dignificar” a literatura em língua portuguesa (o Portugal Telecom premia tanto autores brasileiros quanto portugueses e africanos lusófonos, desde que publicados no Brasil — critério no mínimo duvidoso de pré-seleção literária), ao mesmo tempo, naturalmente, em que a literatura assim dignificada lança reflexos de dignidade, também conhecidos como “verniz institucional”, na própria Portugal Telecom.

Não há nada de intrinsecamente errado, duvidoso ou questionável nisso. Mas tampouco há algo de necessariamente relevante.

O prêmio Portugal Telecom procura se equilibrar em duas pernas de comprimento diferente. De um lado, a democrática, mais comprida, porém mais frágil, de outro, a meritocrática, mais robusta, porém mais curta. A perna democrática, à semelhança do Oscar, é constituída por um grande número de membros da classe que, então, vão criando a perna meritocrática por uma eleição interna afunilante, tanto de indicados quanto de jurados: “O Júri Inicial passou a ser formado unicamente por críticos literários, professores de literatura e jornalistas especializados escolhidos pela Curadoria e, pela primeira vez, teve poder de voto. Em junho, em votação on line, o Júri Inicial definiu as 51 obras da segunda etapa. Cada jurado votou em 5 livros da lista de inscritos e os mais votados se qualificaram para prosseguir na disputa pela premiação. O Júri Inicial elegeu também os componentes do Júri da segunda etapa. Cada jurado indicou 5 profissionais entre seus membros e os 11 mais votados formaram, junto com a Curadoria, o Júri Intermediário que elegeu os 10 finalistas, em votação secreta no dia 27 de agosto. O Júri Intermediário elegeu também os componentes do Júri da terceira etapa. Cada jurado indicou 6 profissionais entre seus membros e os 6 mais votados formaram, junto com a Curadoria, o Júri Final que elegeu os 3 vencedores” (www.premioportugaltelecom.com.br).

O ponto de equilíbrio das duas pernas resulta, afinal, num evidente “institucionalismo”. Os selecionados, logo, os premiados, costumam fazer parte, ou do circuito lítero-acadêmico, como Marcos Siscar (Unesp) e o inevitável Cristóvão Tezza (UFPR), ou do circuito cultural oficial, como Frei Beto e Armando Freitas Filho: “Foi pesquisador na Fundação Casa de Rui Barbosa, secretário da Câmara de Artes no Conselho Federal de Cultura, assessor do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro, pesquisador na Fundação Biblioteca Nacional, assessor no gabinete da presidência da Funarte, onde se aposentou” (www.germinaliteratura.com.br/aff.htm). O caso de Cristóvão Tezza, se parece ser o mais notório, não é absolutamente o único: fez parte do júri final que indicou os finalistas em 2004, 2005, 2006 e 2007, mas, em compensação, não em 2008. Neste ano, faz parte apenas da lista final de indicados. Vários outros nomes fazem igualmente parte do júri em algumas edições e da lista de indicados em outras. Muito bem. Mas se não esses, quais deveriam ser os indicados?

Os “alternativos”, ou “malditos”, ou “anti-sistema”, cujo nome-exemplo poderia ser Roberto Piva? Os “ousados”, ou “pós-modernos”, ou “pops”, cujo nome-modelo poderia ser Arnaldo Antunes? Ou, por fim, aqueles que, feridos pela mágoa cinza do provincianismo, crêem que os prêmios literários deveriam, numa espécie de sistema de cotas compensatórias ou de rotatividade à la Nobel, contemplar os “fora dos grandes centros”? Grupo por grupo, trocar o dos “institucionais” pelo dos “alternativos” ou pelo dos “ousados” seria trocar água por H2O. O que talvez justificasse de fato, em termos propriamente literários, um prêmio de grande dotação num país como o Brasil, seria ele cumprir – à maneira do efeito enzima referido acima — uma função de fermento.

Em termos práticos, misturando os caça-modelos que descobrem novos “talentos” nas praças de alimentação dos shoppings com os head-hunters que vasculham a internet atrás de profissionais acima da média, um prêmio literário realmente significativo — voltando ao início do artigo e da questão —, deveria ser capaz de localizar e identificar autores promissores em início de carreira, de modo a lhes fornecer, via a própria premiação, os meios — já que o país não lhe oferece o meio — para se dedicar ao desenvolvimento de sua obra (nada poderia estar mais longe disso do que a alternância de nomes entre a lista de jurados e a de indicados).

Nada há de original aqui. Mas há muito de significativo. Num certo período e num dado local, resultou em algumas das maiores conquistas da história da arte. Refiro-me, naturalmente, ao Renascimento italiano, produto, entre outras coisas, de um sistema capaz de recolher e acolher os Michelangelo e Da Vinci das vilazinhas do país (o segundo era um bastardo filho de uma lavadeira, como se sabe). Parte do sistema eram as oficinas onde se aprendia, justamente, o ofício, e parte, os mecenas que encomendavam as obras e eventualmente hospedavam os artistas. Mecenas é uma palavra hoje adulterada, indicativa de uma espécie de gigolô às avessas, que em vez de tirar dinheiro de sua prostituta lho oferece, sem que os serviços dela sejam especialmente meritórios. Não é o caso. Mecenas não gastavam dinheiro à toa, muito ao contrário. Gastavam-no, sim, mas em quem podiam atestar verdadeiro mérito. No próprio Brasil isto já existiu (com o perdão da rima). Ainda que por vias brasilicamente improvisadas, mas com todos os principais ingredientes de um mecenato clássico (meios, pessoas, oficinas, pares, indicações, padrinhos, oportunidades de trabalho criativo), um “bastardo filho de uma lavadeira”, ou coisa equivalente, pôde deixar sua vilazinha no interior, no caso, seu morro de nascimento, e se tornar Machado de Assis. Nem todos estão destinados a ser Machado de Assis. Mas, com ainda maior certeza, através de prêmios que “reconhecem” a obra de conhecidas medianias institucionais, ninguém jamais o será.

 

Sir Winston Churchill, ganhador
do Nobel de 1953

 

 

Lista dos vencedores do Nobel

2007: Doris Lessing
2006: Orhan Pamuk
2005: Harold Pinter
2004: Elfriede Jelinek
2003: J.M. Coetzee
2002: Imre Kertesz
2001: V.S. Naipaul
2000: Gao Xingjian
1999: Günter Grass
1998: José Saramago
1997: Dario Fo
1996: Wislawa Szymborska
1995: Seamus Heaney
1994: Kenzaburo Oe
1993: Toni Morrison
1992: Derek Walcott
1991: Nadine Gordimer
1990: Octavio Paz
1989: Camilo Jose Cela
1988: Naguib Mahfouz
1987: Joseph Brodsky
1986: Wole Soyinka
1985: Claude Simon
1984: Jaroslav Seifert
1983: William Golding
1982: Gabriel Garcia Marquez
1981: Elias Canetti
1980: Czeslaw Milosz
1979: Odysseus Elytis
1978: Isaac Bashevis Singer
1977: Vicente Aleixandre
1976: Saul Bellow
1975: Eugenio Montale
1974: Eyvind Johnson e Harry Martinson
1973: Patrick White
1972: Heinrich Boell
1971: Pablo Neruda
1970: Alexander Solzhenitsyn
1969: Samuel Beckett
1968: Yasunari Kawabata
1967: Miguel A. Asturias
1966: Shmuel Y. Agnon e Nelly Sachs
1965: Mikhail Sholokhov
1964: Jean-Paul Sartre (recusou o prêmio)
1963: Giorgos Seferis
1962: John Steinbeck
1961: Ivo Andric
1960: Saint-John Perse
1959: Salvatore Quasimodo
1958: Boris Pasternak
1957: Albert Camus
1956: Juan R. Jiménez
1955 Halldor Laxness
1954: Ernest Hemingway
1953: Winston S. Churchill
1952: François Mauriac
1951: Pär Lagerkvist
1950: Bertrand Russel
1949: William Faulkner
1948: Thomas Stearns Eliot
1947: André Gide
1946: Hermann Hesse
1945: Gabriela Mistral
1944: Johannes V. Jensen
1939: Frans Eemil Sillanpää
1938: Pearl S. Buck
1937: Roger Martin du Gard
1936: Eugene O’Neill
1934: Luigi Pirandello
1933: Ivan Alekseyevich Bunin
1932 :John Galsworthy
1931: Erik Axel Karlfeldt
1930: Sinclair Lewis
1929: Thomas Mann
1928: Sigrid Undset
1927: Henri Bergson
1926: Grazia Deledda
1925: George Bernard Shaw
1924: Wladyslaw Stanislaw Reymont
1923: William Butler Yeats
1922: Jacinto Benavente
1921: Anatole France
1920: Knut Pedersen Hamsun
1919: Carl Friedrich Georg Spitteler
1917: Henrik Pontoppidan
1917: Karl Gjellerup
1916: Carl Gustaf Verner von Heidenstam
1915: Romain Rolland
1913: Rabindranath Tagore
1912: Gerhart Hauptmann
1911: Maurice Maeterlinck
1910: Paul Heyse
1909: Selma Lagerlöf
1908 Rudolf Eucken
1907: Rudyard Kipling
1906: Giosuè Carducci
1905: Henryk Sienkiewicz
1904: Frédéric Mistral
1904: José Echegaray y Eizaguirre
1903: Bjørnstjerne Bjørnson
1902: Theodor Mommsen
1901: Sully-Prudhomme


 Sobre Luis Dolhnikoff

Luis Dolhnikoff estudou Medicina (1980-1985, FMUSP) e Letras Clássicas (1983-1985, FFLCH-USP). Entre 1990 e 1994, co-organizou em São Paulo, ao lado de Haroldo de Campos, o Bloomsday SP, homenagem anual a James Joyce. Em 2005, recebeu uma Bolsa Vitae de Artes para estudar a vida e a obra do poeta Pedro Xisto. Entre 2006 e 20014, foi articulista de política internacional na Revista 18, do Centro de Cultura Judaica de São Paulo. Como crítico literário e articulista, colaborou, a partir de 1997, com os jornais O Estado de S. Paulo, A Notícia, Diário Catarinense, Gazeta do Povo, Clarín e, recentemente, Folha de S. Paulo, bem como em várias revistas. É autor do livro de contos Os homens de ferro (São Paulo, Olavobrás, 1992), além dos livros de poemas Pânico (São Paulo, Expressão, 1986, apresentação Paulo Leminski), Impressões digitais (São Paulo, Olavobrás, 1990), Lodo (São Paulo, Ateliê, 2009), As rugosidades do caos (São Paulo, Quatro Cantos, 2015, apresentação Aurora Bernardini, finalista do Prêmio Jabuti 2016) e Impressões do pântano (São Paulo, Quatro Cantos, 2020).