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A CASA DAS ROSAS E A POLÍTICA CULTURAL DO PSDB DE SP

Em nome do Governo do Estado de São Paulo e da Secretária da Cultura, foi recentemente posto para circular nos meios eletrônicos o seguinte convite:

Tal convite representa, necessariamente, uma chamada para que certa reflexão pública sobre a política literária paulista e paulistana em geral e sobre a atuação e a programação da Casa das Rosas em particular seja retomada.

Com significativa repercussão na internet e em matérias nos dois principais jornais de São Paulo, publiquei em março de 2012, nesta revista, uma extensa e documentada análise crítica sobre a atual gestão da Casa das Rosas.[1] Para não retomar tudo, mas para resumir sem omitir nada, três fatos relevantes se destacam:

 

  1. O diretor da Casa das Rosas, Frederico Barbosa, jamais respondeu às críticas à sua gestão, como seria não seu direito, mas seu dever, como gestor de uma instituição pública;
  2. O mesmo diretor, outrossim, liderou uma campanha truculenta contra esta revista e contra seu editor, usando de todos os meios, de poemas ofensivos a abaixo-assinados em sua própria defesa a pedidos de boicote;
  3. As duas principais características da programação da Casa das Rosas então destacadas foram: a) certo “democratismo” populista e acrítico, na forma de “saraus” “abertos a todos” mas fechados a qualquer reflexão crítica ou ressonância cultural; b) o sequestro da Casa das Rosas pelo grupo de eleitos e protegidos de seu diretor, em detrimento de uma postura verdadeiramente inclusora e democrática; para ficar em apenas três nomes exemplares, enquanto Ferreira Gullar jamais adentrou a instituição, sua programação é centrada e concentrada na pessoa do próprio diretor, Frederico Barbosa, e em Augusto de Campos, irmão do patrono da casa, Haroldo de Campos.

 

Eis que, depois de tudo, nada muda e tudo se repete. A Casa das Rosas não é a França, tampouco sou Robespierre. Isto dito, torna-se pertinente relembrar um famoso dito de Talleyrand sobre a restauração da família Bourbon ao poder, depois da Revolução Francesa e do período napoleônico: “Não esqueceram nada e não aprenderam nada”. A frase pode e deve ser aplicada tanto à gestão e à programação da Casa das Rosas quanto à atuação do PSDB paulista na área literária.

Em síntese, foi permitido que as maiores instituições públicas do Estado nessa área, agrupadas sob a égide da Poiésis, e com um grande orçamento público anual, ficasse por quase uma década entregue ao que não pode ser descrito senão pela palavra “aparelhamento”. Mas não se trata sequer de um “aparelhamento” pelo partido, e sim por um pequeno grupo liderado pelo atual diretor da Casa das Rosas, como demonstra sobejamente a análise crítica e criteriosa de sua programação. Eis que, agora, há afinal uma novidade. A aparição do nome de Edson Cruz, oficialmente não integrante da Casa das Rosas, para assumir e assinar como “curador” o centro de sua “nova” programação.

Como o centro da “nova” programação é, no entanto, fundamentalmente o mesmo da programação anterior, mantendo a instituição a serviço do mesmo grupo, Edson Cruz torna-se, na prática, algo como um “testa de ferro” dessa programação, pois apesar de ela continuar a mesma, não é mais em parte assumida oficialmente pelo diretor Frederico Barbosa. Em termos factuais: se antes o nome que dominava a programação da Casa das Rosas, depois do próprio diretor e de sua obra, era o de Augusto de Campos, a série de “diálogos” organizada por Edson Cruz se inicia, bem, com Augusto de Campos.

Não posso, portanto, deixar de registrar, em função de se tratar, ao mesmo tempo, de coisa pública e da cultura paulistana, que há algo no mínimo surpreendente nessa entrada em cena de Edson Cruz como “curador” convidado da Casa das Rosas. Pois segundo palavras do próprio, ele foi, há pouco (mais exatamente, em agosto de 2009), alvo direto da truculência do diretor da Casa das Rosas, em um episódio que resultou em sua saída do site literário que então dirigia.

Edson Cruz afirma, a esse respeito, ter recebido um e-mail “troglodita” (sic) de Frederico Barbosa, que com seu “poder de militância” o ameaçava com uma campanha contra o site, em função de Cruz se recusar a “boicotar este ou outro escritor”. As palavras entre aspas são literais.[2]

Note-se que Frederico Barbosa não era parceiro de Edson Cruz no referido site. Frederico Barbosa era, à época, diretor da Casa das Rosas. Portanto, era o diretor da Casa das Rosas que enviava e-mails truculentos para o editor de um site literário, Edson Cruz, e o ameaçava com “seu poder de militância” de fazer campanha contra o site, porque o site se recusava a boicotar certos escritores (numa palavra, fazer censura). Nada do que eu possa afirmar, ou jamais afirmei, sobre a atuação de Frederico Barbosa, poderia ser mais cabal do que Edson Cruz explicita.

Resta a mim explicitar, com perplexidade, apenas isto: em nome do que e por quais motivos Edson Cruz se presta, agora, a servir de lugar-tenente do mesmo Frederico Barbosa, a fim de manter a mesma programação grupalista e “aparelhada” na Casa das Rosas? Se um é, nas próprias palavras do outro, dado a e-mails “trogloditas” e a campanhas de boicote a escritores, enquanto dirige uma importante instituição literária pública, o outro verga sob sua força de atração, depois e apesar de ter sido, segundo ele mesmo, há pouco, vítima direta de sua truculência. Edson Cruz não pode alegar desinformação sobre o modo de agir de Frederico Barbosa.

A gestão literária da cidade de maior importância cultural do país foi entregue pelo PSDB não apenas à truculência e ao boicote (ou seja, à censura), como à mesmice apequenada. Cabe então perguntar, não a Frederico Barbosa, cujas motivações e cujo modo de agir estão explicitados, ou seja, de certa forma respondidos à sua revelia (uma vez que ele mesmo se recusa a responder de maneira pública, clara, direta e desabrida às críticas à sua atuação à frente da Casa das Rosas). Cabe sim perguntar ao próprio PSDB, aparentemente indiferente a tudo, numa postura que seria olímpica se não fosse, na verdade, equivocada, antidemocrática e opaca: “Quosque tandem abutere patientia nostra?”. Em tradução livre: até quando abusarão da paciência do público? Nenhum argumento e nenhum fato importam? Sequer a grande quantidade de dinheiro público que, através da instituição-mãe, a Poiésis, é ano após ano entregue para custear esse pequeno e apequenador “reinado” lítero-institucional? Em tempo: qual é, afinal, o orçamento anual da Casa das Rosas e da Poiésis? (Maio de 2012)

 

 

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Notas
[1]

Sibila avalia a Casa das Rosas / Espaço Haroldo de Campos” (http://sibila.com.br/index.php/mix/1967-sibila-avalia-a-casa-das-rosasespaco-haroldo-de-campos-).

[2] Elas constam de um e-mail escrito e enviado por Edson Cruz para mim. Possuo, portanto, o original, incluindo todos os dados eletrônicos de seu caminho virtual.


 Sobre Luis Dolhnikoff

Luis Dolhnikoff estudou Medicina (1980-1985, FMUSP) e Letras Clássicas (1983-1985, FFLCH-USP). Entre 1990 e 1994, co-organizou em São Paulo, ao lado de Haroldo de Campos, o Bloomsday SP, homenagem anual a James Joyce. Em 2005, recebeu uma Bolsa Vitae de Artes para estudar a vida e a obra do poeta Pedro Xisto. Entre 2006 e 20014, foi articulista de política internacional na Revista 18, do Centro de Cultura Judaica de São Paulo. Como crítico literário e articulista, colaborou, a partir de 1997, com os jornais O Estado de S. Paulo, A Notícia, Diário Catarinense, Gazeta do Povo, Clarín e, recentemente, Folha de S. Paulo, bem como em várias revistas. É autor do livro de contos Os homens de ferro (São Paulo, Olavobrás, 1992), além dos livros de poemas Pânico (São Paulo, Expressão, 1986, apresentação Paulo Leminski), Impressões digitais (São Paulo, Olavobrás, 1990), Lodo (São Paulo, Ateliê, 2009), As rugosidades do caos (São Paulo, Quatro Cantos, 2015, apresentação Aurora Bernardini, finalista do Prêmio Jabuti 2016) e Impressões do pântano (São Paulo, Quatro Cantos, 2020).