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Sobre poetas e prêmios

Há dias em que pensamos na poesia como um antílope morto e nos poetas como os lobos, as hienas e os coiotes que vêm disputar as entranhas, dentes à mostra, rosnando. Há dias em que pensamos na poesia como o painel central do Jardim das Delícias Terrenas, de Hieronymous Bosch, com os poetas como os libertinos nus que, em pequenos grupos, percebem apenas a si mesmos, alguns imersos em uma piscina equilibrando maçãs sobre suas cabeças, outros flutuando juntos em uma bolha, outros ainda cavalgando as costas dos pássaros. Notamos essa miríade de sociabilidades porque somos poetas, e porque a sociabilidade define quem lemos, quem ouvimos e o que pensamos a respeito. Mas as histórias pessoais e os argumentos sobre política e estética que ocupam tanto nosso cérebro são todos irrelevantes para o leitor leigo médio. Como essa pessoa, interessada em poesia mas não envolvida nas lutas e nas alianças, decide o que ler? Enquanto os romances e as memórias recebem atenção periódica da crítica na grande mídia, a poesia é amplamente invisível na cultura americana. Não é um tópico regular de conversa em um jantar (a menos, é claro, que todos na mesa sejam poetas). Na ausência de um amigo poeta com opiniões invariavelmente fortes, ou de encontros casuais com as escolhas idiossincráticas de funcionários de uma livraria local, é difícil classificar os muitos volumes de poesia publicados por coiotes e libertinos a cada ano, muitas vezes por pequenas editoras sem orçamento de publicidade. Entra o prêmio literário. Durante a temporada principal de prêmios, um punhado de obras são escolhidas e consideradas excelentes, transformadas de uma pilha de carne ou bolha flutuante em Literatura. Essas obras ungidas recebem atenção da grande mídia na época em que o prêmio é anunciado. Elas aparecem no feed. Elas circulam. Elas encontram seu caminho até leitores que não são também poetas.

Nos EUA, esses prêmios são concedidos por uma série de instituições literárias com financiamento privado. Sua missão é defender a poesia, em abstrato, sua contínua relevância, equanimidade e acessibilidade. Elas são a razão de abril ser o Mês Nacional da Poesia, e de Billy Collins estar empurrando poemas para alunos do ensino médio. Elas organizam competições de recitação de poesia para os alunos. Elas costumam publicar livros grandes e convidativos como Poem-a-Day: 365 Poems for Every Occasion [Um poema por dia: 365 poemas para todas as ocasiões] e Fifty Years of American Poetry: Over 200 Important Works by America’s Modern Masters [Cinquenta anos de poesia americana: mais de 200 obras importantes de mestres modernos da América]. E elas frequentemente encomendam defesas da poesia para seus blogs, sites e jornais – vários deles, que arquivam “free poems” para download e links, sinal dos baixos índices monetários da poesia; nenhum romancista acharia que uma instituição que distribui seu trabalho de graça está lhe fazendo um favor. Quase todas essas instituições afirmam querer de alguma forma trazer a poesia, gênero que historicamente se insinua entre a elite, de volta ao público em geral. É uma questão em aberto se isso é possível, mas o prêmio literário faz parte desse desejo. Nesse modelo, o prêmio literário é entendido como um amenizador da insularidade da poesia e um provedor de um ângulo de avaliação mais amplo, regulado pelas principais instituições literárias do país.

Para preservar sua legitimidade como juiz do que é excelente ou não, as instituições literárias fazem de tudo para parecer benevolentes e justas. A maioria faz uso de grandes comitês porque, como James English aponta em The Economy of Prestige [A economia do prestígio], “consenso e compromisso” leva os grupos “em direção a escolhas seguras, óbvias e esperadas”.[2] A Academy of American Poets Fellowship e o Wallace Stevens Award são concedidos por um Conselho de Chanceleres,[3] um grupo de quinze poetas nomeados por chanceleres anteriores para este fim.2 O Pulitzer usa júris de seleção em número não especificado, que nomeiam três finalistas para um conselho de dezoito membros, que então vota.[4] Os Prêmios Tufts usam um “grupo de avaliadores qualificados” que recomendam cinquenta títulos a um painel rotativo de cinco jurados finais.4 O National Book Award usa um painel de cinco jurados.[5] Algumas instituições fazem o inverso, e afirmam que a falta de transparência é exatamente o que determina sua ausência de viés. A Fundação MacArthur usa um comitê de seleção de “aproximadamente doze membros”, que atuam anonimamente porque acreditam que “as pessoas prontamente fornecem impressões francas se tiverem a garantia de que suas respostas não serão disseminadas para além da equipe do programa e do Comitê de Seleção”.[6] The Whiting Foundation, da mesma forma, usa uma equipe de indicadores anônimos e, em seguida, outra equipe de selecionadores anônimos.[7]

Apesar desses esforços para uma avaliação justa, as instituições são assediadas por objeções à distribuição injusta de prêmios. Às vezes, essas reclamações argumentam que todo o sistema está pré-arranjado. Foetry.com é talvez o exemplo mais infame. Em 2005, o bibliotecário de Portland Alan D. Cordle criou anonimamente um crowdsourced site com o objetivo de expor tudo, de nepotismo a comércio interno na concessão de prêmios literários. Mas esse tipo de reclamação é mais frequentemente ouvida entre um escritor e outro, enquanto trocam fofocas sobre os libertinos em um comitê que premia algum outro libertino reclinado em sua mesma bolha. Ainda mais frequentemente, e cada vez mais pública, é a objeção em relação às identidades e características demográficas de quem é incluído e de quem não é incluído na definição de excelência do prêmio. June Jordan e Houston A. Baker Jr, por exemplo, publicaram um anúncio no New York Times Book Review em 1988 para fazer campanha por Toni Morrison, depois que Beloved foi preterido nos prêmios National Book e National Book Critics Circle.[8] Em 1998, Fred Viebahn escreveu uma carta aberta a Stanley Kunitz na International Quarterly observando que “nunca houve um membro eleitor não branco na Academia (Academy of American Poets Fellowship)”.[9] Sua carta acusava a Academia de “’pureza’ racial sem remorso e grande desequilíbrio de gênero”.[10]

Essas objeções foram claramente ouvidas por instituições literárias e comitês de prêmios. Como organizações liberais, elas valorizam a transparência e a inclusão, e mesmo que, como todas as instituições, não possam incorporar totalmente esses valores, muitas vezes são rápidas em responder e fazer mudanças quando seus constituintes apontam lapsos. Toni Morrison ganhou o Pulitzer naquele ano. Após a carta de Viebahn, o Conselho de Diretores da Academia assumiu o processo de indicação por um ano e nomeou Lucille Clifton, Yusef Komunyakaa e Jay Wright (que recusou) como chanceleres, e limitou o mandato de chanceler a seis anos.[11] Essa estratégia foi tão bem-sucedida que, por volta de 2013, mais de 66% dos prêmios principais da Academia foram para escritores que se identificaram racialmente como não brancos (antes de 1990, apenas dois escritores negros, e nenhum outro escritor de cor, foram premiados pela Academia). E Cordle pode reclamar o crédito pela diretriz de concurso frequententemente contestada, comumente chamada de “regra de Jorie Graham”, que estipula que os jurados não podem conceder prêmios a seus alunos atuais ou ex-alunos. Mas o rumor por uma solução permanece, assim como a sensação de exclusão racial.

Os poetas prestam muita atenção aos anúncios de prêmios porque um número muito pequeno é distribuído a cada ano, e seu impacto econômico é significativo. Os prêmios costumam ser a única maneira de os poetas receberem qualquer compensação significativa por seus escritos. A maioria dos editores de poesia não paga royalties e, se pagarem, os pagamentos são modestos. Um título de poesia listado como Small Press Distribution vende uma média de mil cópias. Mas cerca de um milhão de dólares são distribuídos a cerca de 25 poetas em forma de prêmios a cada ano. Para os sortudos o suficiente para entrar no circuito de prestígio, esses prêmios em dinheiro podem ser generosos, transformando suas vidas. A quantia que um poeta pode receber de apenas um prêmio supera facilmente o total que ele receberá com as vendas, e vitórias regulares podem levar a alguma independência financeira. Adrienne Rich, por exemplo, levou para casa quase 1 milhão de dólares entre 1974 e 2003, ou o equivalente a mais de 30 mil dólares por ano durante esses 29 anos (se se ajustar esses números para seu equivalente em 2020, são cerca de 1 milhão e seiscentos mil dólares, ou 55 mil por ano). Para os poetas premiados, esses ganhos são complementados pelo prestígio que podem render, incluindo leituras de grande divulgação, reservas por meio de agências de palestrantes, empregos acadêmicos e residências literárias. Mas para cada escritor bem premiado como Rich, existem muitos poetas, inclusive muitos poetas conhecidos e respeitados, que nunca recebem um prêmio literário importante. Existem também tendências estéticas inteiras que não estão bem representadas nessa rede de ganhadores de prêmios. Os que escrevem de forma mais experimental, dos beats aos poetas da Language, aparecem apenas ocasionalmente, e geralmente no singular. Poetas de slam e de poesia oral em geral também são tradicionalmente excluídos, embora as vitórias recentes de Sam Sax e Danez Smith sejam provavelmente um sinal de mudança.

Há alguns anos iniciamos um projeto para entender os prêmios literários. Estávamos interessados ​​na questão de saber se os prêmios literários eram imparciais ou não, quem é favorecido, quem fica de fora. Para observar melhor as mudanças nos contornos dos prêmios ao longo do tempo, fizemos uma planilha de vencedores e jurados de quarenta prêmios literários de todos os gêneros de 1918 em diante. Os prêmios que examinamos têm (ou tinham) um prêmio de 10 mil dólares ou mais. Nosso conjunto de dados inclui 429 vencedores de quase oitocentos prêmios de poesia, começando com a vitória de Carl Sandberg no Pulitzer de 1919, e terminando com os vencedores do ano passado. Algumas das coisas que percebemos eram óbvias; algumas, idiossincráticas. Primeiro, cerca de um terço dos poetas vencedores recebem mais de um prêmio (para efeito de comparação, apenas 15% dos escritores de ficção em nosso conjunto de dados ganharam mais de uma vez). W. S. Merwin é o maior vencedor de todos os tempos; ele ganhou dez prêmios. Mulheres recebiam cerca de 40% dos prêmios, em média, no início do século; nos últimos cinco anos, esse número subiu para 50%. A demografia racial dos prêmios é uma história mais complicada. No século XX, apenas 3% dos prêmios foram para poetas que se identificaram como não brancos.[12] Nos últimos cinco anos, isso mudou drasticamente: escritores que se identificaram como não brancos foram 72% dos vencedores. Nossos dados também nos permitiram ver o grau em que a excelência literária está vinculada ao ensino superior. Desses 429 vencedores, mais da metade possui algum tipo de diploma em uma lista de oito escolas: Harvard, Universidade de Iowa, Stanford, Columbia, Yale, Universidade de Nova York, Universidade da Califórnia, Berkeley e Princeton; 40% também possuem um MFA [Master of Fine Arts, equivalente ao MBA nas ciências humanas], e 20% desses MFAs foram concedidos apenas pela Universidade de Iowa. Cerca de 60% dos poetas escolhidos como jurados frequentaram o mesmo pequeno grupo de escolas.

Algumas dessas descobertas, especialmente o papel das instituições de elite, não foram surpreendentes. Mas o que nos impressionou foi a estreita, simbiótica característica das redes de prêmios. Um olhar mais atento nos jurados e vencedores de prêmios literários ilustra as conexões interpessoais e profissionais por meio das quais o mérito literário se acumula. Tome-se o exemplo de Robert Pinsky, que foi Poeta Laureado de 1997-2000.[13] Entre seus outros prêmios estão o American Academy of Arts and Letters Award, o Academy of American Poets’ Lenore Marshall Award (que venceu duas vezes, em 1988 e 1997), e o PEN/Voelcker Award for Poetry. Isso é mais do que uma modesta quantidade de troféus literários, embora ainda longe de ser excepcional. Mas onde Pinsky realmente se destaca é em sua qualidade de jurado. Pinsky é de alguma forma responsável por conceder mais de 2 milhões de dólares em prêmios aos seus pares, tendo julgado cerca de quarenta prêmios.

Carl Phillips, aluno de Pinsky na Universidade de Boston, é um entre muitos ungidos por Pinsky ao longo dos anos. Pinsky estava nos comitês que resultaram na vitória de Phillips para uma Witter Bynner Poetry Fellowship, um Kingsley Tufts Award e um Academy of American Poets Fellowship (esses prêmiações são anteriores à “regra de Jorie Graham”). Outra característica do sistema de prêmios dos EUA é a maneira como Phillips seguiu os passos de Pinsky como um concessor de recompensas. Phillips foi nomeado chanceler da Academy of American Poets por um comitê que incluia Pinsky, e começou a julgar o prêmio Tufts um ano após Pinsky ter deixado o cargo.

Louise Glück é outra poeta com um grande recorde de prêmios e conexões estreitas com outros poetas premiados. Phillips e Pinsky estavam entre os jurados da Academia para o Wallace Stevens Award no ano em que Glück venceu. Suas outras honrarias incluem o American Academy of Arts and Letters Award, o Pulitzer, o Lannan Award, o Bollingen, o National Book Award e, mais recentemente, o Prêmio Nobel, anunciado quando estávamos terminando este ensaio. Isso eleva seus ganhos até agora para pouco mais de 1,5 milhão de dólares. Como jurada, Louise Glück participou de comissões suficientes para ter desempenhado um papel na concessão de mais de 1 milhão de dólares a cerca de 32 de seus pares. Tal como aconteceu com Pinsky e os Tufts, Phillips acabaria por substituir Glück como jurado do Yale Younger Poets Prize em 2010. Glück não é apenas uma das premiadas por Pinsky, mas também sua amiga íntima. “Ela fala com [ele] quase todos os dias”, observou o Washington Post ao anunciar sua nomeação em 2003 como Poetisa Laureada.[14]

A reciprocidade define essa subcultura. Pinsky, Phillips e Glück deram prêmios a um pequeno grupo de poetas, muitos dos quais, por sua vez, concederam a eles um prêmio (ou vice-versa). Quando Pinsky venceu o Lenore Marshall, Mark Doty era jurado; da mesma forma, Pinsky foi jurado do National Book Award de Doty. Galway Kinnell e Sharon Olds serviram como jurados quando Phillips ganhou a Academy of American Poets Fellowship; posteriormente, Phillips participou dos comitês que concederam um Wallace Stevens Award a Kinnell e um Pulitzer a Olds. Quando Glück ganhou o Pulitzer, Frank Bidart foi um dos jurado; ela estava no comitê quando Bidart recebeu o Wallace Stevens Award. Quando Glück ganhou o Bollingen, Henri Cole julgou e, novamente, Glück estava no comitê que concedeu a Cole o Jackson Poetry Prize. Literalmente, todos no comitê que concedeu a Glück o Wallace Stevens Award já haviam recebido um prêmio no qual ela desempenhou o papel de jurada: Glück atuou nos comitês que concederam a Lyn Hejinian, Ellen Bryant Voigt e Sharon Olds uma Academy of American Poets Fellowship, e um Wallace Stevens Award para Gerald Stern. E assim por diante.

Pode-se jogar esse jogo de apontar associações entre poetas a noite toda. Portanto, seria errado ver esses três como enganando o sistema de alguma forma. Nós os apresentamos como exemplos de como o sistema funciona, não como fraudes. Eles se destacaram para nós em nosso conjunto de dados como os três escritores que ganharam e julgaram um número significativo de prêmios e cujas amizades são públicas. Também é importante perceber que a natureza insular dos prêmios pode nem mesmo ser legível para quem está dentro deles. Na maioria das vezes, os poetas estão nos comitês com quatro, cinco ou seis outros poetas. É impossível dizer que tipo de papel qualquer poeta desempenha nesses comitês (e é possível que alguns poetas possam se recusar a particpar de todas as decisões que se assemelham a conflitos de interesse; no entanto, todos os poetas-jurados não poderiam fazer isso todo tempo). Certamente, é razoável e não antiético que dois poetas consagrados admirem o trabalho um do outro. Quase todas as comunidades de poesia são pequenos ecossistemas mantidos por meio do que John Thompson, em Merchants of Culture, chama de “economia de favores”. Geralmente são os poetas que organizam leituras, editam jornais literários e publicam livros de poemas de outros poetas, mesmo dentro de instituições. Como a poesia tem fortes laços com o ensino superior, a relação professor-aluno torna-se profundamente influente nessa economia de favores. Espera-se que os professores promovam o trabalho de seus alunos, solicitem favores para eles, escrevam sinopses. Isso é chamado de mentoria, não clientelismo. E, do mesmo modo, os poetas costumam recompensar seus mentores. Isso é entendido como respeito aos mais velhos. Poderíamos facilmente escrever uma versão deste artigo sobre nossas próprias vidas como escritores e leitores de poesia, ainda que com menos prêmios em dinheiro e prestígio. Estamos pensando aqui em muitos pequenos momentos, como quando convidamos amigos para enviar um trabalho para um jornal ou publicamos seu livro, mas também momentos maiores, quando éramos legíveis para um comitê de contratação por causa de nosso mentor ou ex-professor, ou quando fomos convidadas por amigos para fazer leituras remuneradas no colégio onde trabalham. E também houve a vez em que uma de nós ganhou um prêmio e um amigo estava no comitê, ou uma vez que uma de nós julgou um concurso literário e um amigo próximo venceu, embora tenhamos nos recusado a particpar da decisão. Ainda mais complicado é o fato de que nas poucas vezes em que julgamos algo, mesmo quando os manuscritos eram anônimos, reconhecemos muitos dos autores simplesmente porque estávamos familiarizados com seus trabalhos.

Mas apesar das tentativas das instituições literárias de escapar da economia de favores, por exemplo, contando com grandes comitês, a economia de favores permanece. Isso tem muito a ver com a tradição consagrada de vencedores se tornando jurados; 41% dos poetas premiados também atuam como jurados. E a maioria dos que julgam o faz em média seis vezes. Assim que começamos a entender a importância de julgar, percebemos que a Academy of American Poets desempenha um papel desproporcional nesse ecossistema. Isso nos surpreendeu. No discurso público sobre prêmios literários, os anúncios do National Book Award e do Pulitzer costumam receber mais atenção e maior especulação. A Poetry Foundation também se destaca graças à proeminência da Poetry e ao envolvimento da organização com escritores mais jovens. A Academy aparece, em contraste, como uma instituição literária benigna e um tanto robusta, cuja presença passa quase sempre despercebida. Mas porque os chanceleres são poetas-jurados que conferem prêmios por muitos anos (e são, por sua vez, premiados ​​por seus pares), aqueles associados com a Academy desempenham um papel importante na determinação de quem se tornará um vencedor do prêmio de grande impacto, e quem não.

Esse poder de seleção é mais instrumental no século XX. No início, ser chanceler da Academy of American Poets era ou um cargo vitalício ou limitado a dois períodos de doze anos. Isso significa que alguns poetas cumpriram mandatos muito longos. Richard Wilbur foi chanceler por 34 anos, Daniel Hoffman por 25 e Stanley Kunitz por 26. Wilbur desempenhou um papel singular na formação da compreensão da excelência poesia em meados do século. Em 1999, após a carta aberta de Viebahn, foram impostos limites de mandato de seis anos, mas os limites não mudaram tanto. Seis anos ainda é um longo prazo: o fato de Pinsky, Phillips e Glück terem feito giros como chanceleres é a única razão pela qual eles puderam juntos desempenhar um papel na recompensa de mais de 4,5 milhões de dólares a mais de cem de seus pares. Embora seja comum os vencedores se transformarem em jurados, há uma coincidência incomum entre os vencedores e os jurados dos prêmios da Academy. Aproximadamente metade dos que recebem um prêmio importante da Academy eventualmente se tornam chanceleres. No passado, essa rede deu prêmios a si mesma: Merwin era um chanceler, por exemplo, quando ganhou seu Wallace Stevens Award.15 Porém, com mais frequência, os chanceleres recompensam um poeta individual pouco antes de esse poeta ser chamado para entrar em suas fileiras, ou alguns anos depois de terminarem seu período como chanceleres.

Embora o sistema de chanceleres torne a Academy of American Poets particularmente influente, o conjunto de prêmios e bolsas da organização não deve ser considerado isoladamente. Diferentes prêmios são fundamentais em diferentes estágios da carreira dos escritores. O Pulitzer, por exemplo, é frequentemente o prêmio inicial para poetas que ganham vários prêmios. A Academy tende a servir como um multiplicador, pois é mais provável que premie os vencedores anteriores de outros prêmios. Um total de 80% dos Poetas Laureados também foram recompensados ​​pela Academy. O National Book Award, embora seja mais um prêmio da indústria criado para aumentar a visibilidade e as vendas de títulos com posição intermediária no mercado, ainda conta com os premiados da Academy como 65% de seus vencedores de poesia. Mais da metade dos vencedores do Bollingen e do Pulitzer têm associações na Academy. Existem nove poetas que têm associações com todos os cinco prêmios: Glück, Charles Wright, Conrad Aiken, Howard Nemerov, Mona Van Duyn, Richard Eberhart, Wilbur, Kunitz e Merwin. Estes nove ganharam 78 prêmios e estiveram envolvidos na entrega de quase metade dos prêmios (incluindo 24 prêmios entre si) para poesia entre 1948-2015. Seus dados demográficos representam o vencedor do prêmio prototípico do século XX em um grau quase caricatural: todos são brancos, sete se formaram ou frequentaram uma instituição da Ivy League,[15] e quase metade foi para Harvard.

Durante a maior parte do século XX, as definições dos prêmios de excelência literária incluíram apenas escritores brancos. Essa história é provavelmente uma das razões pelas quais esses prêmios ainda são percebidos como esmagadoramente brancos, embora a diversidade racial dos vencedores comece mais ou menos a ecoar a demografia racial dos EUA como um todo na década de 2000 (não vemos isso como um linha de base para o que deveria ser considerado excelente, mas sim como uma métrica descritiva). As razões para essa mudança são grandes, complicadas e interconectadas, refletindo a mudança no terreno cultural do final dos anos 1960 e culminando nas chamadas “guerras culturais” no final dos anos 1980. A literatura desempenhou um papel importante nos debates institucionais sobre o multiculturalismo, e essa atenção mudou dramaticamente o cânone do que é considerado excelente na literatura americana. Ao mesmo tempo, instituições literárias racialmente atentas, como o Dark Room Collective, VONA, o Asian American Writers ’Workshop, Cave Canem e Kundiman começaram a oferecer programação de apoio e oportunidades de construção de rede para escritores identificados como não brancos. Apesar de mudar a demografia dos prêmios, essas mudanças maiores não mudaram a natureza insular das redes de prestígio. As bolsas Ruth Lilly e Dorothy Sargent Rosenberg oferecem um estudo de caso a esse respeito são um corte transversal impressionante de um novo establishment literário que em quase todos os sentidos diverge da velha guarda da poesia: eles são jovens, racialmente diversificados, muitas vezes queer, e muitos emergem de cenas de palavra falada. Mas, de outras maneiras, o escopo estreito dos prêmios permanece o mesmo. Metade frequentou Stanford, New York University, University of Iowa, University of Houston ou University of Texas, Austin. Três quartos dos bolsistas têm um MFA. Phillip B. Williams publicou recentemente uma “Carta de desculpas de um bolsista Ruth Lilly”. Como aponta a carta de Williams, não há como escapar do “nepotismo do prêmio” ou do fato de que todos os que o ganharam “pareciam ser amigos íntimos”.[16] É difícil não notar, por exemplo, que todos, exceto um membro do Dark Noise Collective ganhou uma bolsa de estudos Ruth Lilly e uma Dorothy Sargent Rosenberg nos últimos anos.

Então, o que deve ser feito? Não somos puristas que querem acabar com os prêmios por completo, especialmente no momento em que eles estão finalmente sendo distribuídos para um grupo de escritores mais racialmente diverso. Mas tampouco queremos instigar por uma premiação mais reformada. Se há algo que nossa pesquisa nos mostrou, é que mesmo que eles façam o possível para corrigir o curso em direção à transparência, equidade e inclusão, os prêmios ainda serão prêmios. Eles refletem desequilíbrios de poder maiores do que o gênero da poesia. Grande parte da produção cultural reconhecida nos Estados Unidos é produzida por aqueles que têm laços com escolas de elite e a economia de favores que vem com esses diplomas. Parece improvável que uma série de regras pudesse realmente combater essas condições (exceto em uma loteria, o que negaria toda a premissa de um prêmio). Uma possibilidade começa com um ajuste de perspectiva e  a compreensão de que o prêmio não reflete excelência imparcial, mas sim trocas de honrarias entre um pequeno grupo de poetas. Se a partir daí aceitarmos que a poesia é composta por vários quadros, e o prêmio não pode ser ecumênico, poderíamos pensar em como diversificar os recebimentos dos prêmios entre esses quadros e, ao mesmo tempo, reduzir os inevitáveis ​​vieses quando jurados e vencedores vêm do mesmo quadro. Isso pode significar ir além da regra de Jorie Graham, e insistir que os lobos só podem julgar os prêmios dados a libertinos que equilibram maçãs em suas cabeças, que podem, por sua vez, distribuir despojos exclusivamente para coiotes, que só podem decidir quais cavalgadores de pássaros deveriam receber a bolsa do ano para cavaalgadores de pássaros. Isso seria complicado, é claro: alguns poetas são tanto hienas quanto libertinos; alguns são lobos imersos em poços de maçãs que não se equilibram na cabeça de ninguém; outros são pássaros bicando os olhos de coiotes que flutuam, serenos, abraçando antílopes em bolhas. A outra opção é aceitar que essa economia de favores não pode ser desfeita sem um repensar dramático de como os poetas são apoiados, valorizados e, em última análise, vistos como excelentes, o que exigiria a criação de novas medidas de avaliação. Não temos certeza do como poderiam ser. Mas acreditamos que talvez esta seja uma oportunidade de nos reconectarmos ao que importa em relacão à poesia: seu pensamento atípico, suas possibilidades anti-institucionais, sua capacidade de despertar emoções, sua beleza e também sua graça.

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Agradecemos a Andrew Piper e Richard Jean So pela ajuda estatística e por apoiar a coleta de dados para este projeto. Obrigado a Jennifer Chukwu, Clare Lilliston e Esther Vinarov por nos ajudarem a reuni-lo. Embora este trabalho tenha sido produzido com o apoio de e em conversa com uma equipe acadêmica maior, assumimos total responsabilidade por quaisquer erros interpretativos ou outros.

 

 

Obras citadas:

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———. “Two Poets Quit Board Of Academy in Protest.” The New York Times, November 14, 1998, sec. Books. https://www.nytimes.com/1998/11/14/books/two-poets-quit-board-of-academy-in-protest.html.

Thompson, John B. Merchants of Culture. Polity, 2010.

Weeks, Linton. “Gluck to Be Poet Laureate.” Washington Post, August 29, 2003. https://www.washingtonpost.com/archive/lifestyle/2003/08/29/gluck-to-be-poet-laureate/c168beab-27d5-4b4d-8156-e5b6dbe99598/.

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[1] Acessível em: <http://asapjournal.com/on-poets-and-prizes-juliana-spahr-and-stephanie-young/?fbclid=IwAR1lhJDN6n2A6ZiHGiNormueUPAESSZszPgx3w5AYcisNuA9zJsuRhPEx6g>.

[2] James F. English, The Economy of Prestige: Prizes, Awards, and the Circulation of Cultural Value (Cambridge: Harvard University Press, 2008), 137-38.

[3] Chanceler: originalmente, magistrado que tinha a seu cargo a guarda do selo ou chancela governamental; por extensão, aquele que chancela documentos, diplomas, prêmios etc.

[4] Academy of American Poets, “Chancellors,” text, The Academy of American Poets, accessed September 17, 2020, https://poets.org/academy-american-poets/chancellors.

[5] Sig Gissler, Sean Murphy, and Seymour Topping, “Administration of the Prizes,” The Pulitzer Prizes, accessed September 17, 2020, https://www.pulitzer.org/page/administration-prizes.

[6] “Judges,” Tufts Poetry Awards, accessed September 17, 2020, https://arts.cgu.edu/tufts-poetry-awards/about/judges.

[7] “National Book Foundation – How the Awards Work,” National Book Foundation (blog), accessed September 17, 2020, https://www.nationalbook.org/national-book-awards/how-works/.

[8] “MacArthur Fellows Frequently Asked Questions,” MacArthur Foundation, accessed September 17, 2020, https://www.macfound.org/fellows-faq/.

[9] “About the Whiting Awards,” Whiting, accessed September 17, 2020, https://www.whiting.org/writers/awards/about.

[10] June Jordan and Houston A. Baker, Jr., “Black Writers in Praise of Toni Morrison,” New York Times, January 24, 1988, https://archive.nytimes.com/www.nytimes.com/books/98/01/11/home/15084.html?_r=2.

[11] Charles H. Rowell, “”Unmasking the ‘Gods of Poetry’: Race and the Academy of American Poets,” Callaloo 22, no. 1 (1999): x.

[12] Rowell, xii.

[13] Escolhido pela Biblioteca do Congresso americano.

[14] Dinitia Smith, “Criticized as Elitist, Poets’ Organization Revamps Its Structure – The New York Times,” New York Times, March 22, 1999, https://www.nytimes.com/1999/03/22/books/criticized-as-elitist-poets-organization-revamps-its-structure.html.

[15] Grupo das oito das universidades mais prestigiosas dos EUA: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Universidade da Pensilvânia, Princeton e Yale.

[16] Phillip B Williams, “Letter of Apology from a Ruth Lilly Fellow,” Google Docs, accessed August 28, 2020, https://docs.google.com/document/d/1-rUWM5DyVSkeje6DeTsib81XnqeydhUXnvbnpEMHQvU/edit?usp=embed_facebook.