A palavra nazi é uma abreviatura de Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, Partido Nacional-Socialista Alemão, liderado por Hitler a partir de 1920. A 24ª edição de Etymologisches Wörterbuch der deutschen Sprache (2002) afirma que o vocábulo foi inventado no sul da Alemanha, em 1924, pelos oponentes do nacional-socialismo hitleriano, porque “nazi” (advindo do nome próprio Ignatz, uma variante de Ignatius) era usado para designar coloquialmente uma pessoa tola e tacanha.
O Grupo dos Oito, ou G8, que congrega os sete países mais industrializados do mundo, a saber, Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá, e mais a Rússia, se reuniu, de 6 a 8 de junho de 2007, no balneário Heiligendamn, onde Hitler recebeu, em 1932, o título de cidadão emérito, quando ainda não havia chegado ao poder, o que se daria em 1933. Nada mais representativo da situação do mundo contemporâneo que esse encontro tenha ocorrido em uma cidade onde Hitler foi cidadão de honra, mesmo que então o prefeito de Bad Doberan, à qual pertence a praia Heiligendamn (que, inicialmente, era de ricos e, depois da Segunda Guerra, passou para a Alemanha comunista), tenha cassado juridicamente o título conferido ao líder nazista, que tanto sucesso faz até hoje, haja vista, entre outras, além de guerras, Guantánamo, favelas brasileiras etc.
O nazismo é a banalização do mal (que prescinde do prefixo neo e das divisões direita e esquerda).
Mas por que toda essa digressão para falar de poesia nazi?
Em março daquele ano (2007), estive em Santiago do Chile, para o Festival ChilePoesía. No bairro hoje underground de Lastarria, precisamente na calle José Victor Lastarria, deparei-me com um gênero novo: a pichação à la grafite (pelo uso de cores e algumas figuras de pedra incorporadas à obra) intitulada Poesía nazi, escrita por um autor anônimo. Talvez este autor queira, com seus filosofemas, dizer exatamente o contrário do que expressa, em uma espécie estranha de sínquise crítica, ou seja, “inversão de tal modo violenta das palavras de uma frase que torna difícil sua interpretação”, no dizer de Celso Cunha e Lindley Cintra. Em Lastarria há a loja chamada The Clinic, que satiriza Augusto Pinochet, fazendo-lhe estatuetas ridículas.
Leiamos um nazi-poema:
“La filosofia… son estúdios/ necesários dicen para apartar/ de la fé em diós a los jovenes/ que van a ser empleados/ de güecos”.
A palavra-chave é “güeco”, uma corrupção de “hueco” – oco, vazio –, que também é empregada pejorativamente em referência aos homossexuais. Destaque-se o fato de o poema tocar, igualmente, na questão religiosa. Vejamos outro:
“Si actúas em teatro o cine/ o vídeo y tu mujer te vê haciendo/ el papel de empleado o sirvientísimo/ cagaste…”.
Neste a mensagem é menos dúbia: revela-se o preconceito contra a arte e se explicita o machismo. Será? Ou, muito ao contrário, ela critica os fâmulos em geral e é anarquista, e não nazista?
Mais representativo do encontro do G8 do que esses poemas, ou um complemento a eles, talvez seja o cartaz afixado, também em uma rua chilena de Lastarria, em uma porta de alumínio, em que se lê “proibido estacionar”, em virtude obviamente de entrada e saída de veículos; nesse cartaz, um desses velhos poderosos quaisquer, um CEO ou um político, com uma pistola escondida nas costas, aponta para um garoto que, frente a frente com ele, tenta, por seu turno, descortinar um horizonte. (2007, reescrito em 2010)