Under their thumb: Como um bom garoto se misturou com os Rolling Stones e sobreviveu para contar (Nova Fronteira, 2011), escrito por Bill German, possui uma diferença em relação a muitos dos infinitos livros e biografias sobre os Stones. Ele não conta a história da banda ou de seus integrantes, conta a história de um fã, que por sinal é o próprio autor.
Tudo começa com um fanzine chamado Beggars Banquet, que nos anos 1970 foi o responsável por aproximar Bill German de Keith Richards, Ron Wood e companhia. Cameron Crowe, que foi assinante do Beggars Banquet, escreveu e dirigiu Almost Famous. Under their thumb é quase uma versão literária desse filme, mas no livro de Bill o jovem protagonista não se apaixona por uma groupie. O foco está na atuação do fã enquanto jornalista, no relacionamento com os integrantes e o staff da banda e com os leitores.
Embora não conte com a presença de Kate Hudson, Under their thumb também traz uma perspectiva interessante, pois conduz a uma reflexão sobre a busca por uma identidade construída em torno do sujeito, e não a partir de uma admiração, ou uma idolatria, por determinada fonte cultural. Mais que isso, o livro é um relato sobre um momento de transição na história do rock, a nova engrenagem de controle cultural, acionada nas últimas décadas do século passado.
Há uma foto publicada nesse livro que sintetiza muito bem a questão. Trata-se de uma imagem em que Keith Richards posa entre dois policiais, que deixaram suas obrigações de lado para se tornarem tietes no mesmo momento em que abordaram, e reconheceram, o guitarrista dos Rolling Stones. German narra esse momento inusitado sob a perspectiva de Richards: “no passado aqueles caras estariam procurando me prender por porte de drogas. Mas agora querem apertar minha mão e pegar meu autógrafo”.
Ainda nas palavras de Bill: “na era Regan, os tempos estavam mudando. O rock’n’roll, que fazia parte da contracultura, estava lentamente se tornando a cultura”. E o mais intrigante no livro é que ele mostra como “em 1986, as coisas não estavam sofrendo mudança apenas em torno dos Stones, mas com eles”. Mostra isso no aparato físico e logístico das turnês da banda e até no comportamento dos integrantes: por exemplo, como os preços dos ingressos dispararam ou como Mick Jagger foi para a turma dos Barrados no baile enquanto Keith se coçava para a tal Geração X.
Em meio a inúmeras histórias curiosas, aparentemente despretensiosas, Bill German vai construindo um cenário no qual somos levados a ver que há muito mais em jogo que credenciais, passes VIP, furos jornalísticos e belas canções. E isso é o motor da crise de personalidade à qual o autor é conduzido. Mais difícil que sobreviver às noites em claro, às drogas, às perdas e à insanidade hedonista da banda de rock é atravessar o baque de alguém que, de repente, percebe ter construído sua vida e sua personalidade em função de algo que não tem mais sentido.
Cai a ficha quando aqueles que eram idolatrados por sua subversão se tornam celebridades e fãs viram públicos-alvo, não há mais autonomia, apenas controle, apenas circo. Esse ponto de mutação, que não tem a ver com combustíveis fósseis, teve muito a ver com alguns fósseis combustíveis. O rock, sua cultura, não morreu, pelo contrário, tornou-se mais forte e está mais vivo do que nunca, como uma supernova engolindo tudo. O que antes era a melhor forma de mandar um “foda-se!” para o “sistema” se transformou na maneira mais eficiente de marketing para as novas gerações.
Com seu temperamento adolescente, virou não apenas um produto e uma fonte inabalável de merchandising, mas a mais vibrante voz e o mais potente modelador cultural, atingindo a fase em que a personalidade de cada um se cristaliza. O rock, que o maestro Júlio Medaglia considera devastador e cujo ritmo Milan Kundera associa às apressadas batidas de nosso coração rumo à morte, parece-se com Alex, personagem interpretado por Malcolm McDowell em Laranja mecânica, de Stanley Kubrick.
Espera-se que todo amante do rock com mais de trinta anos tenha uma história semelhante para contar sobre aquele momento em que descobrimos que o rock não é mais aquele rock de antes. Na de Bill German, a moral é: conviva com seus ídolos e deixe de idolatrá-los. Não é preciso deixar de amar o rock para aceitar que ele também deu seu preço e tem sido muito bem remunerado por isso.
O rock hoje lambe os sapatos do Sr. Status Quo – e conclama o mundo a fazer o mesmo –, mas, diferentemente de Alex (o protagonista de Laranja Mecânica), o rock são bilhões.