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A POESIA DE GUINÉ-BISSAU

A poesia foi a primeira e, durante muito tempo, a única forma de expressão literária contemporânea  da Guiné-Bissau.  Ela surge nos anos 1940 do século XX como poesia de combate, incitando à  luta de libertação. Vasco Cabral, António Baticã Ferreira e Amilcar Cabral fazem parte desta geração de poetas independistas.

Com a independência do país, surge uma vaga de jovens poetas, entre os quais se destacam Agnelo Regalla, António Soares Lopes (Tony Tcheca), José Carlos Schwarz, Hélder Proença, Francisco Conduto de Pina, Félix Sigá, cujas obras impregnadas ainda de espírito revolucionário, manifestam um caráter social. O colonialismo, a escravatura e a repressão são temas desses autores que, no pós- independência imediato, apelam para a construção da Nação e invocam a liberdade.

O desencanto do pós-independência fez com que a euforia revolucionária cedesse lugar à uma poesia mais pessoal, intimista, internacional, com utilização de léxico inglês, e com a deslocamento dos temas Povo-Nação para o Indivíduo. Entre os seus autores encontram-se: Hélder Proença, o ex-pós-independista Tony Tcheca, Félix Sigá, Carlos Vieira, Odete Semedo. Leia-se trecho de “Batucada na noite”, de Tcheka: “ … aqui há funky/há merengada/ e antilhesas na madrugada”.

Embora o português seja a língua que prevalesça na poesia guineense, o recurso ao crioulo é cada vez mais freqüente, quer pela escrita em crioulo propriamente, quer pela utilização de termos e expressões crioulas em textos em português.

 

TONY TCHEKA (ANTÓNIO SOARES LOPES)

A prometida

Dóli só
Djena sem ninguém
do romance inocente
a tragédia bacilenta

papá homem grande
se meteu
uma vaca
um saco de farinha
um tambor de cana
umas folhas de tabaco

a permuta
a prometida

três
dias
depois
da lua

com fome de amor
boca acre não come
com sede de ternura
garganta seca rejeita água
as lágrimas engrossam
e rolam
no rosto macilento

Djena dezassete chuvas
Djena uma vida por viver
Djena a prometida
Djena mulher de hoje
tem fome
não come
tem sede
não bebe

corpo de mulher
inerte como o silêncio
firme como a recusa
repousa intacta
num sono inviolável

(in Vozes poéticas da lusofonia,Sintra, 1999)

 

Batucada na noite

Bissau cresce
quando o sol desce
vem com o fio da noite
e só adormece
quando amanhece

O álcool
e o week-end
inflamam corpos
cheios de adornos

Na noite
há insónias
e sónias de muitos nomes
não é só o mote
aqui há funky
há merengada
e antilhesas na madrugada
Lufadas de amor
moldam corpos
suarentos de ardor
há um saracoteio
permanente
na passarelle da noite
sedas flutuantes
coxas remexendo
num sincopado
que dá síncope

O odor
mastiga o ar
sem pudor mistura-se
confunde-se
catinga
chanel
paco rabane
água cheiro
suor
e dior
ça va comme ça…
O old scotch
dá o toque final
É fatal
afinal porque não…

A batucada cresce
abre o espaço
a cidade não dorme

 

Nostalgia

Cinzento nicotina
serpenteia o meu quarto
argola o tempo que não passa

Tu não apareces
nada acontece….

O som sobe em 33 rotações
a voz sofrida de Ottis Reding
sustenta o calor de um canto soul

Emerges de uma nota de piano
por momentos bailas
na circunferência de uma bola de fumo
que se esquiva pela persiana

Fica o som dilatado do sax
a dar passagem a Ottis
a sentenciar “time is over”

Nada acontece…
Nicotino o espaço que se fecha
sobre mim sem ti

 

Imerecimento

Adormeço
na
luz
dos
teus
olhos
vejo
Veneza
que
não
conheço

Ondulo
num
círculo
de
ondas
de
levitação

Confesso:
não
mereço
a
ternura
da
gôndola
acariciando
as
águas
onda
a
onda

 

 

FLAVIANO MINDELA DOS SANTOS

Poesia em Kriol

“Dinheru di abota”

 

Bias Sanha

Barfata kaminhu di matu
alma pabidur.
Pabi, bu pabi korson.
Paranta balur
netus purba kil sustentu
firkidja di djorson.
Bo inda i nobressa.
I ka tem medi fidi lifanti
fanadu nobu entra moransa
riba di lambe balenti
mandjua di polon
lundju rais na tchon.
Djambadon, te blufus.
Tchin tchin, kil tem dunus.

 

Djumbai

Saia di padja
sindjidu.
Ka medi badju di fugu
lumiadur di bantaba.
Bo ki fiansadu
sakudi kurpu
no konkonhi kassabi.
Kabalidu
maina fulanu
no pintcha lenha.
Tambur kentadu
ramedi santu
na malfitu di terra.

 

Ermondadi

No djunta
na sabi.
No djunta
kassabi.
Na um mon
no fidi
fidida
k fidi
no tchon.

 

Sol Mansi

Mundu di aos, sukuta
bu sukutadu.
Nha boka ka sta
pa i lundjussi djanan.
Mara lope tessu.
I lutu di katchur k fenhi
pa kilis k djunta moransa.
Djustu di erdansa, ka tchiga
nterradu ku turpessa.
Pubu gora na si orfandadi
i djenu kandia di beku.
Ka i falta pitrol
bu tem troku certu.
Garandis obi, e konta.
Na um kabas
panha ku pista, tudu ta farta.
Ba nhu, k ba nha padida
tem dja son dus mama.
Mon ta botadu
mininus tudu na bibu.