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Casa Pound coopera com Frente Nacionalista brasileira

A organização Frente Nacionalista, de extrema-direita, inspirada em Mussolini e no integralismo, está em busca de um espaço oficial dentro do campo político brasileiro.

O historiador e autor do livro Sob o Signo do Sigma: Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo, Odilon Caldeira Neto, que há anos estuda a direita radical do Brasil, dá a letra. “Não sei se é certo dizer que há uma concentração de fascistas em Curitiba, mas, sim, nos estados do sul e sudeste do Brasil. Talvez auxilie por serem áreas que têm uma percepção de mais desenvolvidos e também [porque] sua constituição seja mais elitista.” Segundo Odilon, a visão de “pureza” centralizada nos estados sulistas do país advém de uma percepção dos grupos de extrema-direita de que a região é um dos poucos redutos onde há a valorização da cultura europeia. “Quando falo isso, não me centralizo apenas na Frente Nacionalista mas também nos grupos WP, skinheads neonazistas. Eles têm essa percepção [de] que os estados do sul são criados por uma série de pessoas vindas da Itália e Alemanha.”

Nota-se que a criação da Frente Nacionalista e sua tentativa de agrupamento com partidos legítimos, oficiais, demonstra que a organização merece ser olhada de perto. Assim como qualquer grupo que pregue o ódio. Em primeiro lugar, há uma preocupação muito grande da FN – desde sua origem, aliás –de se atrelar a partidos políticos de direita para garantir algum tipo de validação e não ficar na marginalidade. O PRTB é presidido por Levy Fidelix, conhecido pelo Aerotrem e também por seus comentários considerados homofóbicos. Com a retomada da direita nas ruas graças à apropriação das Jornadas de Junho de 2013, Levy defende plataformas conservadoras e “anticomunistas” no Partido Renovador.

O encontro da Frente Nacionalista em Curitiba acabou fazendo barulho na imprensa e em diversos órgãos públicos. Muitos relatos nas redes sociais também passavam uma mensagem de pânico por conta dos estranhos acontecimentos na véspera da “Dezembrada”: o espancamento dum morador de rua, por exemplo.

O PRTB foi procurado para esclarecimentos. O presidente do diretório do Paraná, Geonísio Marinho, declarou ao Jornal de Londrina que a Frente Nacionalista não conta com o apoio formal do partido, apesar de que, “assim como eles, defendemos a família e uma frente nacional”. Entretanto, não houve nenhuma movimentação nas redes sociais do PRTB para desmentir o suposto apoio do partido às atividades da FN.

O presidente da Frente, Cristiano Machado, gerencia também a Rádio Combate, dedicada a tocar uma seleção de bandas como  “Oi” e “Hatecore” do Brasil e de outros países. Antes, vale mencionar, a Rádio Combate era conhecida como Rádio Careca (ABC paulista). O nome da rádio foi modificado para atingir mais simpatizantes.

O Partido Militar Brasileiro (PMB) é outra agremiação política mencionada pela Frente Nacionalista. Julgando pela própria descrição da Frente e os comentários dos afiliados e simpatizantes, parece que o grupo saiu de um racha criando dentro do próprio PMB. Inclusive, em uma das fotos do líder Cristiano Machado, há a presença do presidente do diretório paranaense do partido, Ciro Novais Fernandes. Nas fotos disponibilizadas no site oficial da FN, há também imagens de alguns membros do PMB reunidos.

Quando um partido legítimo – e que supostamente aceita as regras do jogo democrático – dá indícios de apoiar grupos que acreditam em regimes totalitários e é confrontado –  a primeira reação é negar qualquer envolvimento. Exemplos que podemos observar com os casos do PRTB e do PMB.

Para Odilon, ao se analisar esses grupos de extrema-direita com relação muito forte com o fascismo (e que, por isso mesmo, podem ser chamados de neofascistas), observa-se que eles mesmos se colocam na marginalidade. “Não que eles queiram assumir esse ostracismo político, mas sim porque, na condição da democracia liberal, das instituições políticas no Brasil e no mundo ocidental, essas perspectivas conservadoras, por razões muito óbvias, são postas de lado.”

Junto com a tentativa de se relacionar com agremiações políticas, há também uma renovação no discurso estampado nos planos de governo e no estatuto da Frente (escrito em Comic Sans), com conceitos que não são necessariamente retirados do fascismo, como o marxismo cultural (um conceito levantado por Olavo de Carvalho e pelo próprio PRTB) e a ideologia de gênero, outro conceito recente levantado pelas alas direitistas do país. Não é possível se enganar com a aparente “atualização” de propostas da organização. O ódio à comunidade LGBTT, a rejeição a qualquer coisa que se encaixe no conceito deles de “comunismo”, a apropriação de elementos da igreja católica, o antissemitismo velado (os judeus dominam a economia mundial) e a xenofobia estão presentes. Além disso, apesar de o grupo veementemente negar sua relação com o nazismo, há comentários mencionando a SS e símbolos reconhecidamente nazistas que ilustram algumas imagens. Uma prática comum da FN é relacionar o comunismo ao nazismo para se liberar das acusações de simpatizantes. “Quando você vê algumas organizações mais próximas do neonazismo com esse tipo de discurso, é uma tentativa de reabilitação do nazismo, mas tenho a impressão que, no caso da FN, não seja necessariamente uma tentativa de reabilitação, tanto é que eles tentam se afastar por conta da possibilidade de sanções legais. Eles tentam dimensionar e potencializar essa dimensão anticomunista que eles têm”, especula o historiador.

No site oficial, há também logotipos de organizações de outros países apoiadas pela FN: a italiana Casa Pound, o grupo Acción Legionária, do Peru, e a National Front britânica. No Brasil, a aliança mais certeira foi com o gigante Carecas do ABC.

“Isso não quer dizer que todos os Carecas (do ABC) sejam neofascistas ou integralistas”, destaca Odilon. “Desde mais ou menos o fim da década de 1980 e começo da década de 1990, alguns movimentos integralistas tentaram cooptar alguns grupos como o Carecas do ABC, Carecas do Subúrbio, Carecas do Brasil e afins, mas não obtiveram êxito. Não sei se foi um problema geracional, uma falta de politização e de ativismo político, ou também se é uma questão do resquício da fase punk que antecede os carecas. Talvez sejam os três elementos, mas, de qualquer maneira, eles nunca foram efetivamente politizados.”

A aproximação de tradições juvenis e urbanas que flertam com o nacionalismo autoritário brasileiro e dos skinheads de extrema-direita talvez tenha sido a melhor forma de atualizar o ainda engessado discurso conservador que traz a Frente Nacionalista. O Carecas do ABC pareceu um aliado conveniente para aumentar o número de adeptos da FN.

A busca de legalidade e legitimidade dentro de partidos políticos já existentes é uma das prioridades da FN. Por isso, a Frente Nacionalista se destaca das várias micro-organizações fascistas que existem, provavelmente, apenas no campo virtual. “É uma vaga aberta, não somente aberta como uma vaga crescente na direita como um todo, e isso também deve ser visto como uma questão a esse apelo mais conservador que está acontecendo na sociedade brasileira”, finaliza Odilon.

O sol negro nazista

 

Fonte do texto: https://www.vice.com/pt_br