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A LÍNGUA PORTUGUESA DE CABO VERDE: CORSINO FORTES

Corsino Fortes nasceu na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, em 1933. Formou-se em Direito em Lisboa em 1966, onde, após a independência de seu país de Portugal, em 1975, tornou-se Embaixador por certo tempo. De 2003 a 2006 foi Presidente da Associação dos Escritores de Cabo Verde. Tem vários livros publicados, entre eles Pão e fonema e Árvore e tambor.

Cabo Verde, uma república parlamentarista, é um país africano composto por dez ilhas, que se situa no Oceano Atlântico a 640 de Dacar, no Senegal; entre seus vizinhos próximos estão a Mauritânia, a Gâmbia e a Guiné-Bissau, outro país de língua portuguesa.

Fortes revela que, embora escreva em português, vale-se exclusivamente do “material e ou do mobiliário caboverdiano”. Observa o jovem poeta de Coimbra João Rasteiro que: “Fortes lida com a afirmação do homem caboverdiano entre a secura do céu e a cabeça calva da ilha”. Penso que, em sua poesia, a insularidade de Cabo Verde aflora numa sintaxe fragmentária e em síncopes: “Esta / a minha mão de milho & marulho / Este / o sol a gema. E não / o esboroar do osso na bigorna…” (De Boca a Barlavento). Fortes faz uma poesia de coisas concretas, quase nada abstratizante. Leia-se trecho do poema Girassol : Girassol / Rasga a tua indecisão / E liberta-te. // Vem colar / O teu destino / Ao suspiro / Deste hirto jasmim / Que foge ao vento / Como / Pensamento perdido…”. Em sua síncope, há a expressão direta e o coloquialismo, ao lado, às vezes, de um tom alto, sempre contrastado por inflexão brutal, vigorosa. Diz ele que, em seus poemas, “habitam os arquipélagos por fora e por dentro”. Corsino é um bom poeta de língua portuguesa, e não por ser “caboverdiano”, como nos mostra Ana Mafalda Leite: ”Do resquicial fonema que reclamava a liberdade de ser palavra e voz, advém o tambor, som pleno (…) de ritmo de festa e de solidariedade(…), trata-se, no caso deste poeta, de concretizar o ato pela ação”. Selecionei quatro poemas de Fortes para Sibila: “De Boca a Barlavento”, I e II, “Girassol “e “Ilha”.

 

De Boca a Barlavento I

Esta
a minha mão de milho & marulho
Este
o sól a gema E não
o esboroar do osso na bigorna
E embora
O deserto abocanhe a minha carne de homem
E caranguejos devorem
esta mão de semear
Há sempre
Pela artéria do meu sangue que g
o
t
e
j
a
De comarca em comarca
A árvore E o arbusto
Que arrastam
As vogais e os ditongos
para dentro das violas

 

De Boca a Barlavento II

Poeta! todo o poema:
geometria de sangue & fonema
Escuto Escuta

Um pilão fala
árvores de fruto
ao meio do dia
E tambores
erguem
na colina
Um coração de terra batida
E lon longe
Do marulho á viola fria
Reconheço o bemol
Da mão doméstica
Que solfeja

Mar & monção mar & matrimónio
Pão pedra palmo de terra
Pão & património

 

Girassol

Girassol
Rasga a tua indecisão
E liberta-te.

Vem colar
O teu destino
Ao suspiro
Deste hirto jasmim
Que foge ao vento
Como
Pensamento perdido.

Aderido
Aos teus flancos
Singram navios.

Navios sem mares
Sem rumos
De velas rotas.

Amanheceu!

Orça o teu leme
E entra em mim
Antes que o Sol
Te desoriente
Girassol!

 

Ilha

Sol & semente
Tambor de som
Que floresce
A cabeça calva de Deus.


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.