Skip to main content

Poesia da Provença

GUILHEM DE POITIERS (1071-1127)
Ab la dolçor del temps novel
folhon li bosc, e li aucel
chanton chascus en lor latí
segon lo vers del nòvel chan;
adonc està já qu’òm s’aisí
d’aissò dont òm a plus talan.
Com a doçura do tempo novo
florescem os bosques e as aves
cantam cada uma delas no seu latim
segundo os versos do novo canto;
convém portanto que se ocupe assim
cada um daquilo que mais anseia.
De lai don plus m’es já e bel
non vei messatger ni sagel,
per que mos cors non dorm ni ri,
ni no m’aus traire adenan,
tro que sacha já de la fi
s’el’ es aissí com eu deman.
Dali, da melhor e mais bela morada,
não vem mensageiro nem carta selada,
pelo que o meu corpo não dorme nem ri
e nem mesmo ouso seguir adiante,
até que saiba bem desse fim,
se ele é assim como eu reclamo.
La nostr’amor vai enaissí
com la brancha de l’albespí
qu’està sobre l’arbre en treman,
la noit, a la ploia ez al gel,
tro l’endeman, que ‘l sols s’espan
per las folhas vertz e ‘l ramel.
Com o nosso amor acontece assim
como com o ramo do branco-espinho
que está sobre a árvore tremendo
à noite, à chuva e ao gelo,
até ao novo dia,quando o sol se expande
pelas folhas verdes e o ramo.
Enquer me membra d’un matí
que nos fezem de guerra fi,
e que.m donet un don tan gran:
sa drudaria e son anel:
enquer me lais Deus viure tan
qu’aja mas mans sotz son mantel!
Lembro-me ainda de uma manhã
em que pusemos à guerra fim
e em que me deu um dom tão grande:
o seu corpo amado e o seu anel;
que Deus me deixe viver o bastante
para ter minhas mãos sob o seu mantel!
Qu’eu non ai sonh d’estranh latí
que.m parta de mon Já Vezí:
qu’eu sai de paraulas com van
ab un brèu sermon que s’espel,
Que tals se van d’amor gaban,
Nos n’avem la pessa e ‘l coutel.
E caso não farei de estranho latim
que me afaste do meu “Bom Vizinho”:
pois sei de palavras como vão
num breve discurso que se espalha…
Que alguns se vão de amor gabando
mas nós temos a carne e o cutelo.
BERNART DE VENTADORN (…1150-80…)
Quan vei la lauzeta mover
de joi sas alas contra ‘l rai,
que s’oblid’ e.s laissa chazer
per la doussor c’al cor li vai,
ai! tan grans enveia m’en ve
de cui qu’eu veia jauzion!
Meravilhas ai, car desse
lo cor de desirer no.m fon.
Quando vejo a cotovia mover
de alegria as asas contra o raio
que se esquece e se deixa cair
com a doçura que no coração lhe vai
ai! tão grande inveja me vem
daqueles que vejo andar contentes!
E maravilho-me eu como de repente
de desejo o meu coração não se funde.
Ai, las! tan cuidava saber
d’amor, e tan petit en sai!
Car eu d’amar no.m posc tener
celeis don já pro non aurai.
tout m’a mo cor, e tout m’a me,
e se mezeis e tot lo mon!
E can se.m tolc, no.m laisset re
mas desirer e cor volon.
Ai eu! tanto cuidava saber
de amor e tão pouco sei!
Pois eu de amar não me posso conter
aquela cujo favor nunca terei;
tem o meu coração e tem-me todo a mim,
tem-se a si própria e ao mundo inteiro!
E quando me tomou nada mais me deixou
senão desejo e coração voraz.
Anc non agui de me poder
ni no fui meus de l’or’ en sai
que.m laisset en sos olhs vezer
en un miralh que mout me plai.
Miralhs, pos me mirei en te,
m’já mort li sospir de preon,
c’aissi.m perdei com perdet se
lo bels Narcisus en la fon.
Perdi já eu sobre mim o poder
e deixei de ser meu desde o instante
em que me deixou nos seus olhos ver,
num espelho que me agrada tanto.
Espelho, pois me mirei em ti,
mataram-me os suspiros mais profundos,
que assim me perdi, como se perdeu
o belo Narciso na fonte.
De las domnas me desesper!
Já mais en lor no.m fiarai!
C’aissi com las solh chaptener,
Enaissi las deschaptenrai;
pois vei c’una pro no m’en te
vas leis que.m destroi e.m cofon,
totas las dopt’ e las mescrè,
car be sai c’atretals se son.
Das donas me desespero,
não mais nelas me fiarei!
Que assim como as usava defender
assim as desabonarei;
pois vejo que nenhuma me auxilia
junto daquela que me destrói sem razão,
de todas duvido, de todas desconfio,
pois sei bem que todas iguais são.
D’aisso’s fa be femna parer
ma domna, per qu’e.lh o retrai:
car no vol so c’om deu voler,
e so c’om li deveda, fai.
Chazutz sui en mala mercè,
e ai be faih co.l fols en pon!
E no sai per que m’es devè,
mas car trop poiei contra mon.
Nisso faz bem o papel de mulher
a minha dona, que condeno assaz:
pois não quer o que se deve querer
e o que lhe é vedado faz.
Caído sou em sua impiedade
e agi pois como o louco na ponte!
E não sei porque me vou curvado
se não por querer subir alto monte.
Merces es perduda, per ver,
e eu non o saubi anc mai,
car cilh qui plus en degr’aver,
no.n a ges, e on la querrai?
Ah! can mal sembla, qui la vè,
qued aquest chaitiu desiron
que já ses leis non aura be,
laisse morrir, que no l.aon
Piedade está perdida a valer,
e eu não o soube jamais,
pois aquela que mais a deveria ter
não a tem; e onde a irei buscar?
Ah! como pouco parece, a quem a vê,
que este cativo amador,
que já sem ela não encontrará bem,
deixe morrer, sem socorro lhe dar!
Pos ab midons no.m pot valer
precs ni merces ni.l dreiz qu’eu ai,
ni a leis no já a plazer
qu’eu l’am, já mais no.lh o dirai.
Aissi.m part de leis e.m recrè!
Mort m’a, e per mort li respon,
e vau m’en, pus ilh no.m retè,
Chaitius, en issilh, no sai on.
Pois com minha dama não me podem valer
preces, nem piedade, nem meu bom direito,
nem a ela não lhe causa prazer
que eu a ame, jamais lho direi.
E assim dela me afasto e me rendo!
Pois me matou, como morto lhe respondo,
e vou-me daqui, pois ela não me retém,
cativo, em exílio, não sei onde.
Tristans, ges no.n auretz de me,
qu’eu m’en vau, chaitius, no sai on.
de chantar me gic e.m recrè,
e de joi e d’amor m’escon.
Tristão, nada mais tereis de mim,
pois me vou, cativo, não sei onde;
ao cantar volto costas e me rendo assim,
e da alegria e do amor me escondo.
Tant ai mo cor ple de joia,
tot me desnatura:
flor blanca, vermelh’ e groia
me par la freiura,
C’ab lo já et ab la ploia
me creis l’aventura,
per que mos chans mont’ e poia
e mos pretz melhura .
Tan ai al cor d’amor,
de joi e de doussor,
per que.l gels me sembla flor
e la neus verdura
Tenho o coração tão cheio de alegria
que tudo me desnatura:
flor branca, amarela e vermelha
me parece a friura;
pois com o vento e com a chuva
me cresce a ventura,
e o meu canto aumenta e cresce
e o meu mérito melhora.
Tanto tenho no coração amor,
alegria e doçura,
que o gelo me parece flor
e a neve verdura.
Anar posc ses vestidura,
Nutz en ma chamisa,
Car fin’ amors m’asegura
de la freia briza.
Mas es fols qui.s desmesura,
e no.s te de guisa;
per qu’eu ai pres de me cura,
deis c’agui enquiza
la plus bela d’amor,
don aten tan d’onor,
car en loc de sa ricor
no volh aver Piza.
Andar posso sem vestimenta,
nu na minha camisa,
pois o fino amor me proteje
da fria brisa.
Mas é louco quem se desmesura
e não se avisa;
pelo que eu aprendi a conter-me
desde que requisito
à mais bela o amor,
de que espero tanta honra,
que em lugar da sua riqueza
não quero ter Piza.
De s’amistat me reciza,
mas be n’ai fiansa,
que sivals eu n’ai conquiza
la bela semblansa;
e ai ne a ma deviza
tan de benanansa,
que já.l jorn que l’aurai viza,
non aurai pezansa.
Mo cor ai pres d’Amor,
que l’esperitz lai cor;
mas lo cors es sai, alhor,
lonh de leis, en França.
Da sua amizade me retira,
mas tenho confiança
que ao menos conquistei
o amável semblante;
e tenho diante de mim
tanta bem aventurança
que do dia em que a vi
não terei má lembrança.
Meu coração prendi de Amor
e o espírito para ela corre;
mas o corpo está aqui, alhures,
longe dela, em França.
Eu n’ai la já’ esperansa;
mas petit m’aonda,
c’atressi.m já en balança
com la naus en l’onda;
del mal pes que.m desenansa,
no sai on m’esconda:
tota noi me vir’ e.m lansa
de sobre l’esponda.
Plus trac pena d’amor
de Tristan, l’amador,
que.n sofri manhta dolor
per Izeut, la blonda.
Eu tenho boa esperança;
mas pouco me adianta
pois me tem em balança
como a nau na onda;
do mau pesar que me abate
não sei onde me esconda:
toda a noite me viro e me lanço
nos bordos da cama.
Tenho mais coita de amor
que Tristão, o amador,
que sofreu tamanha dor
pela loira Isolda.
Ai Deus! car no sui ironda,
que voles per l’aire
e vengues de noi prionda
lai dins so repaire?
Bona domna jauzionda ,
mor se.l vostr’ amaire!
Paor ai que.l cors me fonda,
s’aissi.m dura gaire.
Domna, per vostr’ amor,
jonh las mans e ador!
Gens cors ab fresca color,
gran mal me faitz traire!
Ai Deus! por que não sou andorinha
que voasse pelo ar
e fosse na noite profunda
até dentro da sua morada?
Boa dona prazenteira,
morre o que vos ama!
Temo que o coração se dissolva
se assim me dura a espera.
Dona, por vosso amor,
junto as mãos e adoro!
Gentil corpo de fresca cor,
que mal grande eu sofro!
Qu’el mon non a nul afaire
don eu tan cossire,
quan de leis au re retraire,
que mo cor no i vire
e mo semblan no.m n’esclaire:
que que.m n’aujatz dire,
si c’ades vos er veiaire
c’ai talan de rire.
Tan l’am de já’ amor
que manhtas vetz en plor,
per o que melhor sabor
m’en já li sospire.
No mundo não há caso outro
que tanto me inquiete,
que, quando dela falar ouço,
o meu coração não se agite
e o meu semblante não se ilumine:
o que quer que me ouvirdes dizer
decerto sempre vos irá parecer
que tenho vontade de rir.
Mas tanto a amo de perfeito amor
que muitas vezes choro,
porque o melhor sabor
encontro-o nos suspiros.
Messatgers, vai e cor,
e di.m a la gensor
la pena e la dolor
que.n trac, e.l martire
Mensageiro, vai e corre,
e diz à mais gentil
a pena e a dor
que sofro, e o martírio
JAUFRE RUDEL (…1125-1148…)
Lanquan li jorn son lonc en mai
m’es bels dous chans d’auzels de lonh,
e quan mi sui partitz de lai,
remembra.m d’un amor de lonh;
vau de talan embroncs e clis
si que chans ni flors d’albespis
no.m platz plus que l’iverns gelatz.
Quando os dias são longos em Maio
é-me doce o canto dos pássaros de longe,
e quando me parti de lá
relembra-me um amor de longe;
vou, de desejo, curvado e triste
tal que nem cantos nem flores de branco-
[espinho
me agradam mais que o inverno gelado.
Be tenc lo Senhor per verai
que formet cest’ amor de lonh,
mas per un já que m’en eschai
n’ai dos mals, car tant m’es de lonh.
Ai! car me fos lai pelegris,
si que mos fustz e mos tapis
fos pels seus bels olhs remiratz!
Bem tenho o Senhor por verdadeiro,
que criou este amor de longe,
mas por um bem que me acontece,
tenho dois males, pois me está longe.
Ai! assim fosse eu lá peregrino
para o que meu bordão e o meu manto
fossem dos seus belos olhos contemplados.
Be.m parra jois quan li querrai,
per amor Deu, l’ostal de lonh;
e s’a leis platz, albergarai
pres de leis, si be.m sui de lonh;
qu’aissi es lo parlamens fis
quan drutz lonhdas er tan vezis
qu’ab cortes ginh jauzis solatz.
Alegria será quando lhe pedir,
por amor de Deus, o albergue de longe;
e se lhe agradar, albergarei
junto a seu lado, se bem sou de longe;
que assim é a conversa perfeita,
quando o amante longínquo é tão vizinho
que com espírito cortês goza prazer.
Iratz e dolens m’en partrai,
s’eu no vei cest’ amor de lonh;
no.m sai quora mais la veirai,
que tan son nostras terras lonh:
assatz hi a pas e camis,
e per aisso non sui devis…
mas tot já com a leis platz.
Irado e dolente me partirei
se não o vejo, este amor de longe;
e não sei quando a verei
de tal modo são as nossas terras longe:
assaz há passos e caminhos;
e por isso não sou adivinho…
mas tudo seja como a ela apraz.
Jamai d’amor no.m jauzirai
si no.m jau d’est’ amor de lonh,
que melher ni gensor non sai
ves nulha part, ni pres ni lonh;
tant es sos pretz rics e sobris
que lai el renh dels Sarrazis
fos eu per leis chaitius clamatz.
Jamais amor não desfrutarei
se não disfrutar este amor de longe,
pois melhor nem mais gentil não sei
em nenhum lugar, nem perto nem longe;
tanto o seu mérito é grande e elevado
que lá no reino dos Sarracenos
fosse eu por ela cativo proclamado.
Deus que fetz tot quant ve ni vai,
e formet cest’amor de lonh
mi don poder, que cor be n’ai,
qu’eu veia cest’amor de lonh,
veraiamen en loc aizis,
si que la cambra e’ls jardis
mi ressemblom novels palatz.
Deus, que fez tudo o que vem e vai,
e criou este amor de longe,
me dê o poder – que ânimo já terei,
de ver este amor de longe,
verdadeiramente, em lugar propício,
tal que a câmara e os jardins
me parecerão novos palácios.
Ver ditz qui m’apela lechai
e deziros d’amor de lonh,
que nuls autres jois tan no.m plai
cum jauzimens d’amor de lonh;
mas so qu’eu volh m’es tant ahis:
qu’enaissi.m fadet mos pairis
qu’eu ames e non fos amatz.
Verdade diz quem me chama ávido
e desejoso de amor de longe;
pois nenhumas alegrias me agradam mais
que os prazeres de amor de longe;
mas o que eu quero me é tão vedado:
que assim me fadou o meu padrinho
que eu amasse e não fosse amado.
Mas so qu’eu volh m’es atahis
tot sai mauditz lo pairis
que.m fadet qu’eu non fos amatz.
Mas o que eu quero me é vedado:
maldito seja para sempre o padrinho
que me fadou que eu não fosse amado!
ARNAUT DANIEL (…1180- 1295…)
Sol sui qui sai lo sobrafan qu’em sortz
al cor d’amor sofren per sobramar,
que mos volers es tant ferms et entiers
c’anc non s’esduis de celei, ni s’estors
cui encubic al prim vezer s’e pois:
c’ades ses leis dic a leis cochos motz;
pois quand la vei non sai, tant l’ai, que dire.
Só eu é que sei o grande afã que me invade
o coração, de amor sofrendo por demais amar,
pois a minha vontade é tão firme e inteira
que disso não se afasta, nem se pode desviar
daquela que me prendeu a primeira vez e depois;
que quando está longe longamente lhe falo,
e quando a vejo não sei, tendo tanto, que lhe dizer.
D’autras vezer sui secs e d’auzir sortz
qu’en sola leis vei e aug e esgar,
e jes d’aisso no’ l sui fals plazentiers
que mais la vol non ditz la boca’l cors,
qu’eu non vau tant chams, vauz, ni plas, ni pois
qu’en un sol cors trob aissi bons aips totz,
qu’en leis los volc Deus triar e assire.
A outras ver sou cego e de ouvir surdo,
que a ela somente vejo, escuto e acato;
e não lhe faço aqui falsos louvores
que mais não diz a boca do que o coração quer;
pois passo tantos campos, vales, planícies, montes
e num só ser encontro assim as virtudes todas:
que nela Deus as quis reunir e fixar.
Já ai estat a maintas bonas cortz,
mas sai ab leis trob pro mais que lauzar:
mesur’e já e autres bos mestiers,
beutat, joven, bos faitz e bels demors;
gen l’enseignet cortesia la dois
tant a de si totz faitz desplazens rotz
de leis non cre res de já si’a dire.
Certamente estive em muitas grandes cortes,
mas sei que nela encontro muito mais que louvar:
mesura e sensatez e muitos outros méritos,
beleza, juventude, bons feitos, gestos belos;
Nobreza lhe ensinou Cortesia e a dotou;
de tal forma de si afastou os defeitos
que dela nenhum bem fica ainda para dizer.
Nuls jauzimen no’m fora breus ni cortz
de leis, cui prec qu’o volha devinar,
o já per mi non o sabra estiers
si’l cors, ses dich, no’s presenta de fors,
que jes Rozers, per aiga que l’engros,
non a tal bru c’al cor plus larga dotz
no.m fass’ estanc d’amor, quan la remire.
Prazer nenhum me virá breve e fraco
dela, a quem peço que o queira adivinhar,
ou já por mim não o saberá inteiro,
se o coração, a sua fala, à força não se mostrar:
que até o Reno, quando as águas sobem,
não tem a força que no coração mais corre
e me faz estancar de amor, quando a contemplo.
Jois e solatz d’autra.m par fals e bortz,
c’una de pretz ab leis no’is pot egar,
que’l seus solatz es dels autres sobriers.
Ai, si no l’ai, las, tan mal m’a comors!
Pero l’afans m’es deportz, ris e jois,
car en pensan sui de leis lecs e glotz:
ai Deus, si já.n serai estiers gauzire!
Alegria e prazer de outra me parecem falsos e ocos
pois o mérito de nenhuma se lhe pode comparar,
que o seu favor é aos outros superior.
Ai! se não for minha, helàs! assim me cativou!
Mas o afã me distrai e é riso e alegria
pois pensando, sou dela alegre e desejoso:
ai Deus, pudesse eu já inteiramente gozar!
Anc mais, so’us pliu: no’m plac tant treps ni bortz,
ni res al cor tant de joi no.m poc dar
cum fertz aquel, don anc feinz lausengiers
non s’esbruic, c’a mi sol so’s tresors.
Dic trop? Eu non, sol leis non si’enois:
bella, per Deu, lo parlar e la votz
volh perdr’enans que diga ren que’us tire.
E mais vos digo: não prezo tanto jogos e torneios,
nem nada ao coração tanta alegria me pode dar
como deu aquela, de que nem os falsos aduladores
se gabam, e que para mim só é um tesouro.
Digo demais? Eu não, assim não se aborreça ela:
bela, por Deus, o falar e a voz
quero perder antes que diga algo que vos canse.
E ma chanzos prec que no’us si’enois
car, si voletz grazir lo son e’ls motz,
pauc prez’Arnautz cui que plass’o que tire .
A minha canção peço que não vos aborreça,
pois se quiserdes acolher a música e as palavras,
pouco importa a Arnaut a quem agrade ou canse.
Breve Nota sobre a Poesia Provençal
No início do século XII, Guilherme, 7º conde de Poitiers e 9º duque da Aquitânia, um dos maiores senhores da Europa da época, dá início a um dos movimentos literários e culturais mais importantes e fecundos da cultura europeia, a chamada poesia provençal. Escrevendo (e cantando) em “língua vulgar” (a língua do “vulgo”) e já não em latim, prática corrente das elites culturais até à data, Guilhem de Peiteus constrói igualmente os alicerces sobre os quais se vai edificar não só a poesia trovadoresca medieval, que da Provença se alarga a inúmeros países europeus, mas toda a poesia ocidental posterior.Trata-se, na verdade, de um temps novel, como ele canta no que se crê ser o sua primeira canso (vide p.1), um tempo onde a poesia e o canto inventam uma refinada cultura profana (por oposição à cultura eclesiástica dominante), em formas artísticas inovadores e magnificamente trabalhadas, mas também na definição de novos valores de sociabilidade, nomeadamente no que diz respeito à arte de amar: ofin’amor (que a tradução usual, “amor cortês”, simplifica demasiado). Durante os dois séculos seguintes, o Sul de França, então politicamente autónomo do Norte, e onde alangue d’oc é dominante, vai conhecer uma brilhante civilização, que os seus numerosos e talentosos trovadores e jograis vão dar a conhecer a toda a Europa.

Cantando o amor, a joi e a jovens (juventude), os trovadores provençais, sobretudo os da primeira fase, elaboram as regras básicas de uma arte de trobar que constituirá a matriz das posteriores escolas trovadorescas, nomeadamente da importante escola galego-portuguesa (de que uma das formas, a cantiga de amor, é absolutamente tributária). Mas, elaboram ao mesmo tempo, como se disse, as regras de uma refinada “arte de amar”, na qual a mulher passa a desempenhar um papel central, já que a ela cabe a definição e condução do jogo erótico, que o leal amador deve aceitar e a quem deve obedecer, como servidor[1]. O fin’amor opõe-se, assim, não só aos tradicionais contratos sociais que, em regra, presidem, na época, às relações entre os sexos, nomeadamente no tocante ao casamento, mas opõe-se igualmente ao entendimento dessas relações em termos de pura satisfação de instintos básicos (o comércio sexual, que faz da mulher um puro e descartável objecto de prazer). O amor cantado pelos trovadores é inseparável do dezir (desejo) mas também doserviço e da cortesia. Por seu lado a cortesia, emanando, obviamente, das cortesonde esta cultura nasce e se desenvolve, e sendo, assim, uma marca cultural socialmente distintiva, é-o duplamente, uma vez que estabelece como linha de demarcação a distinção entre o fin amam (o amante cortês) e o homem vulgar: do vulgo (os vilãos), mas também de uma nobreza primária e inculta.

Nos trovadores da primeira fase do movimento, esta “arte de amar” é decididamente erótica, definindo regras, fases e graus, num movimento iniciático que começa no olhar e culmina no momento em que o servidor se transforma em drutz (amante). As alterações político-religiosas que têm lugar no século XIII no Sul de França (a sua conquista pelos “franceses” do Norte, em 1244, e a cruzada paralela contra a heresia cátara, com o estabelecimento do tribunal da Inquisição), vai levar a uma mudança substancial no canto trovadoresco provençal mais tardio, que gradualmente se vai centrando na expressão do desejo insatisfeito e do sofrimento (o que será a coitagalego-portuguesa) do servidor de uma senhora cada vez mais distante, inacessível e abstracta.

Essas alterações políticas, que têm início em princípios do século XIII, conduzem, ao mesmo tempo, à gradual destruição das brilhantes cortes dos poderosos senhores provençais e obrigam à dispersão mais ou menos definitiva dos trovadores e jograis que as animam, num movimento que os leva decisivamente para fora das suas fronteiras naturais, nomeadamente para o Norte de Itália e para os reinos Peninsulares (Catalunha e Castela, sobretudo). Culturalmente, é um movimento enriquecedor ao nível europeu, uma vez que vai servir de fermento à eclosão (ou mesmo consolidação) de outras escolas trovadorescas (nomeadamente, como se disse, a galego-portuguesa), bem como à sua transformação em formas novas, de que o dolce stil nuovo italiano é o exemplo mais perfeito. Trabalhando a partir das formas provençais, que muito admira, e das formas inovadoras delas recentemente derivadas (a passagem do son provençal ao soneto, ou pequeno son), Dante vai, por sua vez, lançar as bases para toda a poesia europeia posterior (Petrarca e, no que nos diz respeito, a partir dele, Camões).

A importância da poesia dos trovadores provençais não tem correspondência na efectiva leitura que hoje em dia dela se faz. Escrita numa língua praticamente sem falantes há vários séculos, ela é, de facto, mais referida do que efectivamente conhecida. Em português, as únicas traduções actualmente disponíveis são, ao que julgo saber, os textos incluídos na antologia bilingue de Segismundo Spina A lírica trovadoresca (Editora da Universidade de S. Paulo, 3ª ed., 1991). As traduções que aqui se apresentam, e que procuram ser apenas uma reduzidíssima amostra da vastíssima e diversificada lírica provençal, a partir de quatro dos seus mais ilustres trovadores (de diferentes fases) e de algumas das suas mais famosas cansos, procuram também colmatar, ainda que de forma muitíssimo pontual, essa lacuna (e serão alargadas à medida das disponibilidades da autora). Mas procuram sobretudo incitivar a curiosidade que poderá conduzir a uma leitura mais abrangente.

Para os textos originais, foram consultadas as edições de Spina (antes citada), de Gérard Zuchetto e Jörn Gruber (Le livre d’or des troubadours, Les Éditions de Paris, Paris, 1998) e igualmente a edição on-line http://www.trobar.org/troubadours/index.php (onde podem ser lidos numerosos trovadores, na versão original, com traduções, para inglês de algumas cantigas). Procedi, dados os diferentes critérios editoriais destes vários editores, a uma uniformização da grafia. A edição mais completa actualmente disponível em livro encontra-se em Riquier, Martin (de), Los trovadores, Historia literaria y textos, 3 vols., Barcelona, Ariel, 1975.

*É professora do Instituto de Estudos Medievais/FCSH-UNL

[1] Note-se que a poesia provençal conhece igualmente, e de forma também inovadora, brilhantes autoras femininas, as trobairitz, de que a mais célebre será aContessa de Dia.