Carmen Alén Garabato é uma das autoras de Quem fala a minha língua?. O livro editado pola Através reúne vários contextos sócio-linguísticos onde esta pergunta não recolhe uma resposta unívoca. Com O occitano na França: qual e para que usos?, a autora ilustra-nos sobre língua e identidade no espaço occitano. Valentim Fagim
VF: O occitano é uma das primeiras línguas neolatinas com uma história fecunda na Idade Média. Que provocou o deserto posterior?
CA: O acontecimento que se situa na origem da decadência da língua occitana é a Cruzada contra os Albigenses, que começa no ano 1209 e que tinha como objetivo lutar contra a heresia Cátara. Esta Cruzada provocou a perda do poder dos senhores do Sul (occitano-falantes) que foram substituídos polos do norte (que falavam francês). A partir desse momento o francês começa lentamente a instalar-se entre as classes altas e a ser utilizado na administração e também na literatura. O *occitano será a língua falada polo povo durante séculos mas será prescrita dos usos oficiais (oficialmente a partir da ordenança de Villers-Cotterêts de 1539, mas de facto desde muito antes) e da literatura culta. A partir da Revolução Francesa e sobretudo da Lei Ferry de 1801 de escolarização obrigatória acelera-se o processo de substituição também nos usos orais. O occitano e as outras línguas regionais da França vão ser proibidas nas escolas. A transmissão geracional da língua rompe-se de maneira maciça no primeiro quarto do século XX.
VF: No sec. XIX há um processo de ressurgimento que, no entanto, apresenta muitas limitações. Será que a França não é a Espanha?
CA: Com efeito, França não é Espanha. Na França a ideologia uni-linguista fez com que, a partir da Revolução, se identificasse a língua francesa com a Nação e com o Estado. O francês tornou-se na língua da Revolução, da liberdade, da modernidade, do progresso, frente às outras línguas que vão representar o Antigo Regime, o feudalismo, o atraso… Quando Mistral e o Felibrige reivindicam a dignidade da língua occitana (provençal) não podem (ou não querem) ir em contra dessa ideologia dominante: a defesa do occitano faz-se sem questionar a supremacia do francês. Fazê-lo séria ser ir contra de Republica e da grande pátria, que é a França.
VF: O nome de uma língua é, em palavras de Tabouret-Keller, uma espécie de embaixador e, como tal, porta uma mensagem. Que mensagem porta o termo provençal e o termo occitano?
CA: Quando se fala de provençal pode-se fazer referência simplesmente à variedade falada na Provença (como se falaria de languedociano ou de gascão): hoje em dia a opinião maioritária é a de considerar que o provençal é um dialeto do occitano ou língua de Oc, mas uma minoria de pessoas consideram que o provençal é una língua que não pode ser integrada no que se chama occitano. Os partidários desta tendência têm uma visão um tanto folclórica da língua, que se associa com as celebrações do tradicional (junto com os trajes, as festas, a musica, as receitas de cozinha…)
O termo occitano, pola sua parte, é recente e foi popularizado durante as lutas sociais dos anos 70, quando o slogan de moda era Volem viure al païs (queremos viver no pais) que fazia referência à situação económica do sul da França que obrigava a juventude a ir trabalhar para o norte. Os occitanistas têm uma visão mais moderna e instrumental da língua. O seu objetivo séria reinstaurar o língua occitana em todos os âmbitos da sociedade (ainda que sem pôr em duvida, de maneira geral, a necessidade de falar francês).
VF: A maioria dos falantes de occitano denominam a sua língua de “patois”. Voltando à pergunta anterior, qual é a mensagem que esta denominação implica?
CA; O termo patois não designa nenhuma língua em particular, seria o contrário a uma língua: como diria Philippe Gardy, é uma não língua. Este termo empregou-se na França para designar e estigmatizar tudo o que não fosse francês. Tratasse de um elemento fundamental da ideologia uni-linguista. A escola vai difundir esta ideia de maneira muito eficaz criando nos locutores um sentimento de culpabilidade por falar algo que pertence ao passado, que representa a incultura, que é grosseiro e incorreto… a consequência será a não transmissão da língua occitana… porque transmitir às crianças algo tão negativo?!
VF: Em 1990, o linguista occitano Patrick Sauzet afirmava que “La grafia és mai que la grafia”. Que há detrás das escolhas ortográficas de ambas os grupos, occitanistas e provençalistas? Que coordenação existe entre ambos os grupos?
CA: Como dixem, a ideia que estes grupos têm do futuro da língua é diferente: instrumental e moderna (em princípio) os primeiros, bastante folclórica os segundos. Mas desde os anos 2000 estes grupos começaram a trabalhar juntos e a elaborar estratégias comuns de promoção da língua: como as grandes manifestações que tiveram lugar em Tolosa, Beziers, Carcassona… Mas fica um grupinho de irredutíveis provençais que não quer saber nada da unidade da língua occitana.
VF: Que pode achar de interessante um cidadão/cidadão galega de todos estes processos?
O exemplo occitano mostra-nos em primeiro lugar que as situações de contacto-conflito de línguas não são estáveis e que evolucionam às vezes mui lentamente (e o caso do occitano até o século XIX), e às vezes de maneira mui rápida: pode-se dizer que a língua occitana (quase) desapareceu em três gerações: foi o que sucedeu ali a princípios do século XX.
Também nos mostra que quando se malgasta toda a energia em conflitos de grafia, pode perder-se de vista o objetivo fundamental que é o de manter a língua.
Agosto 2013