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VERGONHA, OBAMA!

Nelson Rodrigues (1912-80), registrou tanto o dia da morte de John como uma visita de seu irmão Bob ao Rio numa crônica intitulada “O menino Kennedy”, de 1968.

Bob esteve em Brasília em dezembro de 1962, com o presidente João Goulart (1919-76), cujo governo se estendeu de 1961 a 1964, e deve ter dado uma esticada até o Rio. Nelson – o maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos – conheceu Bob por meio de seu filho Joffre Rodrigues, que residia em Nova York: “Súbito meu filho chega a Bob Kennedy. Nós o conhecemos fisicamente, nós o vimos, aqui na praia, de calção, dourando-se ao sol como um camaleão (rimou com calção, e desculpem)”. Compara os dois: “No momento em que John morreu, Bob começou a ser candidato”. A observação contundente vem a seguir: “Eu diria que, no seu caminho presidencial, só resta uma dúvida. E, de fato, custa a crer que existam, numa mesma família [Nelson – um surdo – não escutou o cacófato, “mame” e me desculpem], dois Kennedys. Seria o mesmo que pretender dois Napoleões. E, quando dois nomes coincidem, passamos de um Napoleão, o Grande, para o Napoleão III, o Idiota”.

George Herbert Bush não foi nenhum Napoleão, o Grande, durante seu mandato de presidente, que durou de 1989 a 1993. Governou no momento de alta do neoliberalismo. Saboreou a extinção da União Soviética (em 1991) e bombardeou, de leve, o Iraque. Sobreviveu a uma pequena recessão. Foi o.k., para um ianque. George Walker Bush, nascido em 1946, provavelmente no dia mais aziago, frio e nublado daquele ano, é o Napoleão III, o Idiota, de Nelson Rodrigues.

 

Nelson Rodrigues

 

Não bastaram sete anos e nove meses de seu desgoverno para que o Partido Democrata e o senador Barack Obama liderassem com folga a campanha. Não há dúvida de que Obama é superior a John McCain, um playboy e, pela idade avançada, até um ex-senador. E ainda por cima – relata a imprensa norte-americana – corrupto. Suas “ideias” não ultrapassam o clichê: para ele, o mundo dos sonhos é um campo minado. É um populista e o populismo é uma das formas de degradação da democracia. Não bastou George Walker Bush sustentar duas guerras, insustentáveis, a primeira por sete anos e a segunda por cinco anos, para os democratas abrirem vantagem sólida. Os atentados de 11 de Setembro de 2001, em Nova York e Washington, foram manipulados pela extrema direita bushiana para levar o mundo a pensar que a Jihad, guerra santa islâmica, seria o grande problema do século 21, quando as tensões reais vêm da China – um potência – e da Rússia, que, pelo arsenal bélico, tem poder perturbador, como nota Josep Ramoneda. Não bastou Napoleão III – desde o segundo ano de seu mandato – impor uma crise econômica estrondosa aos Estados Unidos e, agora, ao mundo.

Não bastaram Abu Ghraib e Guantánamo. Não bastaram as 10 mil casas hipotecadas, reavidas todo dia pelos bancos. Não bastou o Katrina. Não bastam 45 milhões de norte-americanos sem seguro-saúde. Não basta a escalada do aquecimento global – obra de Deus, segundo Sarah Palin. Nada basta para Barack Obama liderar com segurança. Ele arca com o “black tax” – o imposto por ser negro. Ele paga, no entanto, também, por erros próprios. O maior deles: ter escolhido o anódino senador Joe Biden para concorrer como seu vice-presidente.

Nelson caracterizava John Kennedy como um menino e não como um líder porque, para ele, “o verdadeiro líder é um canalha”. Talvez Obama seja uma re-edição do menino, em versão ainda mais humana. Kennedy – ao contrário de Obama – convidou seu áspero concorrente das primárias democratas, quase um inimigo, para sair como seu candidato a vice-presidente: Lyndon Johnson (1908-73). Hoje, o nome inerente seria Hillary Clinton, para unir o “partido”. A vazia nazifascista Sarah Palin fez um estrago e tanto na campanha democrata. John McCain é um ex-senador, tecnicamente falando, porém ainda não é uma ex-raposa. É aquele “canalha” de que fala Rodrigues.

O segundo erro grave do “menino” Obama foi ter imitado Hillary Clinton e imaginar que a vitória estava garantida. Coisa mesmo de menino, que, onipotente, parece desconhecer o poder da direita e da extrema direita norte-americana, que queimava negros vivos no Sul do país, antes do início do movimento liderado por Martin Luther King (1929-68), há menos de cinquenta anos. Coisa de menino imperialista: quis ganhar sozinho.

 

Barack e Michelle Obama em 1992

 

Não basta o “investidor” Georges Soros afirmar que o mundo, em razão da “desregulamentação” implantada no campo financeiro por George Walker Bush, vive um novo 1929, apenas com mais consciência. Soros, ao contrário de seu pares ideológicos republicanos, quer que o Estado pague a conta do “sistema”, a conta de Wall Street – inspirado, creio, na “tradição brasileira” de “estatizar” os prejuízos dos ricos e privatizar cada vez mais os lucros deles. Não basta McCain defender novos cortes de impostos para os milionários. Não basta Obama “vencer” o primeiro debate, realizado em 26 de setembro, para liderar com folga e tranquilizar o mundo – dizer a ele que, ao menos, o pesadelo nazifascista vai passar. O debate serviu, como registrou o New York Times em seu editorial, para que McCain parasse de mentir em comerciais sem conteúdo. Obama lidera pela apertada margem de 4%, quando deveria liderar por uma diferença de, no mínimo, 20%.

Nelson observou que John Kennedy morreu antes de concluir sua obra: “Um Napoleão que morresse antes da tomada da Bastilha não seria Napoleão. Um Cristo morto aos 3 anos de idade, de coqueluche, já não seria Cristo”. Espera-se que Barack Obama não morra antes da hora – como fez, um pouco, depois da vitória nas primárias. O mundo do turbocapitalismo e de guerras de George Napoleão III Bush – o Idiota – felizmente ruiu, apesar do alto preço. Espera-se que Barack Obama – o político do diálogo e da recuperação do espaço público – seja, enfim, aquela personagem que Nelson Rodrigues bem definia: “O verdadeiro líder há de morrer com rosto [refere-se ao rosto desfigurado por balas de John Kennedy]. Sim, a morte tem que preservar seu perfil para a moeda, a cédula, a medalha”. Que seja o líder para revigorar a democracia no mundo.


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.