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No que você está pensando, meu caro facefriend?

Que as escolhas ou decisões (não importa a angulação) são precárias, provisórias, e se nos recusamos a fazê-las só nos resta o eterno e as condecorações de praxe.

Que todos esses escritores que infestam as redes sociais são competentes e manejam muito bem os fundamentos do ofício, mas tais dotes não realçam espíritos superiores, apenas compensam intelectos medíocres.

Que podemos usar a opção “curtir” caso sejamos informados, por exemplo, sobre a morte de algum dos nossos desafetos.

Que, através de um raciocínio sedutor e de emendas feiticeiras, o escritor-seguidor das redes sociais tenta por esse meio persuadir-nos de sua significância, contudo, sem confundir ao menos o crítico atento, ilude-se a si mesmo.

Que muitos querem ir além, dizer mais e fazer mais; e que é fácil dar as costas ao além (a tradição, o mundo dos mortos), de onde viemos todos.

Que um homem sozinho não deve ser temido nem estimado.

Que mais se escapa do que se desperta do pesadelo da história.

Que o maior lugar-comum dos últimos tempos é conseguir uma audiência com e/ou posar para uma foto ao lado do poeta Ferreira Gullar.

Que, depois que alguém teve a cara de pau de dizer (em público!) uns desaforos a respeito do medalhão, os seguidores deste último de pronto caem em si e confessam: “Ah, então, ele também me enoja em uma ou duas coisinhas…”

Que não curtir é a maior curtição.

Que um novo Rimbaud no Acre ou em qualquer lugar que seja é tão improvável quanto um gaúcho modesto.

Que publicar no “mural” do amigo dileto é o primeiro passo para uma rentável relação corruptora.

Que, depois de um beijo e de um abraço apertado, às vezes também nos batem a carteira.

Que compartilhar o bônus é moleza.

Que suportamos além do tolerável a cólica narcísica do outro.

Que escritores de segunda categoria (e eles geralmente amam versos ditos a plenos pulmões) quando se referem à genitália o fazem como se disparassem uma cusparada.

Que o vicioso da internet é muitas vezes o estrume da virtude dessa rede de reconhecimentos recíprocos (que não pode ser quebrada!).

Que a arte de fazer inimigos não é mais deste mundo.


 Sobre Ronald Augusto

poeta, letrista e ensaísta. Formado em Filosofia pela UFRGS e mestrando em Teoria Literária na mesma instituição. Autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013), Nem raro nem claro (2015), À Ipásia que o espera (2016) e A Contragosto do Solo (2021). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com