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A OER e o contexto musical contemporâneo no Brasil

Neste mês, a Orquestra Experimental de Repertório, fundada em 1990 pelo maestro Jamil Maluf, completa seus 20 anos de existência. Esse aniversário será celebrado no dia 21, na Sala São Paulo, com a apresentação da Sinfonia do Novo Mundo, de Antonín Dvorák, da “Abertura Experimental”, de Nelson Ayres, e do “Concerto para piano em fá maior”, de George Gershwin, este, com Pablo Rossi atuando como solista.

Ao longo desses 20 anos, a orquestra, que tem o projeto de atuar como centro formador de jovens músicos, além de realizar uma abordagem renovadora de repertórios clássicos e contemporâneos da música sinfônica, tem tocado com grandes nomes da música internacional, erudita e popular, como o regente Lorin Maazel e o instrumentista e compositor Daniel Binelli, e realizado parcerias com grupos de teatro, como o paulistano XPTO.

Jamil Maluf nasceu na cidade de Piracicaba, no interior paulista. É regente, pianista e compositor, tendo estudado regência orquestral na Alemanha com Francis Travis e Cláudio Santoro e se graduado em regência orquestral na Escola Superior de Música de Detmoldst. Maluf foi, também, maestro titular e diretor musical da Orquestra Sinfônica do Paraná, à frente da qual permaneceu até 2002, e hoje, além de trabalhar como titular da OER, é membro do conselho diretor do Teatro Municipal de Saõ Paulo.

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Marcelo Flores: A princípio, gostaríamos de parabenizar a Orquestra Experimental de Repertório (OER) pelos seus 20 anos. Aproveito a oportunidade para perguntar: o que o senhor, como diretor e principal regente da orquestra, vê como fatores fundamentais para o desenvolvimento da OER e seus músicos até hoje?

Jamil Maluf: Ter tido, desde o início, objetivos claros e não ter perdido esse foco. Os objetivos que nortearam a criação da OER são três: formar músicos de alto nível para compor os quadros das orquestras sinfônica profissionais; privilegiar a execução de um repertório abrangente, que saliente a importância da orquestra sinfônica nas mais diversas formas de manifestação artística, principalmente a partir do século XX; além de incentivar a criação de um repertório que promova a fusão do som dos tradicionais instrumentos acústicos de uma orquestra com os novos “instrumentos” da música eletrônica.

MF: O que o termo “experimental” quer exatamente dizer no caso da OER? E de que forma isso é fundamental dentro desse contexto?

JM: “Experimental” tem a ver com culinária sonora: experimentar os diversos sabores que o universo da música pode oferecer. No início, o nome da OER causou enorme estranhamento e até certa revolta por ele não incluir termos como “Sinfônica” ou “Filarmônica”. Mas o que não se compreendia era que uma nova orquestra estava nascendo, com outros interesses além da preservação da tradição sinfônica (o que ela também faz, a seu modo…).

MF: Como uma orquestra subsidiada essencialmente por recursos públicos, quais seriam os principais compromissos desse projeto com a sociedade brasileira?

JM: Ser um projeto de amplo espectro didático, que pensa não só na formação dos seus músicos, mas também na informação do seu público e, por último, mas não em último lugar, nas cabeças criativas que escrevem as obras que, como intérpretes, vamos executar.

MF: Há um projeto pedagógico na concepção da OER? Quis são seus fundamentos?

JM: Há, sim. A OER atua como uma espécie de “hospital-escola” do estudante de música. Da mesma maneira que o estudante de medicina entra em um hospital-escola apenas na fase final de sua formação, também na OER a admissão é para instrumentistas em avançado estágio de formação. A idade mínima é 14 anos, mas só raros entram na orquestra com essa idade, pois pressupõe um início bastante precoce de sua formação. O Pré-Profissional ganha uma bolsa que lhe dá a garantia da permanência por um ano. Findo esse período, ele deve refazer a prova de admissão para conseguir a renovação da bolsa por mais um ano, até perfazer o total de 4 anos. A OER é composta de 83 Pré-Profissionais e 17 Monitores (chefes de naipe), compondo um total de 100 músicos.

MF: Qual é a importância de uma orquestra de “formação”, no contexto da música erudita no Brasil? Essa formação diz respeito apenas ao desenvolvimento musical dos jovens profissionais ou se estende para outros campos? De que forma?

JM: Entre nós, a OER é um raro exemplo de conjunto artístico que oferece, aos jovens músicos, a oportunidade de serem intensivamente treinados em um repertório de concertos, óperas, balés, música popular, trilhas sonoras para filmes etc. Procuramos dar ao artista em fase de formação uma visão muito abrangente da importância da orquestra sinfônica nas mais diversas manifestações artísticas no mundo de hoje. Mas a OER não se esquece também do trabalho individual de seus integrantes. Para isso, ela mantém o Concurso Jovens Solistas, que se realiza anualmente, e dá a seu(s) vencedor(es) a oportunidade de atuar como solistas à frente da orquestra.

MF: Quais foram os músicos mais importantes, tanto como artistas quanto como “agentes formadores” dentro da orquestra, que tocaram ou realizaram parcerias ao lado da OER? Como se deram essas contribuições?

JM: A lista é longa, afinal são 20 anos de vida! Na OER acontece um fenômeno raro em orquestras: muitos artistas que figuram em nossas programações como solistas, durante seu período de convivência com a orquestra, acabam desenvolvendo um especial relacionamento com nossos músicos. Um desses exemplos foi Hermeto Paschoal. Quando ele chegava para os ensaios, imediatamente se formava um círculo à sua volta, com nossos músicos trocando suas experiências pessoais com o grande mestre da música popular de nosso país. Assim foi com outros grandes artistas também, como o jazzista norte-americano Wynton Marsallis.

MF: Quais foram as execuções mais interessantes realizadas pela OER? O senhor poderia descrever algumas delas?

JM: A OER tem sua programação composta por séries temáticas de concertos: Série Outros Sons (música popular + orquestra), Série Cinema em Concerto (trilhas sonoras de filmes executadas simultaneamente às projeções), Série Ópera-Estúdio (produções de títulos raros ou desconhecidos do público do Teatro Municipal) etc. Fica difícil escolher quais concertos de cada série teriam sido mais especiais. Como dizer que, na Série Cinema em Concerto, o espetáculo com trilhas de Bernard Hermann para filmes de Hitchcock foi mais ou menos interessante que o de Nino Rota para filmes de Fellini?

MF: A OER se interessa por trabalhar peças da música contemporânea brasileira e internacional? Quais foram as principais realizações da orquestra nesse sentido?

JM: A OER sempre dedicou especial atenção à produção contemporânea brasileira. Fizemos, por exemplo, a muito comentada primeira audição do “Concerto para Computador e Orquestra”, de Rodolfo Coelho de Souza. De Flo Meneses, fizemos seu labORAtorio, que acabou se tornando uma produção em DVD etc.

MF: Quais são os compositores “prediletos” da OER?

JM: Aquele que estamos executando no momento. Não é uma resposta política, mas reflete o comprometimento que sempre tivemos para com a obra que estamos abordando e seu autor.

MF: Quais músicos eruditos brasileiros contemporâneos aprecia em termos de composição? E estrangeiros? O que acha de Gilberto Mendes e Rogério Duprat? Existe crítica de música erudita no Brasil?

JM: Os dois compositores citados anteriormente [Rodolfo Coelho de Souza e Flo Meneses] + Gilberto Mendes (de quem fizemos o “Santos Football Music”) + Rogério Duprat (de quem executamos, recentemente, a nova versão para a orquestração de “Domingo no Parque”, com Lenine no vocal) + tantos outros, formam esse painel plurissonoro que compõe a exuberante música do Brasil.

MF: Em matéria da revista Concerto (março de 2010), o senhor afirma ser a OER, hoje, um projeto firme e consolidado. Levando em conta tal perspectiva, quais seriam as metas e os desafios desse grupo em um futuro próximo?

JM: Viajar, viajar e viajar. Levar essa proposta para outras cidades e ver nascer, quem sabe, outras OERs. Outro projeto que gostaríamos de fazer é sediar um encontro anual em torno da música sinfônica, com compositores, maestros, músicos e público para, juntos, esticarmos a “corda sinfônica” e ver nascer, daí, os sons mais incríveis que essa junção de forças pode produzir. Afinal, a orquestra, esse multi-instrumento que se desenvolveu ao longo dos séculos como nenhum outro, não para de buscar novos desafios, novas fronteiras para transpor.