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OBAMA, UM HOMEM SINCERO?

Os EUA obtiveram a concessão de uso da Baía de Guantánamo em 1903, sob a forma de contrato de leasing, pagando U$ 4, 085 por ano – recusados pelo governo ilhéu desde 1960. Os capturados das guerras do Afganistão e do Iraque estão na Isla de Navasa, de apenas cinco km2, que se situa entre a Jamaica e o Haiti – em pleno Mar do Caribe, nesta Baía.  Em inglês, escreve-se Navassa. O território é cubano, porque esse “contrato” sui generis não encontra amparo em nenhuma legislação internacional. Em primeiro lugar, cabe a Barack Obama restituí-lo à Cuba.

O artigo 3º da Convenção de Genebra, que regula a situação jurídica do prisioneiro de guerra, veda violência, indignidades ou experiências biológicas com ele. Não pode ser torturado, física ou mentalmente, para obtenção de informações. Tem direito a tratamento médico. George Walker Bush infringiu a lei. Torturou, segundo a imprensa mundial, os detidos (não se sabe se são prisioneiros de guerra), valendo-se das formas mais torpes. Houve divulgação de vídeos, à revelia de seu governo, horripilantes – como o de Abu Ghraib, no qual uma soldada “passeava” com um civil iraquiano preso numa coleira, como se fosse um cachorro rastejando. Outros soldados riam!

 

Detidos em Guantánamo

 

O que Obama vai fazer?

Os EUA assinaram a Convenção de Genebra, que é de 1949. O prisioneiro tem direito a um julgamento que respeite o devido processo legal, permitindo-se sua ampla defesa, pelas cortes do país que o acusa ou por uma transnacional. O governo Bush, para não dar satisfações ao mundo, nunca declarou os detidos da Base como “prisioneiros de guerra”. Prisioneiros de guerra são aqueles que integram não só o Exército, mas, também os que pertencem às milícias, como as talebãs. Sem insígnia militar, os membros do Al-Qaeda praticaram crimes, embora medonhos, comuns (no sentido jurídico da palavra) e deveriam ser tratados como caso de polícia, ou seja, julgados por tribunais comuns dos EUA. Somente o miliciano talebã pode ser considerado prisioneiro de guerra.

O que Obama vai fazer? Poderia ouvir, em primeiro lugar, o espanhol José Luis Zapatero, que combate a ETA guerrilheira há cinco anos – exatamente como caso de polícia, uma tradição de décadas na Espanha, sem tribunais de segurança nacional (algo impossível numa cultura popular ignara e de direita-centro como a estadunidense). Sua equipe, em Chicago, prepara, proposta de julgamento em tribunais civis já constituídos para esses prisioneiros acusados de serem “terroristas” (sic), ao que parece, de acordo com o modelo de Madri. Segundo seus assessores, alguns seriam apenas libertados, por não terem cometido crime algum, e outros – os prisioneiros ligados à Al-Qaeda, com informações sobre Bin Laden – seriam julgados por uma nova Corte de Segurança Nacional – a ser criada pelo Congresso, imagino, e nos limites da Convenção de Genebra. Por que uma Corte de Segurança Nacional? Porque os seguidores de Bin Laden não podem ser considerados prisioneiros de guerra. Obama vai – seguramente – fechar a Base de Guantánamo em um seis meses, em virtude do projeto de lei que terá de enviar ao Congresso para criar essa nova Justiça, se a quiser legítima. Mas, por isso mesmo, ele não pode fechar, pura e simplesmente, a Base, sem antes investigar os graves delitos praticados pelos prepostos de George Walker Bush nela.

 

Guarita de vigilância na Base

 

Investigação

Há que se instituir uma comissão internacional independente – advogados, juízes (Baltazar Garzón), psicólogos, promotores de justiça, ativistas de direitos humanos (Noam Chomsky), policiais – para apurar crimes e seus autores e encaminhá-los à Justiça, para que não saiam, texanamente, impunes. Tortura é crime imprescritível. Caso necessário, George Walker Bush, que à evidência abusou de seu poder, conforme a mídia mundial, pode ser submetido a julgamento. Obama, para fechar Guantánamo, terá que enfrentar alguns de seus financiadores de campanha, que também apoiaram Bush em 2000 e 2004: os bancos JP Morgan, Goldman Sachs, entre outros. Ressalve-se que não foram os maiores doadores. As universidades e pessoas físicas os superaram de longe. Mas, há tensões aí. Obama terá que mostrar que não é o “outro” (o Hussein negro) incorporado pelo capital. Obama obteve um mandato progressista, como alerta Paul Krugman, e espera-se que o cumpra, mudando o paradigma atual, embora não haja um sindicalista sequer em sua equipe de transição.

Há ainda a tópica das prisões secretas, prisões-fantasmas, espalhadas pelos EUA e pelo mundo, sob o patrocínio do governo republicano, que, por meio de sua porta-voz Dana Perino, já faz lobby pela manutenção do Camp Delta na Baía. Perino afirma: “são terroristas e não podem ser libertados de uma hora para outra”.  Guantánamo teve um lado positivo: fez com que a tortura fosse execrada em nível global – ao contrário do que ocorria quando era praticada pelas ditaduras latino-americanas ou pelo castrismo. As condenações eram “protocolares”. Resta saber, agora, se Obama será o “homem sincero”, da genial canção “Guantanamera” (leia a letra abaixo), que, durante a campanha, definiu Guantánamo como “um triste capítulo da história americana” ou mais uma fabulosa estratégia midiática do capitalismo amoral, ianque ou brasileiro.

 

Camp Delta

 

“Guantanamera”
Letra e música de José Fernández Diaz (1963)

Guantanamera, guajira guantanamera
Yo soy un hombre sincero, de donde crece la palma
Yo soy un hombre sincero, de donde crece la palma
Y antes de morir yo quiero, cantar mis versos del alma
Guantanamera, guajira guantanamera
Guantanamera, guajira guantanamera
Cultivo una rosa blanca, en julio como en enero
Cultivo una rosa blanca, en julio como en enero
Para el amigo sincero, que me da su mano franca
Guantanamera, guajira guantanamera
Guantanamera, guajira guantanamera
Mi verso es un verde claro, y de un carmin encendido
Mi verso es un verde claro, y de un carmin encendido
Mi verso es un ciervo herido, que busca en el monte amparo
(Guantanamera significa garota de Guantánamo, cidade ao sudoeste de Cuba, próxima da Base)

 

Lauryn Hill

 

 

Benny Moré y Joseito Fernández


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.