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O fracasso de todos os “climas”

A imprensa divulga que a COP 15, a conferência sobre as mudanças climáticas realizada em Copenhague, com participação de 193 Estados, fracassou, atribuindo responsabilidades a este ou àquele país e/ou a este ou àquele “líder”. O que fracassou – há muito tempo – foi a ideia de implementação de políticas sociais públicas, que foram substituídas, em quase todos os países, pelas leis globais de mercado e pela venalidade de seus governantes. A ONU, patrocinadora do evento, foi criada logo após a Segunda Guerra e perdeu, com a presidência de George Bush (2000-2008), mas não só em função dela, sua tépida capacidade de mediar conflitos.

Há 30 anos pelo menos se ataca permanentemente qualquer ideia de Estado social. Nunca houve políticas públicas reais para preservação do meio ambiente, considerado infinito em seus recursos. O significativo aumento da pobreza no mundo foi ignorado pelas elites financeiras. Preservar o meio ambiente é, entre outras coisas, fazer planejamento urbano adequado. Cito o caso concreto da cidade de São Paulo, onde os cidadãos atingidos pelos alagamentos, causados pelas chuvas, não compreendem sequer suas razões, tais como canalização excessiva dos rios, para fomento da indústria do automóvel, ausência de políticas habitacionais, o desemprego, a ínfima rede de transporte coletivo etc. São Paulo é uma cidade sem pés nem cabeça, regida por corretores imobiliários, jamais contidos pelo Estado – ao contrário. O desprezo por políticas sociais, pelo ser humano, pela vida, mero instrumento de marketing, é a principal questão e se inclui na esfera dos direitos humanos e direitos dos animais.

O “fracasso” não se deu agora. Entretanto, a imprensa é, de modo geral, pautada por efemérides – registro dos acontecimentos realizados no mesmo dia do ano, em épocas diferentes. Exemplos recentes: um ano da eleição de Barack Obama, 20 anos da queda do Muro de Berlim, 10 anos da morte do poeta João Cabral, 50 anos da Declaração dos Direitos do Homem e assim por diante. Essa falta de ousadia traz o passado para o centro do presente, que passa, na verdade, despercebido, sem ser enfrentado. Vive-se em uma era conservadora. Há outra acepção de efemérides: notícias diárias, ou seja, um acúmulo acrítico de informações, que deixa o leitor sem a explicação do fato, que o mantém alheio às causas, atirando-lhe aos olhos os efeitos. Acompanhamos os efeitos.

A reunião de Copenhague mostrou, por outro lado, o dissenso entre as elites governantes (e os empresários imediatistas) e a democracia, em crise aguda. Os representantes do “povo” não o representam, mas apenas a si mesmos (exemplo local: os vários mensalões) e às empresas, para as quais a única lei que existe é a do mercado – a principal causa da degradação social e ambiental – já quase irreversível. De acordo com o bispo sul-africano Desmond Tutu, aqueles que tomam as decisões sobre como reagir às mudanças climáticas são os mesmos que a causaram.

Aponto como razão deste fracasso outra anterior: a ONU não trabalhou, como deveria tê-lo feito, a tópica das regras transnacionais de caráter obrigatório: leis internacionais, sufocadas pela Guerra Fria. Só a economia predadora está globalizada. O egoísmo soberanista (diverso da soberania de um Estado) e o nacionalismo estreito – sobretudo dos norte-americanos e agora dos chineses – inviabiliza a criação de um código internacional para o meio ambiente. Governos neofascistas como o do Irã ou de Israel igualmente o inviabilizam, com seus programas nucleares. Oligarquias corruptas, que aprisionam seus países, também o inviabilizam etc. Nenhum país rico quer renunciar às suas hegemonias. Não há qualquer perspectiva de lei internacional vinculante, mas apenas a da lei do mercado, que impõe aos países – como os Estados Unidos – sair do crash de 2008 com o mesmo modelo econômico anterior, em outras palavras, sair da recessão “tecnicamente”, com muito mais pobres. No Brasil, nunca se venderam tantos automóveis, sem qualquer contrapartida ecológica das montadoras. O IBAMA, órgão tímido de fiscalização, está prestes a ser esvaziado. A China não abre mão de seu modelo de crescimento destrutivo. E assim por diante. Somente a União Europeia tem tradição de trabalho com leis transnacionais. A minoria continuará a viver em suas “Bushvilles”, enquanto a maioria sofrerá, como em São Paulo, com as enchentes, e fenômenos muito piores.

O clima e a poluição são universais, mas a política é local. Pela primeira vez, a humanidade vê-se ante uma ameaça universal, como aponta o filósofo Daniel Inneraty. Acrescento: com respostas conservadoras, de manutenção do atual modelo capitalista. Entretanto, dada a sua gravidade e seu poder letal, a morte da Terra desmascara a democracia formal (população excluída), a insuficiência da ONU e de suas declarações “programáticas”, o neocolonialismo (os Estados Unidos são os maiores emissores de CO2, mas o Congo sofre impotente suas consequências), os falsos líderes, e expõe a necessidade de uma radical e nova mudança, mudança da economia irresponsável da onipotência para a da escassez e da preservação e restauração da fauna e flora, dos rios, mares etc. Concluo com Inneraty: “as negociações sobre o aquecimento global são tão importantes que ninguém pode se dar ao luxo de instalar-se em suas próprias posições”. Copenhague demonstrou que talvez elas se façam, mas cheguem tarde demais.


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.