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As contradições da 29ª Bienal

Que canto firme pode haver num homem
embriagado pelas maresias

(Jorge de Lima, s/d, p. 210)

A 29ª Bienal de São Paulo elegeu como tema os seguintes versos de Invenção de Orfeu, obra escrita pelo poeta alagoano Jorge de Lima e publicada em 1952: “há sempre um copo de mar / para um homem navegar”. A citação encerra um dos temas mais importantes da sua obra e representa, para a curadoria da Bienal, a estreita relação entre arte e política que orientou a escolha dos 159 artistas participantes desta edição. Porém, a despeito da multiplicidade de formatos artísticos que a integram, os quais muitas vezes não se deixam/querem definir, incluindo aí mesmo a literatura [1] , os versos de Jorge de Lima vistos em letras garrafais na fachada do prédio passam despercebidos e não suscitaram a famigerada discussão que a curadoria concebeu como um dos pilares do evento.

Segundo Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, “seria contraditório, afinal, organizar uma mostra focada na relação entre arte e política baseada exclusivamente em obras destinadas à contemplação”; daí a valorização do espaço de discussão com o intuito de “envolver o público na experiência sensível que a trama das obras expostas promove e também na capacidade dessas de refletir criticamente o mundo em que estão inscritas”. Assim se efetivaria o amálgama entre arte e política não só nas obras mas através delas, pois entendo como “política da arte” uma “política […] que é capaz, ao articular opacidade e inteligibilidade discursiva, de desafiar modos já estabelecidos de entendimento do mundo”.

Sendo estas as bases do projeto curatorial, o empréstimo dos versos do poeta alagoano para tema da exposição parece não ter sido pago. A livre apropriação do texto – procedimento assimilado dentro da própria Invenção de Orfeu em relação a outros poemas – seria bem-vinda, não evidenciasse contradições dentro da “plataforma discursiva” organizada pelos curadores. Ao valorizar a capacidade da arte de romper com percepções normatizadas do mundo, propõem uma leitura pré-concebida dos versos, fundada na superficialidade de seus signos. Depois de afirmar a singularidade da arte, dizem:

É nesse sentido que o título dado à exposição, “Há sempre um copo de mar para um homem navegar” – verso do poeta Jorge de Lima tomado emprestado de sua obra maior, Invenção de Orfeu –, sintetiza o que se busca com a presente edição da Bienal de São Paulo: afirmar que a dimensão utópica da arte está contida nela mesma, e não no que está fora ou além dela; afirmar o valor da intuição poética face ao “pensamento domesticado” que não emancipa, embora grasse em partidos políticos e mesmo em instituições dedicadas à educação formal. É nesse “copo de mar” – ou nesse infinito próximo que os artistas teimam em produzir – que de fato está a potência de seguir adiante, a despeito de tudo o mais; a potência de seguir adiante, como diz o poeta, “mesmo sem naus e sem rumos / mesmo sem vagas e areias”. Por ser um espaço de reverberação desse compromisso em muitas de suas formas, a mostra vai pôr seus visitantes em contato com maneiras de pensar e habitar o mundo para além dos consensos que o organizam e que o tornam ainda lugar pequeno, onde nem tudo ou todos cabem. Vai pôr seus visitantes em contato com a política da arte.

O comentário evidencia a “dimensão utópica da arte”, indicando a partir do verso que a capacidade criativa, ou “intuição poética”, tem autonomia em relação às restrições impostas ao homem e permite-lhe ir adiante, navegar mesmo que seja em um copo de mar, de forma a reorganizar imaginariamente um mundo que seria melhor do que o real ou ampliar os limites desse mundo para que todos nele tenham lugar. Levada um pouco adiante, essa interpretação se aproxima daquela propaganda sobre leitura, cujo lema era “quem lê, viaja”, a qual revela intenções bastante conciliatórias em relação a uma política da arte, pois a mantém circunscrita ao âmbito do imaginário, reverberando no real o apaziguamento das discordâncias, a sublimação dos desejos recalcados, o esquecimento mesmo que momentâneo das agruras da vida individual e coletiva etc. Isso significa também associar a arte à busca pela felicidade – ideário humanista, utilitário e inclusivo – e apagar sua dimensão incômoda, as perguntas sem respostas, as reações diversas e nem sempre emancipatórias de quem a consome. Isto é, apaga-se o imprevisível da arte, contra o qual é preciso propor uma maneira “certa” de se relacionar com ela, prescrição que ressoa na interpretação dos versos de Jorge de Lima [2].

O cartaz da exposição reforça o argumento, trazendo uma leitura quase literal dos versos: bússolas artesanais [para um homem navegar] dentro de pequenos recipientes [copo] de tinta [mar]. Com a bússola, a ênfase recai sobre a orientação, sobre a precisão dos rumos a serem tomados, mesmo que se navegue dentro dos limites da própria subjetividade, o que supõe alguma imprecisão; a bússola indicia o aspecto positivo da interpretação dos versos, pois implica a crença em certa organização do caos por meio da imaginação ou, em outras palavras, a crença na arte como saída para as restrições que nos são impostas [3]. Ainda se tomarmos a bússola como metáfora para o próprio discurso curatorial, observaremos que ela revela a expectativa de um direcionamento, ao passo que a proposta de Invenção de Orfeu é justamente a de uma obra que se faz na ausência da precisão de limites: “meu batel é tão ébrio, tão sem mapas / que meus mares não sei nem minhas bússolas” (s/d, p. 125), versos em que o barco em questão metaforiza o próprio poema.

De fato, pode-se dizer que os versos escolhidos representam a estreita relação entre arte e política em Invenção de Orfeu, embora ali seu sentido seja um pouco diferente e, mesmo que matizados por interpretações diversas, têm sua sustentação no contexto mais geral da obra. Trata-se de um extenso livro de poemas que se quer uma epopeia moderna – justaposição de termos que motiva grande discussão em teoria literária [4]. Limitemo-nos a um aspecto: ali não será encontrada a narrativa laudatória dos feitos heróicos de um povo, mas sim um poeta ocupado em fundar uma ilha por meio da palavra: “epopeia sem guerreiro, / humana sobrevivência / das lembranças recalcadas” (s/d, p. 136). A ilha, espaço que assume configurações distintas ao longo do poema, supõe o motivo da navegação e, também, o da expansão marítima portuguesa, os quais estabelecem diálogo com Os lusíadas, de Camões. O poema de abertura de Invenção de Orfeu já traz a referência à epopeia camoniana, indicando como se dará esse diálogo: “Um barão assinalado / sem brasão, sem gume e fama […]” [5] (s/d, p. 15). Diferentemente do bardo português cuja epopeia mitifica as conquistas de seu povo, em Invenção de Orfeu o poeta assume uma atitude de resistência à criação de um passado mítico para a narrativa histórica: o “barão assinalado” que navega em busca da ilha é um “barão ébrio, mas barão, / de manchas condecorado; / […] fala sem ser escutado / a peixes, homens e aves, / bocas e bicos, com chaves, / e ele sem chaves na mão” (s/d, p. 15).

Essa é uma das figurações que o poeta, personagem principal dessa epopeia moderna, assume em Invenção de Orfeu. Ele tem consciência de que a palavra poética carece de poder fundante; por isso, ela não será escutada. Consequentemente, a missão que assume para si não pode ser concretizada, o que faz dele um louco visionário, anti-herói condecorado com manchas: “Ó riqueza enganosa a quem procura / nada ser que obstinado visionário” (s/d, p. 87). A impossibilidade de heroísmo tem ainda um aspecto mais relevante e se dá a partir da situação que o poeta observa: “Nós temos frios nítidos e choros / e rangeres de dentes tenebrosos, / e mercúrios de febres, vozes neutras, / porque somos apenas digressões / buscando sendas; hoje morreremos” (s/d, p. 95).

Em termos gerais, esse é o mundo após a Queda edênica – mitologia que integra o poema de ponta a ponta –, em que a vida não é mais do que padecimento consequente das ações do homem. Por isso, não é possível retomar a glorificação das guerras de conquista que motivaram muitas epopeias: “As epopeias são. No canto décimo / os mesmos sofrimentos. E nos outros” (s/d, p. 62). Diante disso, o poema possível ressoa como “Poema tão amargo que parece / ser apenas palavras despenhadas / sobre cactos e espinhos semeadas / onde uma liana turva se entretece” (s/d, p. 112). Quanto mais o poeta constata a inevitabilidade do insucesso da condição humana, tanto mais fortemente deseja que a palavra poética possa restabelecer, ainda que precariamente, alguma experiência de completude: “Porque a névoa da tarde era sumida / desejei no meu peito um verso puro, / rosa que fosse como suave ida, / apelo que chamasse a quem procuro” (s/d, p. 93). Seu canto se fará da constante tensão entre negar e afirmar a pertinência da palavra poética em um mundo refratário à poesia, já que “[…] as palavras também com Adão caíram” (s/d, p. 203). Ao final da leitura, não se sabe se algum dos termos dessa tensão assume preponderância. A utopia de fundação de uma imagem do mundo por meio da palavra poética tem seu lugar face à sua própria negação e, portanto, não pode ser dela desvinculada, sob pena de se empobrecer.

O poema do qual os versos para o tema da 29ª Bienal foram retirados é o segundo do Canto Primeiro, “Fundação da Ilha”, e nele se pode observar a referência ao tema das descobertas marítimas, que tiveram como consequência a dizimação de povos em prol do enriquecimento de outras nações. O poeta assume uma voz coletiva que pode ser identificada à dos habitantes que ali já se encontravam no momento de suas “descobertas”:

A ilha ninguém achou
porque todos a sabíamos.
Mesmo nos olhos havia
uma clara geografia.

Mesmo nesse fim de mar
qualquer ilha se encontrava,
mesmo sem mar e sem fim,
mesmo sem terra e sem mim.

Mesmo sem naus e sem rumos,
mesmo sem vagas e areias,
há sempre um copo de mar
para um homem navegar.

Nem achada nem não vista
nem descrita nem viagem,
há aventuras de partidas
porém nunca acontecidas.

Chegados nunca chegamos
eu e a ilha movediça.
Móvel terra, céu incerto,
mundo jamais descoberto.

Indícios de canibais,
sinais de céu e sargaços,
aqui um mundo escondido
geme num búzio perdido.

Rosa-de-ventos na testa,
maré rasa, aljofre, pérolas,
domingos de pascoelas.
E esse veleiro sem velas!

Afinal: ilha de praias.
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?

A voz que fala no poema nega a narrativa de descoberta da ilha, dado que ela já se encontrava habitada; mais do que isso, seus habitantes lhe tinham posse genuína, a dominavam pelo conhecimento tanto objetivo quanto subjetivo (“Mesmo nos olhos havia / uma clara geografia”). O “achamento” de novas terras não se justifica territorialmente, pois, em qualquer rumo para o qual se navegue, ilhas serão inevitavelmente encontradas. Frente aos conquistadores, a astúcia da ilha é se esconder, não se materializar, confundindo o sentido de orientação que a marca da rosa-dos-ventos na testa dos navegantes designa: “Móvel terra, céu incerto, / mundo jamais descoberto”. A questão posta ao final – segundo a perspectiva aqui traçada, direcionada a uma segunda pessoa do plural identificada aos “descobridores” – sinaliza, porém, que a chegada não foi evitada, e lamenta que busquem ali mais do que se oferece.

Em outro trecho de Invenção de Orfeu, diz-se que há naus que não chegaram a seus destinos não porque naufragaram no caminho ou sofreram outro qualquer impedimento, mas porque “já estavam podres no tronco / da árvore de que as tiraram” (s/d, p. 105), metáfora para o problema da motivação das descobertas marítimas, situando o fracasso do empreendimento em sua própria concepção. É por isso que o poeta se irmana ao Velho do Restelo, personagem de Os lusíadas que discursa antes da partida das naus comandadas por Vasco da Gama condenando a vontade de glória e fama do povo português e predizendo que ela resultará em desastres[6] : “eis aqui essa restela ave canora, / em penas de cassandra [7] renascida” (s/d, p. 49).

Assim, os versos “há sempre um copo de mar / para um homem navegar” – enunciados por quem recebe os navegantes, e não por quem navega – representam o confronto que o poeta em Invenção de Orfeu estabelece com relação à concepção tradicional de poesia épica. Mais particularmente, confronto com Os lusíadas e sua glorificação da empresa marítima portuguesa. Nesse sentido, eles revelam estreita relação entre arte e política, ainda mais se inserirmos aqui a discussão sobre Brasil-país-colonizado, espelhando-o na ilha desterritorializada de Jorge de Lima. Em qualquer “copo de mar”, o homem consegue realizar sua vontade de dominação. É, portanto, com lamento, e não com esperança, que a faculdade inventiva é evocada nesse instante do poema. Outros dois versos, além da epígrafe citada no começo deste texto, podem ser convocados para fortalecer o sentido dessa interpretação: “Será que há mar para um herói / olhar o céu à flor das águas?” (s/d, p. 101), isto é, há possibilidade de heroísmo no empreendimento de conquista que tanto fascina o imaginário português? Para o poeta de Invenção de Orfeu, “nem tudo é épico e oitava-rima [8]” (s/d, p. 101). Navegar em um copo de mar, à luz de uma leitura mais abrangente de Invenção de Orfeu, revela-se, pois, um indício da negatividade da capacidade criativa do homem, pois está a serviço da manutenção entre dominantes e dominados; e queremos nós, público, críticos e artistas, que tal capacidade não se confunda com a arte, embora esta também possa servir à manutenção do poder. Vale lembrar que muitas epopeias, numa tradição que remonta à Eneida de Virgílio, foram encomendadas pelos poderosos para a afirmação de seus lugares a partir da mitificação de fatos históricos, caso da própria Eneida e, no Brasil, de O Uraguai, de Basílio da Gama, fato que leva a diferentes posturas a respeito da qualidade literária de tais obras [9].

Entendidos como metáfora para a relação entre arte e política, que pode ser desdobrada em várias direções, os versos dessa maneira expostos manifestam ainda mais agudamente sua força em face das obras que compõem a exposição. Das diversas maneiras encontradas para veicular a relação proposta, duas obras no Piso 3 se ligam mais objetivamente, pelo tema e forma escolhidos, aos versos do poeta alagoano: as instalações de Cildo Meireles, Abajur, e de Allan Sekula, Ship of fools [Navio dos tolos]. Na primeira, um abajur de grandes proporções projeta a confortante imagem de uma caravela [como as do tempo das descobertas marítimas] chegando à praia; porém, o movimento em que ela é colocada e a luz que projeta se fazem à custa de quatro homens que ativam um gerador rodando rapidamente aos pés da engrenagem. Com isso, o bem-estar que nos causa a imagem se reverte em consciência da exploração alheia, assim como em Invenção de Orfeu glorificar as descobertas marítimas implica a escravização dos povos dominados. A segunda instalação se compõe de vários objetos, incluindo fotos, cartões postais, mapas, representações de marinheiros etc. Trata-se de uma pesquisa realizada nos portos de Antuérpia e Santos a fim de documentar a trajetória dos trabalhadores do transporte marítimo, cuja relevância econômica é esquecida num mundo de virtualidades. Retirados da terra firme, ficam também isolados no mar, território sem visibilidade e por isso propício à criação de uma lógica particular, em que as conquistas universais sobre direitos humanos se afrouxam em face do poder do capital. Afixado ao lado da instalação, os versos de Jorge de Lima retomariam o valor negativo atribuído à navegação.

Ainda é preciso ressaltar a incorporação na mostra de um fragmento da entrevista de Clarice Lispector a TV Cultura em 1977. A respeito de seu conto sobre o bandido Mineirinho, assassinado com treze tiros pela polícia carioca, o entrevistador pergunta em que medida a literatura pode alterar a ordem das coisas, ao que ela responde enfaticamente: “Não altera em nada. Não altera em nada”. Dos imprevistos da arte, está aí uma possibilidade que, embora assimilada na exposição, não encontra brecha no discurso dos curadores.

A divergência entre os sentidos políticos identificados a partir do verso e a “utopia da arte” afirmada pelos curadores não poderia ser casual ou ingênua. Em nota, citei o trecho em que demonstram conhecer a natureza da palavra poética, aquela que “não se dá com facilidade”, embora tenham traduzido os versos escolhidos como tema em uma linguagem simplificadora. Mais do que utopia, a interpretação revela as contradições que denunciam o interesse por uma leitura mais amena, empenhada em responder expectativas de quem não quer que ela cause transtornos, o que se torna visível em alguns episódios ocorridos antes e durante a exposição. Um exemplo é a assimilação dos pichadores, depois do polêmico evento ocorrido na Bienal anterior, “A Bienal do Vazio”, num enorme quadro composto por papéis A4 justapostos, em que os pichadores escreveram mensagens, organizadas de maneira escolar, o que sugere algo sobre o lugar que ocupam na proposta curatorial. Além disso, o vídeo “Opus 666”, do projeto Pichação-SP, é, nas palavras de Daniela Castro, “simultaneamente grosseiro e apaziguador, alentador e assistencialista, necessário e desprezível, justo e estúpido”.

Felizmente, a exposição, de um modo geral, diz muito mais do que o discurso dos curadores. Organizadores do evento, eles interferem em sua forma de apresentação e, consequentemente, na produção de sentidos que se podem depreender dali. Porém, mais ou menos como o trabalho do artista, sua obra, ao ser dada ao público, inevitavelmente lhe escapa.

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Notas

[1] Além de obras que assimilam poetas e escritores, como Manoel de Barros e Clarice Lispector, a literatura se faz presente na proposta da criação dos “terreiros” – espaços de convívio para atividades diversas, do descanso à discussão –, cuja nomeação a partir de obras literárias é assim justificada pelos curadores no Catálogo da exposição: “seis eixos designados através da palavra poética, a palavra que não se dá com facilidade, que mantém sua parcela de opacidade num mundo permeado por palavras pretensamente cristalinas e inequívocas”.

[2] Interessante notar como tudo isso é “desdito” no texto dos curadores em vários momentos, embora a prescrição interpretativa do verso e suas consequências o contradigam. Isso me faz pensar que a discussão que proponho caberia no terreiro denominado “Dito, não dito, interdito”.

[3] O acréscimo da bússola ao cartaz não é equívoco se tomarmos os versos despretensiosamente. Aliás, eles têm um forte apelo poético, que – como ocorre com versos de outros grandes poetas – os faz cair no gosto popular sem instigar a curiosidade acerca do que possam significar à luz de uma leitura mais atenta. Essa é uma das formas de visibilidade de um objeto literário e tem a vantagem de possibilitar que a literatura faça parte da linguagem popular, inserção que inevitavelmente modifica a ambas.

[4] Refiro-me à tendência, desde a Estética hegeliana, de afirmar a incompatibilidade do gênero épico com a modernidade, o qual teria sido substituído pelo romance, forma mais afeita ao modo de vida das sociedades capitalistas. Dentre outros motivos, estaria o de que os valores e as concepções de mundo encerradas em uma epopeia não são concordantes com os do homem moderno. Porém, nem teóricos nem poetas deixaram de assinalar a pertinência do gênero para a discussão de questões atuais e a possibilidade de sua atualização como forma literária. Cf. um panorama da discussão em: Neiva, Saulo. Avatares da epopeia na poesia brasileira no final do século XX.

[5] Cf. os primeiros versos de Os lusíadas: “As armas e os barões assinalados, / Que, da ocidental praia lusitana, / Por mares nunca dantes navegados […]” (1990, p. 29).

[6] Cf. Os lusíadas, Canto V, estrofes XCIV-CIV.

[7] Personagem mitológica, Cassandra tinha o dom de escutar a voz dos deuses. Foi vítima de uma maldição impingida por Apolo, que dela se apaixonara sem sucesso: suas profecias caíram em descrédito e ela passou a ser considerada louca.

[8] Nome que se dá à estrofe composta de oito versos decassílabos rimados segundo o esquema abababcc, em que Os lusíadas foram compostos.

[9] Caso semelhante ocorre com escritores que assumiram a defesa de regimes totalitários, como Jorge Luis Borges e Thomas Mann. Tais exemplos podem servir para se pensar sobre até que ponto a relação entre arte e política, ou, ainda nessa perspectiva, entre autor e obra, determina a valoração estética.

 

Referências bibliográficas

Camões, Luís de. Os lusíadas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1990.
Castro, Daniela. “Um loop perfeito”. Trópico. In:  http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/3218,1.shl
Farias, Agnaldo; Anjos, Moacir dos. “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”. Catálogo da 29ª Bienal de Arte de São Paulo.
Lima, Jorge de. Invenção de Orfeu. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.

 


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