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Impressões de um brasileiro em Nova Délhi

De 17 de fevereiro a 9 de março estive como visiting fellow na University of Delhi, Índia, convidado pelo Departamento de Inglês. Dei três palestras e participei de um congresso, The Futures of American Studies. A intensidade da viagem, em grande medida facilitada pela extrema hospitalidade de professores e alunos, levou-me a escrever estas notas, uma tentativa de dar inteligibilidade para uma experiência que, não refletida, poderia incomodar bastante.

1.

A Índia é refratária ao turismo. A palavra surgiu entre os românticos, no começo do século XIX, e, como é óbvio, vem de tour, movimentar-se para ver o diferente. Turismo necessariamente envolve uma estrutura de alteridade, distante no espaço, que inevitavelmente separa sujeito de objeto. A prática turística por excelência é o sight-seeing. A pobreza indiana não se deixa contemplar, não permite que seja tornada objeto – não apenas por causa da comunicação da dor de tantos miseráveis, aquilo que nos faz sofrer vicariamente, mas também pelas insistentes, perseverantes, infindáveis interpelações por dinheiro. Na Índia, você não consegue ter a ilusão de que é uma boa pessoa. Aqui você se vê implicado em uma estrutura de culpabilidade da qual não há saída. A Índia é uma escola para o Brasil.

2.

Metodologia turística. A história indiana é riquíssima. São camadas e mais camadas de rastros de diferentes civilizações, uma superposição de culturas e religiões diversas. As marcas em Nova Délhi são visíveis e a cidade está repleta das mais variadas construções, desde sítios arqueológicos milenares, passando por templos de muitos séculos atrás, chegando aos monumentos do domínio inglês do começo do século XX, e aos shoppings do XXI – estes, se por um lado não diferem em nada daqueles do Brasil, por outro, são mais obscenos do que eles, uma vez que na Índia é mais flagrante a miséria que os cerca. O dilema habitual do turista aqui é exacerbado: Como lidar com essa cristalização de tantos diferentes tempos? O caminho do meio, o de alguma informação, o dos guias, é fatal. Ele é um gerador de lugares comuns que são simulacros, semidistâncias que no final apagam o contato com a alteridade das coisas. E, é claro, esses lugares comuns levam a generalizações sobre a Índia, ou os indianos. Como já dizia Alexander Pope, “a little learning is a dangerous thing”. Só vejo uma saída, pelos extremos: seja o estudo profundo daquilo que se verá, seja a total falta de conhecimento, uma posição de ingenuidade que normalmente é difícil de obter. É por isso que para esta viagem tentei preservar minha ingenuidade e cultivei assiduamente minha ignorância.

3.

Deixar de conhecer, porém, de um jeito ou de outro acaba sendo impossível. Tive a sorte de encontrar o Nigel Leask, uma pessoa adorável, que gostava de conversar, e que também havia vindo para dar palestras. Certa vez fizemos um passeio matinal no bosque em frente à universidade, a alguns poucos metros do alojamento dos professores visitantes. Passamos pelos inúmeros macacos e, depois, nas trilhas, por vários casais de jovens namorando. Já voltando, demos uma volta na torre que ficava numa elevação: era Flagstaff Tower, que, como me contou Nigel, havia sido concebida como um lugar de sinalização, mas que foi palco de acontecimentos terríveis. – No dia 11 de maio de 1857, durante a rebelião indiana contra o domínio inglês, muitos europeus – a maioria, mulheres e crianças – abrigaram-se na torre, fugindo da carnificina que ocorria na cidade, pondo-se à espera de socorro vindo de Meerut, que não ocorreu. Os sipais revoltosos estavam matando todos os europeus não assimilados e cristãos, incluindo os convertidos. Naquele espaço de aproximadamente setenta metros de diâmetro concentravam-se mais de uma centena de mulheres, tomadas pelo desespero, sob um calor de quarenta graus. Muitas desmaiavam, sufocadas naquele forno, desorientadas, à medida que recebiam notícias das mortes de maridos e parentes. Em certo momento, chega uma carroça com os corpos mutilados de diversos oficiais, muitos deles parentes das mulheres. Imagino o choque sofrido por elas e pelas crianças, acostumadas com o luxo e totalmente despreparadas para lidar com uma situação dramática como essa: um puro terror branco. Houve apenas 6 sobreviventes. Em junho, os ingleses conseguiram debelar a insurreição, após enfrentamentos sangrentos; quando retomaram a torre, no dia 7, a carroça com os corpos putrefatos dos ex-esposos, quase que reduzidos a ossos, ainda estava lá. – Tudo isso, agora podia sentir, estava impregnado naquela edificação, no meio do bosque, sem placa ou aviso, cercada por macacos fazendo suas macaquices e por enamorados, que, provavelmente ignorantes do que ali se passara, tinham outras coisas na cabeça.

4.

Estou indo para o Chandni Chowk com dois doutorandos muito simpáticos, o Aruni Mahapatra e o Lalit Kumar. Vamos pegar um daqueles táxis-moto, com uma cúpula no fundo, que eles chamam de auto. O Lalit vai negociar a corrida com o motorista e o Aruni me mantém à distância e meio que me esconde. “Se o condutor o vir, a viagem vai ficar mais cara.”

5.

Vou com um grupo de professores estrangeiros e uma doutoranda de Délhi fazer uma visita ao Taj Mahal. Na entrada, há várias pessoas se oferecendo como guias para mostrar o palácio-mausoléu. Nesses casos, o melhor é fingir surdez (o que não deixa de exigir um certo talento); para o constrangimento de minha anfitriã, pergunto o preço para alguém, que pede 2 mil rúpias. “Isso é um roubo”, diz a estudante, em inglês, “o valor estabelecido é de no máximo trezentas rúpias”. “Do lado de quem você está?” é a resposta em híndi.

6.

Resolvo fazer um passeio sozinho, flanar um pouco em torno das estações do metrô. Em Rajiv Chowk, alguém joga um punhado de cocô na parte de cima do meu sapato, sem que eu perceba. O serviço é bem feito, porque a merda não encosta na barra da calça. Quem me chama a atenção para o ocorrido é um engraxate que rapidamente limpa a bosta toda, dá um polimento caprichado e me cobra uma quantia exorbitante. Pego de surpresa, e intimidado pelos dois comparsas que assistem à cena, dou o dinheiro, sentindo-me um idiota. Depois de algo tão bárbaro, você passa algum tempo tentando racionalizar a coisa, para torná-la mais palatável para você mesmo. “Pelo menos foi uma experiência autêntica, algo que foge à indústria do turismo.” – Qual nada: essa armação, como me disse a Regenia Gagnier, já está em vários guias de turismo em inglês, como, por exemplo, no Lonely Planet.

7.

Imagino que muitos ocidentais devem vir para a Índia para gozar com a obsequiosidade extrema manifestada pelos nativos que os servem. A deferência profunda pode parecer uma homenagem, mas na verdade representa uma não relação. Além de ser uma estratégia de autointeresse, uma maneira de alguma forma conseguir ganhar dinheiro, ela funciona como um escudo que impede a manifestação da individualidade. Daí a frustração do carioca, que quer falar de igual para igual com todo mundo. A solicitude quase abjeta dos inferiores atua como uma proteção: “Aqui você não entra”. Ela pode ser vista como um corretivo comportamental para a falsa proximidade brasileira, que tenta fingir que as diferenças de classe não existem. A Índia é uma escola para o Brasil.

Expliquei essa ideia da relação entre dois tipos de não relação para o Suman Gupta. “Mas você só pensa em você, Fabio?”, disse com seu jeito típico de provocação bem humorada. “De que serve viajar, senão para pensar sobre si?”, me peguei respondendo.

8.

Na Índia há mais celulares que latrinas. Dados do censo de 2011 mostram que 59% das residências indianas possuem esse tipo de telefone e 47% estão dotadas de privadas – e isso inclui poços, que não têm água corrente.

9.

Na estação de metrô da Universidade, que leva o nome em híndi, Vishwavidyalaya, é impossível não levar um choque com o número imenso de riquixás à espera de passageiros. Não pude conter um espanto indignado, que logo tentei ocultar como uma simples surpresa pelo diferente. Mas depois de alguns minutos não me contive e disse para o Subarno Chattarji, que estava comigo: “Esses riquixás testemunham a falência da civilização. Usar a força humana para realizar um trabalho que poderia ser feito por máquinas, sem esforço ou dor, é transformar as pessoas em meros veículos de força, meros animais.” “Mas o que você queria?”, respondeu Subarno, “que esses indivíduos todos ficassem desempregados? Pelo menos estão trabalhando. Além do mais, eles não estão jogando carbono na atmosfera.” “Bom, isso é verdade, eu disse.” – Mas não consegui deixar de pensar “mesmo assim…”

10.

Nunca imaginei que o buzinar pudesse ser o veículo de tanta diferença cultural. Como um ato comunicativo, no Brasil, ele direciona-se ao receptor, significando: “CUIDADO!”, “O que é isso?” ou “Está maluco?!” Aqui, ele centra-se no emissor (daí o seu caráter quase lírico ou existencial) e quer dizer: “Dá licença”, “Olha eu aqui.” É comum ver nos para-choques dos carros e ônibus: “Please horn”.

Logo ao chegar a Nova Délhi o turista se vê confrontado com duas possibilidades, ou desesperar-se com as buzinadas constantes e querer abafá-las, ou mudar de postura e aceitá-las como uma espécie de música da cidade.

11.

Uma das coisas mais interessantes que acontecem quando se viaja para um lugar tão diferente do qual se está acostumado é testemunhar uma incapacidade peculiar de fazer sentido. Estava no Qutb Minar, um sítio arqueológico. Os turistas indianos brincavam nas ruínas, como se estivessem num parque, e subiam em um lugar não permitido. Um guarda mal-encarado dá uma apitada estridente e uns gritos bravos; todos descem. Alguns minutos depois ele chega até mim com um jeito amável e pergunta se eu não queria que tirasse umas fotos com o celular. Ele me instrui sobre os lugares e as poses, e as fotos de fato ficam ótimas. Juro que pensei que o guarda havia se oferecido por gentileza – mas as duzentas rúpias que acabei dando para ele pareceram-lhe insuficientes (daí voltar a ficar mal-encarado). Aconteceu que, um pouco depois, o vi andando de mãos dadas, dedos entrelaçados, com outro guarda, ambos agora quase simpáticos. Nos dias seguintes eu viria descobrir que demonstrações públicas de afeto entre pessoas do mesmo sexo são tidas como normais, em um país no qual a homossexualidade é crime. O problema é que não consegui decidir se aquele gesto estava sendo feito como algo simplesmente em si, ingênua e despretensiosamente, ou se ele visava os turistas. Neste último caso, os guardas estariam se exibindo, conscientes do estranhamento que geram nos estrangeiros; estariam assim reagindo ao olhar que nós, de fora, lançaríamos a eles. Exatamente esse tipo de indeterminação encontramos por vezes na interpretação da literatura.

12.

Os macacos finalmente apareceram na varanda do meu quarto no alojamento dos professores visitantes. Uma vizinha indiana já havia me alertado sobre eles, demonstrando seu medo (parece que eles respeitam menos as mulheres), e dizendo que eu deveria evitar sair para a sacada quando eles estivessem lá. Não resisti e abri a porta. Eram uns cinco. Houve uma verdadeira troca de olhares e o meu espanto me levou a mostrar os dentes, o que foi imediatamente percebido como sinal de desafio e reciprocado. Nessa encaração, quem perdeu fui eu, que logo fechei a porta e fiquei olhando pela fresta. Percebi que o que há de tão perturbador nos macacos é a dificuldade de colocá-los tranquilamente no mundo dos bichos. Suas expressões faciais, seus gestos, suas brigas os aproximam demais do reino dos homens, sem contudo por um instante se confundirem com eles. Essa desconcertante proximidade distante (ou distância próxima) possui um equivalente na sociedade vista como natureza: Hanuman, o deus-macaco do hinduísmo, é um servo dedicado de Rama.

13.

Todas as notas de rúpias, independente do valor, trazem a cara de Gandhi; em todos os órgãos governamentais e em inúmeros locais públicos sua foto pode ser encontrada. Gandhi é mais do que uma figura política determinante (cujos descendentes há décadas governam a Índia), mais do que um líder nacional inconteste: sua ubiquidade e inviolabilidade aproximam-no do divino – principalmente, imagino, para aqueles que não frequentaram a escola e pouco sabem da história que o formou e que ajudou a formar; para eles, Gandhi deve ser acima de tudo uma presença. Que força política consegue voltar-se contra um deus? O contraste com o Brasil não poderia ser maior, pois, a despeito de todas as tentativas do passado, nunca se conseguiu construir um herói nacional que perdurasse, nem Tiradentes, nem Getúlio, nem Tancredo, nem Lula. As cédulas brasileiras não comportam caras de pessoas, mas bichos. Ainda bem!

14.

Submergir na comida indiana é algo que por si só já faz valer as trinta e tantas horas de viagem para chegar aqui. A Índia é um dos poucos lugares do mundo dotado de uma culinária própria, variando conforme a região mas homogeneamente harmônica. O espírito da comida é comum e perpassa todas as esferas sociais: ele é o contrário dos Estados Unidos, cujas distinções de classe se expressam tão claramente nos conceitos que deram ao mundo: junk food e organic food. Como um elemento realmente democrático que não estabelece diferenciações de classe, a comida parece conter um teor utópico. Isso seria mais verdadeiro, é claro, se todos comessem. Seja como for, depois de dez dias percebi que de alguma maneira me tornava indiano: o meu suor estava diferente, o cheiro do meu corpo havia mudado.

15.

A Índia é um caldeirão linguístico. É difícil determinar para além de qualquer dúvida o que é uma língua e o que é um dialeto, pois a gama de diferenças entre as variantes é extensa e contínua, e muito depende da postura do falante e da disposição do ouvinte, que podem pensar estar comunicando-se em um idioma diferente ou não. De qualquer modo, o censo de 1961 reconheceu 1652 línguas. Na primeira constituição do país, aprovada em 1950, o híndi, com caracteres devanagari, foi estabelecido como idioma oficial, enquanto se fazia uma concessão para o inglês, que teria vigência de língua oficial por quinze anos. Esse período passou, e até hoje ele continua sendo usado como um veículo de comunicação privilegiado no sistema jurídico, nas esferas governamentais, no âmbito da alta cultura. É de espantar que a antiga colônia adote o idioma do colonizador; sua permanência é também perversa, pois reproduz eficazmente a estrutura de classes existente. O inglês é uma segunda língua tornada primeira: ele não é falado em casa, mas aprendido na escola, e quem não passou por ela, ou frequentou uma muito fraca, fica alijado do universo simbólico da classe média e alta. Para ascender socialmente, alguém sem inglês muito provavelmente terá que ganhar dinheiro às custas de outros pobres. No entanto, há razões para a permanência do idioma da metrópole: como língua franca o inglês é neutro e paira acima das rivalidades linguísticas regionais. Uma primazia total do híndi geraria tensões com os falantes de bengali, urdo, oriá e urdu, entre outros. É exemplar, aqui, como coesão nacional e distinções de classe reforçam-se mutuamente.

16.

Inveja dos indianos.

O Animesh me leva para conhecer as suas acomodações no alojamento dos doutorandos. Cada apartamento possui três cômodos, um par de quartos e uma sala, para serem divididos por duas pessoas; os banheiros são coletivos. Além do refeitório, há uma cantina, a céu aberto, na qual os alunos podem fazer as refeições. Tomamos tchá (o chá que fazem com leite), e provamos umas samosas, enquanto eu olho para os estudantes ao lado: pediram um prato de arroz frito misturado com vegetais, que comem, da mesma travessa, cada um com a sua colher. Não há recipientes individuais, e um ocidental com facilidade ficaria enojado com o compartilhamento da saliva. (Para não mencionar o fato sabido de que é normal comer com a mão.) Fiquei admirado com a porosidade entre o dentro e o fora do “eu”, e fiquei imaginando se a falta de asco para com o outro não facilitaria a formação de um espírito coletivo.

Há uma recomendação que você ouve inúmeras vezes em relação à Índia: beba apenas água mineral, de preferência de um fornecedor confiável. Isso faz com que você ande para cima e para baixo com uma garrafa a tiracolo, o que só faz aumentar o sentimento de alienação diante dos pobres, que bebem água da bica. Uma garrafa de um litro e meio custa vinte rúpias, 77 centavos de real. Voltávamos para o alojamento dos professores visitantes, quando me dei conta de que minha garrafa, pela metade, não estava mais comigo. O Animesh fez questão de voltar para seu apartamento, para ver se ela não estaria mais lá. Pode ser que essa insistência tenha surgido de uma sensação de hospitalidade e respeito pelo professor (aqui todos me chamam de “sir”), mas de qualquer forma não consegui deixar de ver aí uma preocupação e um cuidado com os objetos que é o contrário do nosso apreço pelo descartável, que no fim ultrapassa a água mineral e alcança as pessoas.

17.

Estava jantando com duas professoras, a Rochelle Pinto e a Nandini Chandra, no Embassy, que tinha uma TV sem som ligada. A transmissão era de um jogo de críquete, o esporte nacional da Índia. Ele é uma espécie de baseball ao contrário, com a bola indo mais para baixo e com um bastão estranho, meio gordo e desengonçado. Me senti como um marciano diante desse jogo ininteligível; ao invés de desconforto, experimentei uma leveza enorme com essa não compreensão. Quem me dera pudesse reproduzir esse estranhamento em relação ao futebol!

18.

Nem tudo na Índia é diferente. O Subarno me levou para visitar o mais novo templo da cidade, o Swaminarayan Akshardham, inaugurado em 6 de novembro de 2005. Como nunca havia estado lá, aproveitou minha estada para conhecer o lugar (daí a vantagem de ter visitantes em casa: quebrar a rotina para explorarmos a nossa própria cidade). O lugar é na realidade um complexo composto de seis partes diferentes. A principal é o mandir, o templo propriamente dito, construído inteiramente sem metal. Ele contém 234 colunas ricamente ornadas, nove domos, vinte shikhars quadrangulares, bem como 20 mil estátuas das diversas espécies. Foi erigido em apenas cinco anos, consumindo o total de 300 milhões horas-trabalho por parte de 11 mil voluntários. Além dessa construção principal, há ainda o Hall of Values, um show com quinze dioramas com bonecos animatrônicos contando a vida de Bhagwan Swaminarayan (1781 – 1830), fundador da seita à qual pertence o templo. (Isso é interessante: ele é considerado uma divindade, ao passo que para nós, ocidentais, soa estranho um deus assim tão situado dentro do continuum do tempo, tão próximo de nós.) As outras atrações do complexo são a maior tela de cinema IMAX da Índia 85′ x 65′ pés (25 x 19,8 metros), que conta a história de Bhagwan Swaminarayan; um passeio de barco dentro de uma construção que mostra dioramas com bonecos retratando 10 mil anos de história da Índia; uma gigantesca fonte musical, fechada durante a nossa visita; e um jardim imenso contendo dezenas de estátuas de líderes religiosos e nacionais.

A grandiosidade do templo não expressa grandeza. Ao invés de um impulso religioso impera o espírito do entretenimento. Tudo o que há para ser feito em Akshardham parece já ter sido pensado de antemão, e o papel do espectador tende a ser o de passivamente percorrer o já programado (incluindo as três praças de alimentação, que contêm detalhes da ornamentação do templo). Além disso, não há uma noção de profundidade temporal. Como tudo é novo e resplandecente, não se percebe a ação do tempo em lugar algum e nas incursões ao passado, via brinquedos, não resta resistência, estranhamento de qualquer espécie. A organização e a ubiquidade do presente aproximam o templo de um parque temático. Nem tudo é diferente na Índia porque aqui também há a disneyficação do mundo.


 Sobre Fábio Akcelrud Durão

É professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp. Estes Fragmentos são uma continuação daqueles coligidos e publicados em Rio-Durham-Berlim: um diário de ideias (Campinas: UNICAMP/IEL/Setor de Publicações, 2008). “Trata-se de um ‘diário de ideias’ feito de fagmentos aforismáticos que discorre de maneira muito pessoal sobre a situação da teoria nos três países – Brasil, EUA e Alemanha – que fizeram parte da formação do autor; [...] A refexão do cotidiano se desdobra em tornar o olhar estrangeiro uma forma metodológica de crítica de diferentes culturas, cotejando entre si EUA, Brasil e Alemanha, algo que poderíamos chamar decrítica da cultura comparada” (Eduardo Losso) resenha.