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Música popular na Bahia

A história musical baiana começa com a vinda do primeiro bispo nomeado para a Bahia pela Coroa Portuguesa, D. Pero Fernandes Sardinha, que aqui chegou em 1º de janeiro de 1552 trazendo consigo um musico, Mestre de Capela, para ensinar aos alunos do Colégio dos Jesuítas. Mais adiante o irmão do poeta Gregório de Matos, Eusébio de Matos, também conhecido como Frei Eusébio da Soledade, (nascido na Bahia em 1629, um exímio tocador de harpa e viola, compondo hinos religiosos e cantos profanos), tornou-se o responsável pela formulação das primeiras regras de ensino de música. O tempo passa e no início do século 19, através de uma carta régia expedida por D. João VI, é criada na “cidade da Bahia”, em 30 de março de 1818, uma cadeira de música, nomeando-se José Joaquim de Souza Negrão como seu primeiro instrutor e diretor.

Terra inspiradora de grandes artistas do século 19 produz e consagra nomes como José Joaquim de Souza Negrão também conhecido pela alcunha de Cazuzinha, Tito Lívio, ambos nascidos na cidade de Cachoeira, e, por fim, o notável artista Xixto Bahia, nascido em Salvador em 5 de dezembro de 1841, que conquistou o Brasil com seu insuperável talento, morrendo em Caxambu, estado de Minas Gerais em 30 de outubro de 1894. Dentre suas obras de maior relevo destacam-se a modinha “Quis Debalde Varrer-te da Memória” com versos de Plínio de Lima e o lundu “Isto é Bom”, que veio a ser a primeira música gravada no Brasil em 1902 pela Casa Édison do Rio de Janeiro, selo Zon-O-Phone, interpretada por Manuel Pedro dos Santos, conhecido pelo apelido de Baiano, nascido na cidade de Santo Amaro da Purificação em 1870, tornando-se o cantor de maior prestígio no Brasil nas duas primeiras décadas do século 20. Portanto conclui-se que a indústria fonográfica brasileira desde o seu nascedouro recebeu influxos da Bahia.

Mas a Bahia era incansável na produção de talentos e temos, nessa primeira fase, o dançarino e compositor Antonio Lopes do Amorim Dinis, mais conhecido por Duque, popularizador da dança do Maxixe na Europa, principalmente em Paris, o cantor Arthur Budd Castro, popular em todo o país, e o violonista e compositor Josué de Barros, que junto com Arthur Budd gravou em Berlim, na gravadora Bekka, cerca de 140 discos de música brasileira, tornando-se ambos provavelmente os primeiros artistas brasileiros fazerem sucesso além de nossas fronteiras.

Corre o tempo e chegamos nos anos 1930 quando surge Assis Valente, baiano da melhor qualidade, dando a todos ‘Boas Festas”, vestindo uma “Camisa Listrada”, para logo em seguida um conterrâneo seu, Humberto Porto fazer todos dançarem ao som da “Jardineira” em 1939, quando então outro talento, o jovem Dorival Caymmi a mostrar ao Brasil inteiro “O que é que a baiana tem”.

Mas se, no Rio de Janeiro nossos artistas ganham fama nacional, a cidade do Salvador, na década de 1940, assiste ao surgimento da primeira geração de sambistas baianos como Batatinha, Panela e Riachão; é o tempo dos programas de auditório da Rádio Sociedade, a Bahia está em festa. Senhores ouvintes, sintonizem seus receptores, pois está no ar o programa Parada de Calouros Eucalol.

Os talentos se sucedem numa quantidade e qualidade de causar inveja. No início dos anos 1950 um pau elétrico, uma fobica e uma dupla do barulho muda a história do carnaval. O Trio Elétrico de Dodô e Osmar está nas ruas da cidade. Da pequena Cairu, no recôncavo baiano, o Brasil vê surgir o violão de Clodoaldo Brito, o Codó, e sua “Yayá da Bahia”, Aristeu Queiroz sai de “Jacobina” e vai cantar no sudeste do país o seu “Jangadeiro de Itapoã”; Aldemar Brandão encanta a todos com suas canções que falam de nossas festas e tradições e todos cantam “A lavagem do Bonfim”, Anísio Silva, com seu romantismo enamorado, conquista corações, ‘Alguém me Disse”. Já Waldeck Arthur de Macedo, nosso Gordurinha, diz a todo mundo que “Baiano Burro Nasce Morto” e Armando Sá e Miguel Brito fazem furor nos bailes de carnaval com uma “Colombina”, que vem a ser a nossa eterna musa nas festas de Momo.

Enquanto isso de Juazeiro um rapaz chamado João Gilberto, muda a história da música popular brasileira, com sua batida no violão, dando boas-vindas à Bossa Nova e a moderna mpb. Se tudo isso não bastasse chegamos ao ano de 1960 e a Bahia resolve registrar a música produzida em seu solo: surge a gravadora JS, iniciais de seu idealizador, Jorge Santos, que registra em seu primeiro disco um grupo de jovens cantoras da cidade de Ibirataia, batizadas de As Três Baianas, que formariam no futuro o Quarteto em Cy.

Assis Valente

O Brasil ouve e vive a Bossa Nova com o timbre de João Gilberto e a Bahia ainda faz surgir para o resto do país o Governador do Teclado, Carlos Lacerda, e o público aplaude as composições e os dedos mágicos de nosso herói. Ah! linda “Giboeirinha”.  É o tempo também de Alcyvando Luz, Carlos Coqueijo, Roberto Santos, Walter Levita, Jairo Simões e de Oswaldo Fahel, com sua “Morena do Rio Vermelho”, e ainda da nossa musa da Bossa Nova, que a Bahia deu ao Brasil e ao mundo, Astrud  Gilberto.  Os festivais de música carnavalesca tomam impulso e abraçam a chegada de “Um Rio de Lágrimas” do jovem Ederaldo Gentil e sua intérprete Raquel Mendes, que, juntamente com outros talentos locais, fazem a história da música da baiana não parar de crescer. Que saudade do Trio Xangô, Trio Piatã, Os Imperiais, Inema Trio e do Quarteto Sanauá! Quer mais, pois, “Quem Samba Fica” na lembrança do querido Tião Motorista.

O ano de 1967 é tempo de confronto e de “Alegria Alegria” e “Domingo no Parque”, Tropicália, de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa. Sejam bem-vindos também Piti e João Augusto, que já fazem desde logo, sua “Despedida”, Fernando Lona com sua “Porta Estandarte”, o jovem Tom Zé indo para “São São Paulo” e a voz forte feito um “Carcará” de Maria Bethânia. O Brasil mudou, a música popular brasileira também e essa geração contribuiu decisivamente para essa mudança naquele momento.

Chegamos nos anos 1970, Maria Creuza, “Se Todos Fossem Iguais a você”, a preferida do Vinícius de Moraes. O Brasil canta “Você Abusou” com Antônio Carlos e Jocafi e saúda nossos inventivos Novos Baianos, que juntos cantam e encantam “É ferro na boneca!” Depois Moraes Moreira faz balançar o “Chão da Praça’, Pepeu Gomes embarca para o “Planeta Vênus” e Paulinho Boca de Cantor diz a todos que “Valeu”. Advinda desse núcleo ainda aparece no cenário o grupo A Cor do Som pedindo “Mudança de Estação”. Do recôncavo ecoam as vozes afinadíssimas dos Tincoãs, Heraldo, Mateus e Dadinho, “Ô Deixa a Gira Girá”.

Vamos todos juntos “ao jardim zoológico dar pipocas aos macacos” e buscar o “Ouro de Tolo” com o jovem roqueiro Raul Seixas, que pede passagem ao “Filho da Bahia” Walter Queiroz, que se junta a Walmir Lima e Lupa na “Ilha de Maré”, usando um “Tamanco Malandrinho” de Tom e Dito, afirmando, com Nelson Rufino, que “Todo Menino é um Rei”, pedindo a Edson Conceição e Aloísio Silva que “Não Deixe o samba Morrer” e seguimos a dançar ao som de um “Ijexá” com Edil Pacheco. É tempo ainda de Mercado Modelo, “A Cobra Mordeu Caetano” já dizia Chocolate da Bahia, sucesso de partido alto é Roque Fumaça e seus Partideiros do Plá que dão “Nó na Cana” e Cyro Aguiar que chega com tudo e faz sua “Crítica”, samba, amor e paixão. E ainda tem Zé Pretinho da Bahia na parada com seu “Pagode na Ribeira” e Firmino de Itapoã com seu “Samba de malandro”. A noite da Bahia revela Miriam Tereza e a “Flor da Laranjeira” e Claudete Macedo. Das fileiras universitárias surge o canto forte da grande Diana Pequeno.

E dos sertões abrimos alas para Elomar e seu “Campo Branco lá das Quadradas das Águas  Perdidas” vindas das Barrancas do Rio Gavião, Xangai com as “Estampas Eucalol” do jovem poeta Helio Contreiras e o balanço da rede do “ABC do Preguiçoso”, que o povo fez e o violeiro e cantador popularizou, e ainda surge O Bedengó tendo Gereba à frente mirando onde o “Olhar não não Mira”, convidando Jorge Aragão a plantar um “Capim Guiné” e  com Sá e Guarabira tomando um banho no lago de “Sobradinho” e aplaudindo Fabio Paes numa justa homenagem, “Salve Canudos” e a voz sertaneja de Roze,  embalada pelas carrancas de João Bá.  Viva os cantadores, heróis e sobreviventes.

E agora como eu acabo? Anos 1980 e 1990: Saul Barbosa, Roberto Mendes, Jorge Portugal, Raimundo Sodré. Carlinhos Brown e seu gueto, Daniela Mercury é o “Canto da Cidade”, Luiz Caldas faz um “Fricote”, e Vevé Calazans com Gerônimo homenageiam a terra dos orixás, “É D’Oxum”.

Depois… como escreve Gregório de Matos, “Triste Bahia, ó quão dessemelhante estás”. A música baiana se torna apenas um oba-oba, com seus gritos histéricos – ganha mais destaque quem mostra as amídalas de cima de um trio elétrico, sexo vulgar, mediocridade, baixa literatura musical, o que envergonha o real significado da palavra axé.  Mas a Bahia não morreu, pois ainda há música de qualidade: é preciso então seguir o caminho certo e ficar atento aos bares, aos restaurantes e aos bons teatros de Salvador e, depois, percorrer os caminhos do sertão, do litoral, da chapada e do recôncavo baianos.

Luiz Américo Lisboa Junior, pedagogo, historiador e escritor, autor de A Presença da Bahia na MPB; 81 Temas da MPB; Compositores e intérpretes baianos-de Xisto Bahia a Dorival Caymmi; MPB em textos-história e crítica e Marchas brasileiras-1927/1940 em 2 volumes.