Carlos Guilherme Santos Serôa da Mota é professor titular na Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor emérito da FFLCH-USP.Possui graduação em História (1963), mestrado em História Moderna e Contemporânea (1967) e doutorado em História Moderna e Contemporânea (1970) pela USP. Foi consultor e professor visitante no Centro de Estudos Brasileños da Universidad de Salamanca, professor visitante das Universidades de Londres, Texas e da Escola de Altos Estudos (Paris). É Presidente do Comitê Científico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ex-diretor (fundador) do Instituto de Estudos Avançados da USP, ex-professor titular do IFCH da UNICAMP, um dos fundadores do Memorial da América Latina, ex-diretor do Arquivo do Estado de São Paulo, consultor da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, assessor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e consultor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. É membro dos conselhos editoriais das revistas Minius (Universidade de Vigo) e Estudos Avançados (USP), e das revistas eletrônicas Intellectus e Aedificandi. Recebeu a Medalha da Cidade de Paris (1998).
Sibila: Segundo o historiador Carlos Fico, Jacob Gorender enfatiza que, no pré-64, engendrou-se uma real “ameaça à classe dominante brasileira e ao imperialismo”: “O período 1960-1964 marca o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros neste século [XX]. O auge da luta de classes, em que se pôs em xeque a estabilidade institucional da ordem burguesa sob os aspectos do direito de propriedade e da força coercitiva do Estado. Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contrarrevolucionário preventivo”. De acordo com Fico, “Gorender consolidou, em traços gerais, duas das principais linhas de força interpretativas sobre as razões do golpe: o papel determinante do estágio em que se encontrava o capitalismo brasileiro e o caráter preventivo da ação, tendo em vista reais ameaças revolucionárias provindas da esquerda”. O senhor concorda com essa visão do golpe? Ela não tem algo de irrealista? Havia, de fato, ameaças reais ao poder e ao statu quo vindas da esquerda? A conjuntura externa, as grandes tensões da Guerra Fria, não foram uma lente que deformou as percepções políticas da época? Paradoxalmente, este não é o argumento central dos que justificam o golpe?
CGM: Antes de Gorender, José Honório Rodrigues denunciou em seus livros o fato de a história do Brasil ser marcada pela contrarrevolução preventiva permanente. E diz que no Brasil nunca se assistiu a uma revolução no sentido marxista do conceito. Todos os anos houve levantes, inclusive de escravos, mas revolução não. O fato é que em 1964 não havia condições reais para uma revolução, embora alguns setores da sociedade estivessem radicalizados. Creio que todos se equivocaram num ponto: o da potencialidade tremenda da Direita, dos segmentos conservadores de uma sociedade ainda marcada pelo passado colonial e imperial. A forças da esquerda foram apenas a ponta do iceberg acima da linha d’água. O Brasil era muito atrasado, muito, repetia Caio Prado Júnior nos anos 1970, antes de seu falecimento. Ainda é: veja o Maranhão de hoje, metáfora do País. Veja o Renan como presidente do Senado (!!!!).
Sibila: Gorender escreveu: “O núcleo burguês industrializante em 1964 e os setores vinculados ao capital estrangeiro perceberam os riscos dessas virtualidades das reformas de base e formularam a alternativa da ‘modernização conservadora”. A “modernização conservadora” não foi uma criação do governo militar, mas é uma marca da história brasileira, incluindo a Proclamação da República pelo exército, a República Velha, o governo Vargas, o governo JK. Hoje, o Brasil de 2014 tem um perfil agrário e exportador, sem uma burguesia industrial fortalecida. Ao mesmo tempo, desde os governos FHC e Lula e incluindo o governo Dilma, há uma proclamada ascensão econômica das classes mais baixas, mas restrita ao consumo, e excluindo todos os fatores da cidadania moderna, a começar da educação. Esta seria uma das caras reatualizadas da modernização conservadora à brasileira em geral, e de 1964 em particular?
CGM: Acho que é pior, pois tudo hoje aparece como um “progresso”, em nome de um governo dito de esquerda, orientado por essa visão de marqueteiros que conseguiram vender a doce ilusão de uma “classe C” em ascensão, mas com índices de educação e saúde lamentáveis. A esquerda governista comprou a ideia de uma sociedade do espetáculo e da cultura do marketing. Um laboratório disso pode ser encontrado na Rua Oscar Freire, onde desavisados pensam estar passeando na Quinta Avenida em Nova York… O resultado dessa modernização vai dar nos “rolezinhos”, nas depredações generalizadas, nos arrastões em praias e restaurantes, no decepamento de cabeças de presidiários. Enfim, o “padrão FIFA” não “pegou”…
Sibila: Alguns consideram que sem a guerrilha de 1969 a 1975 (pós AI-5), incluindo a do Araguaia, não haveria redemocratização formal do país. Sem as torturas e outros fatores (governo Jimmy Carter), a presença dos militares se prolongaria no tempo. O senhor concorda com esta tese? Ela não simplifica tudo em uma variável, talvez hipertrofiada e inteiramente externa ao regime, omitindo, por exemplo, os conhecidos embates dentro da cúpula militar, justamente quanto à questão da necessidade da redemocratização? Há algum documento estratégico do governo militar que contemple a perspectiva de uma ditadura indefinida?
CGM: Desconheço algum documento estratégico, mas os militares opositores à linha do general Golbery por certo defendiam uma permanência muito mais duradoura. Elio Gaspari deixa pistas sobre essa questão em sua obra, mas o Heitor de Aquino por certo tem elementos para confirmar isso. Quanto à guerrilha do Araguaia, vale lembrar que não eram propriamente democratas os que deram suas vidas à causa generosa; a visão de mundo era outra, revolucionária. Quanto à ideia de redemocratização, era totalmente errônea, pois nunca houve propriamente democracia no País, nem no período de 1946 a 1964. “Re”-democratizar? Como assim? Vale a pena relermos A revolução burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes (1975). O problema é que ninguém lê.
Sibila: O que significa a presença de José Sarney da UDN até hoje, passando pelo golpe de 1964? Com ele liderando a transição, não se fez uma Comissão da Verdade. Como o senhor explica uma transição para a democracia sem uma Comissão da Verdade e sem a punição dos militares e dos “excessos” (formalmente crimes) dos aparelhos de esquerda? O assassinato, por exemplo, de Henning Boilesen, foi excessivo ou justo? Pode uma execução extrajudicial ser justa? Se o for, quando praticada pela esquerda, não o será também quando praticada pelo aparelho de Estado?
CGM: Quase todas as repostas já estão contidas nas perguntas. A verdade é que a transição para a democracia não foi uma transição para uma efetiva democracia. Não vou citar novamente o Florestan… É claro que uma Comissão da Verdade tem de ir a fundo nos delitos de lado a lado, e punir doa a quem doer. O caso de Boilesen representou um basta que a esquerda tentou dar no quadro de impunidades em que empresários financiadores de tortura estavam envolvidíssimos.
Sibila: A fragilidade do Poder Judiciário, do Ministério Público e da polícia decorre em parte da impunidade dos agentes de 1964?
CGM: Não creio. Há muito mais impunidades, sobretudo no Legislativo, do que imaginamos. O fato é que estão sendo combatidas passo a passo. E a cada passo o Poder Judiciário se fortalece; vide o mensalão, entre outros feitos, em 2013.
Sibila: Paris e Londres eram as referências gerais. Uma parte dos intelectuais seguia Paris (campo socialismo) e outra, Londres (“pós-política”, música, sexo livre e marijuana, marcada pela contracultura, “subversiva” aos olhos dos militares). Parece que, ao longo do tempo, a linha londrina prevaleceu na cultura brasileira. O senhor concorda? Isso tem relação com 1964?
CGM: Não vejo claramente tal dicotomia. Em 1964 houve de tudo, inclusive o pensamento de Marcuse, Fromm, acentuado nos anos seguintes… Até hoje muitos socialistas, como eu e outros, adoramos os Beatles ou o Elton John, ou mais ainda o norte-americano Bob Dylan. E não desprezam a marijuana. Veja que essa ideia de pós-política é discutível, quando vemos que alguns ingleses marxistas ainda são muito citados, como Thompson, Hill, ou o grande Hobsbawn.
Sibila: Como o senhor vê o rebaixamento cultural brasileiro de hoje? Ele tem causas em 1964? Ou com a civilização global do espetáculo, na qual o entretenimento substituiu a cultura em si, na qual a arte se tornou uma arte simplificada e sem referências que perturbem sua recepção?
CGM: O Brasil tinha em 1970 cerca de 90 milhões de habitantes. Em 40 anos esse número dobrou, provocando o tal rebaixamento. Mas em 1970 também já havia sertão, migrantes, pobreza, falta de saneamento, de alimentos, de moradias. O golpe de 1964 e o regime a que deu origem colocaram no bloco do poder um batalhão de energúmenos, a começar pelo ministro da Educação Flavio Suplicy de Lacerda. E depois uma sucessão de figuras lamentáveis, até o excelente militar Rubem Ludwig, ilustrado, que morreu cedo. Depois da abertura, apenas o físico José Goldemberg é digno de registro. Nos outros ministérios a mesma desgraça. Hoje, a arte foi dessacralizada, está nos grafites, nesses músicos que parecem estar sempre num sofrível e permanente início de carreira, e assim em quase todas as esferas. Salvam-se o cinema, algum teatro, o trabalho de alguns artistas plásticos. O resto é nos “shoppings”… Outro entretenimento é dado pela máquina de fabricar de zoombies com celular e iPad na mão, errando pelas ruas, esbarrando nas pessoas…
Sibila: Aprofundando a questão anterior, por que parece não haver mais condições para uma arte crítica no Brasil? Trata-se do fim das utopias, da globalização, do consumismo, do narcisismo “Facebook”, em suma, do “espírito da época”, incluindo certa “demissão da crítica”, em grande parte mercadologizada, como, aliás, a própria mídia, ou o modelo social e econômico brasileiro é parte necessária da resposta, de que o atrasado modelo “agrário”, isto é, agroexportador, é exemplo e talvez parte implicada?
CGM: Claro que há condições para uma arte crítica e para uma crítica mais aguda, embora os desafios da contemporaneidade sejam muito maiores do que, digamos, nos tempos de Mário de Andrade ou de Mário Pedrosa. O tamanho do problema tornou-se incomensurável, e a globalização que se acentua a cada dia nos coloca em situações ainda não bem avaliadas. Mas não são poucos os exemplos de quem enfrenta os desafios, inclusive nas periferias. Sim, há uma certa demissão da crítica, mas o fenômeno não é só brasileiro. O que há é uma pobreza abissal: veja, no Brasil apenas 1/5 das cidades tem um ponto de venda de livros (incluídos os jornaleiros). Vamos cultivar pequenas utopias para sairmos desse brejão nacional.
Sibila: Por que não há políticas públicas para a cultura no Brasil? Por que a cultura é tratada como evento? Por que tantos eventos culturais vazios no Brasil? Por que tanta festa literária e tão pouca literatura relevante?
CGM: A resposta está na pergunta… Mas indignemo-nos com a enorme a quantidade de cidades deste país que não têm teatros, bons cinemas e, em casos mais graves, nem bibliotecas razoáveis ou mesmo bancas de jornal! A resposta? Está na debilidade desta sociedade civil mal formada, consumista, precariamente escolarizada em entidades pouco preparadas para a formação de cidadania efetiva.
Sibila: João Cabral, em duas conferências famosas, de 1952 e 1954, já discorria sobre o problema do fatal (mais uma vez) distanciamento moderno do público de poesia. As coisas pioraram ou melhoraram, paradoxalmente, durante o regime militar? Alguns poemas de A rosa do povo, de Drummond (1944), ou “A rosa de Hiroshima” de Vinicius (1954), e livros como Poema sujo de Gullar, tiveram então certa popularidade, pela temática politizada, e parecem ter conseguido manter a poesia dentro de um contexto de certa efervescência político-cultural reativa, que incluía o teatro (Arena, Opinião etc.), a música popular e mesmo a prosa, como no caso das coletâneas de contos brutalista s de Rubem Fonseca dos anos 1970. Se houve melhora ou piora em relação à situação descrita por Cabral nos anos 1950, ou melhora pontual e piora geral, e outras variações, estas se amenizaram ou se acentuaram com a redemocratização à brasileira?
CGM: As melhoras foram modestas, a redemocratização não produziu nenhuma obra genial, com exceção talvez de alguns compositores. Mas vale notar que nem sempre se produzem poetas como Vinicius e Drummond, ou romancistas como Guimarães Rosa, a qualquer momento. Note-se ainda que Machado de Assis não produziu melhor ou pior por causa da monarquia de polichinelos, em cujo caldo cultural vivia.
Sibila: À época do golpe militar, o mercado editorial brasileiro era bastante apequenado. Os números de novos títulos, de traduções, de leitores etc., eram mínimos, incluindo a esfera acadêmica. Além disso, serviam a uma pequena intelligentsia de escritores, críticos, intelectuais etc. Não havia nem um público de massa nem um público médio de literatura “média”, de mercado. Hoje este público está em formação e, segundo os otimistas, em ascensão, mas em detrimento daquela intelligentsia, hoje minguada em sua influência e mesmo em sua existência, substituída pelos algo fantasmáticos “formadores de opinião”. Concorda com esta avaliação, que parece seguir certo modelo brasileiro de ganhar por perdas?
CGM: O fato é que o mercado editorial não cresceu tanto assim. Cresceu sim em poucas frentes, como é o caso da literatura à Paulo Coelho. Uma certa curiosidade com a História também pode ser notada, mas sempre como cultura de entretenimento Os fantasmáticos formadores de opinião também já não têm o papel que imaginávamos. Aliás, são os mesmo há algumas décadas; e os poucos novos, cronistas inclusive, são chatíssimos, mais do que os anteriores. Há uma espécie de vácuo que não vem sendo preenchido. Talvez porque estejamos vivendo, paradoxalmente, um período histórico sem História. Não apenas na literatura, mas na política ou na economia, qual um personagem digno de destaque, citável? Guido Mantega? O poeta Michel Temer?
Sibila: A literatura brasileira, hoje, cresce por diluição, em mais de um sentido, em meio a um mercado polimorfo e à convivência com a internet, seja no caso da publicação em e-books ou da reedição eletrônica e dos downloads, seja no caso de criações originais feitas na rede e para a rede, que podem ou não vir a ser publicadas em livro. Ao mesmo tempo, o mercado editorial em si também cresce, ainda que manco, pois centrado e concentrado em modismos mercadológico-literários. Mesmo a poesia encontra, apesar de muito pontualmente, espaços passageiros de grande presença, de que é exemplo a recente publicação da obra poética completa de Paulo Leminski, que se tornou um best-seller. Como pode, se pode, a literatura contemporânea voltar a ter alguma influência cultural? Neste caso, o período do regime militar ficará na história como seu último momento de presença forte, apesar de tudo?
CGM: A literatura contemporânea não se reduz à produção brasileira, felizmente. Mas aqui nunca se leu tanto Dostoievsky ou Kafka, ou mesmo Beckett e outros dessa plana. E os novos portugueses e africanos, aliás de seu valor desigual… Mas no Brasil, cite-se a Lispector, ou o Leminski, que você bem recorda. Acho, porém, que alguma coisa está sendo gerada, fora dos modismos e tecnicismos a que se refere. Um agudo, grave mal-estar civilizacional nos atinge; em algum canto do país pode estar nascendo um novo Machado de Assis, ou um novo João Cabral. Quem sabe? Mas existe sim, creio, uma linhagem de críticos e artistas por assim dizer “mais jovens”, que talvez valesse apenas mencionar, para não ficar a entrevista tão negativa. Citaria os nomes do crítico Silviano Santiago, do poeta Régis Bonvicino e do jornalista Sergio Augusto (Pasquim e críticas em jornal). De certo modo, são militantes! Na esfera de “caciques”, acho que São Paulo valoriza muito o Antonio Candido (com razão, digamos), mas não dá bola para o Eduardo Portella, por exemplo, que tem um papel (inclusive institucional) bem importante, se notarmos sua revista Tempo Brasileiro, e certos ensaios, e mantém relações com o mundo, como Claudio Magris.
Sibila: Se as mentalidades são mesmo prisões de longa duração, podemos afirmar que há uma característica histórica permanente na mentalidade brasileira? Qual?
CGM: As inúmeras formas de pensamento e expressão que compõem o que denominamos genericamente “mentalidade brasileira” surgiram e se plasmaram ao longo de séculos, mais claramente após o período dos movimentos de descolonização, com inconfidências e levantes que desembocaram em 1822 e sobretudo no Período Regencial (1831-1840). 7 de abril marcou a era de grandes conciliações, arreglos, levantes, acertos pelo alto que caracterizou todo o longo Segundo Reinado (1840-1889). O peso das oligarquias regionais responde pelo mandonismo centrado nas casas-grandes & senzalas e sobrados e mucambos, e depois pelos palacetes dos senhores do café. O resto era apenas o resto: esses quadros mentais permanecem até hoje no atual tipo de capitalismo senzaleiro que define nossa formação econômico-financeira, social e educacional. A economia pode mudar um pouco, mas a mentalidade autocrática, disfarçada ou explícita, está aí, escancarada para quem quiser ver. Racismo, patrimonialismo, coronelismo, familismo, nepotismo são moedas de troca nessa cultura.
Sibila: O senhor elaborou a tese sobre a ideologia da cultura brasileira durante a década de 1970. Passados 40 anos, nossa cultura se estruturou de forma mais crítica? Ou a mesma ideologia segue operando e mascarando os conflitos reais da sociedade?
CGM: A mesma ideologia permanece mascarando os conflitos sociais. Veja que até o PT tirou dos seus textos a velha noção histórico-sociológica de “luta de classes”. Nada obstante, mostro em meu livro Ideologia da Cultura Brasileira que surgiram novos intérpretes de nossa História mais críticos como Raymundo Faoro, Antônio Cândido e Florestan Fernandes, entre outros. Mas a tal ideologia que arredonda as diferenças sociais, econômicas e culturais (em sentido amplo) põe tudo num saco sem fundo, em nome de uma “identidade” formulada pelos donos do poder da hora, de Geisel a Lula. “Identidade” de quem, “cara pálida”? Qual a identidade de nossas burguesias, ou de nossos proletários (palavra em desuso, não por acaso)? “O Brasil é um cemitério de conceitos” disse Luiz Veríssimo.
Sibila: Na década de 1970, Lyotard afirmou que estava ocorrendo uma exteriorização do conhecimento e um esvaziamento do papel dos professores e dos intelectuais. Nessa mesma época, começa a entrar em declínio a figura do intelectual público à la Sartre. O senhor vem sempre se queixando do silêncio das universidades brasileiras. Como analisa esse retraimento da universidade: faz parte de um longo processo estrutural global ou é uma falha ética específica do caso brasileiro?
CGM: As duas coisas. A banalização dos estudos, da pesquisa, das Humanidades vem resultando nessa pasmaceira que pode ser contatada em nossos suplementos culturais e mesas-redondas na TV. Em geral, o que se assiste é a “mais do mesmo”. A universidade tem culpa no cartório: já não formamos professores capacitados para a rede do segundo grau, e nem mesmo para o terceiro grau. Há professores que se iniciam na carreira universitária sem terem a menor noção do que seja dar uma aula, e não permitem que se levante dúvida sobre sua capacidade docente… Outro aspecto grave é a expansão da rede dita universitária, em que são aceitas pelo poder público essas “máquinas” de fabricação de títulos, com baixa qualidade. Claro que temos aí um esquema de promoção social a baixo custo, mas a formação propriamente dita sai pelo ralo… De toda forma, a universidade pública, que deveria ser o farol da sociedade, vem deixando de lado sua enorme responsabilidade no papel de formadora de professores de matemática, português, história, geografia, biologia e muitos etcs. No quadro geral das nações civilizadas, o Brasil está na rabeira… O silêncio da universidade. Ela tem culpa no cartório, pois nela se discute muito a crítica da crítica da crítica, mas não parece estar formando quadros intelectuais de professores que venham a dinamizar a escola pública. Fala-se muito em fazer mestrado, doutorado, bolsa-sanduíche etc., mas FORMAR professores “missionários” como queria Anísio Teixeira… NADA!
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