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A Nova Utopia

A nova utopia, de Régis Bonvicino no Rio

A exposição se utiliza de três poemas, um só do livro Estado crítico (Editora Hedra, 2013), os outros dois inéditos: “A nova utopia”, que lhe dá título, o poema “Frontispício”, que foi projetado na fachada do prédio da OI em Ipanema, e o poema “Tempus fugit”, de Estado crítico. O poema “A nova utopia” é, em parte, uma desconstrução irônica da linguagem politicamente correta, que está aí para abafar os conflitos da própria linguagem e da vida real e ele então, sob o olhar do curador Alberto Saraiva, se tornou uma vídeo instalação, com garotos e garotas das comunidades do Pavão lendo-o em múltiplos vídeos, procurando manter o tom crítico, pesado do texto.

Há também o objeto feito pelo artista plástico Luciano Figueiredo que reproduz algumas palavras do poema “A nova utopia”: “A nova utopia/ é um poema à altura de seu tempo”.  E que foi o disparador de tudo.

Eis aqui a maquete da projeção do poema “Frontispício”:

Eis a aqui um vídeo curto da projeção do dia 30 de julho, que abriu a exposição. No vídeo há a passagem de um ônibus com alguns versos de “Frontispício” inscritos nele, velozmente. E há um menino, tentando escalar o prédio – o menino é o único passante querendo ler o poema.

 

Aqui, um segundo vídeo, no qual o poema projetado aparece por inteiro, este de autoria do psicanalista e fotógrafo José Eduardo Barros:

 

Eis aqui as fotos de autoria de Mustafá Barat de todo o trabalho, da vitrine onde foi publicado o poema “Tempus fugit” e da sala principal. E os dados da mostra: A Nova Utopia – Abertura: 30 de julho de 2016, sábado, às 19h30, OI FUTURO IPANEMA, Galeria 1 e Vitrine (térreo), visitação: 31 de julho a 25 de setembro de 2016, De terça a domingo, das 13h às 21h, Rua Visconde de Pirajá, 54 – Ipanema. Leia neste link entrevista de Luciano Figueiredo a respeito do trabalho, clique aqui para ver.

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A nova utopia

A nova utopia é uma borboleta negra, desatenta, com olhos exuberantes. A nova utopia é a favor da proteção implacável dos animais. A nova utopia é inclusiva, participativa. A nova utopia é o coro afinado dos descontentes. É um ex-guerrilheiro, de porte avantajado, homem forte do governo. A nova utopia tem informações privilegiadas, disponíveis. É um ex-leproso. A nova utopia rechaça a figura de Nossa Senhora se masturbando. A nova utopia defende os direitos das trabalhadoras do sexo. A nova utopia comunga, com moderação, ideais materialistas. A nova utopia morre de pé. É, ao mesmo tempo, um duty free e um detox financeiro.  A nova utopia é nosso dever como cidadãos. A nova utopia exalta a sustentabilidade das empresas. A nova utopia sabe que se pode ser árabe e muçulmano, árabe e não muçulmano, muçulmano sem ser árabe. Negro sem ser branco, branco sem ser negro. A nova utopia é a liberdade de expressão do Le Monde, reassegurada desde sempre. A nova utopia é um ajuste de contas contra o obscurantismo dos outros. A nova utopia rejeita factóides politicamente úteis. A nova utopia é um pouco xiita, apenas quando estritamente inevitável. É um turista americano visitando o Museu Abu Ghraib. A nova utopia tem logo e slogan.  Condena chacinas na periferia. A nova utopia emite notas de repúdio, lança abaixo-assinados; defende o grafite; a nova utopia prega a bicicleta. A nova utopia é o respeito incondicional ao nanismo. Condena corruptos. É um ex-ladrão. Tem seu próprio dicionário. Pensa antes de agir. Repele palavras e pede ação. A nova utopia é um ex-coxo. É a asa aberta do voo.  É um showroom de exuberâncias naturais. É um céu com nuvens negras, sob controle. É uma estante de livros num banheiro. É a viúva de Jorge Luis Borges detalhando seu processo de criação. A nova utopia é um ex-macumbeiro, um ex-bêbado, é um ex-exu sujo. É um branco de alma preta. A nova utopia é ainda o indígena de tocheiro, fazendo política, diariamente, nas redes sociais.  A nova utopia é uma ex-esteticista de unhas postiças. É um espião trans pegando sol num roteador. É um ex-selvagem. É uma ex-vadia. É um ex-puto. É uma entendida. É um ex-pária. É uma míriade de franquias de poetas premiados. É um poema à altura de seu tempo.

The new utopia

The new utopia is a black butterfly, inattentive, with lush eyes. The new utopia is in favor of the ruthless protection of animals. The new utopia is inclusionary, participatory. The new utopia is a tuned chorus of discontent. Is a burly ex guerrilla, a government strongman. The new utopia has insider information available. It is an ex leprosy patient. The new utopia rejects the figure of Our Lady masturbating. The new utopia fights for the rights of sex work service providers. The new utopia shares, in moderation, materialistic ideals. The new utopia dies standing. It sells both duty-free items and financial detox. The new utopia is our civic duty. The new utopia praises corporate sustainability. The new utopia knows you can be an Arab and a Muslim, an Arab and not a Muslim, a Muslim and not an Arab. You can be Black without being White, White without being Black. The new utopia is Le Monde’s freedom of expression enshrined forever. The new utopia is a reckoning against the obscurantism of others. The new utopia rejects politically expedient factoids. The new utopia is a bit Shiite, only when strictly unavoidable. Is an American tourist visiting the Abu Ghraib Museum. The new utopia has logos and slogans. Denounces killings in poor neighborhoods. The new utopia condemns actions, circulates petitions; it champions graffiti; the new utopia advocates bikes. The new utopia is unconditional respect for underachievers. Condemns corrupt leaders. Is an ex crook. It uses its own dictionary. Looks before it leaps. Rejects words and calls for action. The new utopia is an ex amputee. Is an open wing in flight. Is a showroom of natural lushness. Is a sky with dark clouds under control. Is a bookcase in a bathroom. Is the widow of Jorge Luis Borges explaining his creative process. The new utopia is an ex macumba devotee, an ex drunk, an ex Exu punk. Is a whitie with a Black soul. The new utopia is also the torch-bearing Native politicking daily on social networks. The new utopia is an ex beautician with nail extensions. Is a trans spy catching some sun on a router. Is an ex savage. Is an ex bitch. Is an ex hustler. Is a lesbian. Is an ex pariah. Is a myriad of prize-winning poet franchises. Is a poem in tune with the times.

Translated by Odile Cisneros


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.