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O que será da casa de Rui Barbosa?

O jornal O Globo de sábado passado, dia 5 de fevereiro, publicou no Caderno “Prosa & Verso” uma entrevista com Emir Sader, o novo presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa. A entrevista é de tal modo disparatada, que provocou reação imediata entre vários intelectuais, publicada no mesmo jornal na última terça-feira, dia 8 de fevereiro, no Caderno 2. Merecem destaque as considerações dos críticos José Murilo de Carvalho, Renato Lessa, Luiz Costa Lima e Mônica Grin.

A entrevista, realizada por Miguel Conde, é bem interessante, muito mais em função das perguntas agudas do entrevistador do que das respostas do entrevistado, que recua, desconversa, não responde ou responde pela metade às arguições propostas. Emir Sader insiste em dizer que estarão presentes na FCRB “todas as vozes”, mas sobretudo “aquelas que não têm espaço hoje para expressar seu ponto de vista”. E elenca um conjunto de intelectuais brasileiros supostamente à margem da grande imprensa. É tal o despropósito da lista de pessoas citadas (sempre as mesmas, afinal só devem existir meia dúzia de pensadores nesse país…) que entre elas podemos encontrar o nome de Maria Rita Khel. Eu diria que poucas pessoas no Brasil estiveram tão em evidência quanto Maria Rita Khel, personagem ubíquo nos meios de comunicação, na última década. Não desconheço que no ano passado teve sua coluna interrompida em um grande jornal paulista, nem o valor de seus pronunciamentos; mas supor, sugerir que se trata de uma voz que não tem espaço para expressar seu ponto de vista é um completo absurdo, ou então Emir Sader não leu jornais nos últimos dez anos. O mesmo poderia ser dito de outros nomes citados por ele, como o de Marilena Chauí. Por fim, será que ele verdadeiramente acha que, com uma palestra ou um seminário realizados na FCRB, essas pessoas estariam falando para “a massa da população”, como ele acentua e deseja? Dispensável respondermos, pois todos conhecemos razoavelmente o perfil dos frequentadores da instituição. É curioso que, novamente interpelado pelo entrevistador, ele insista em dizer que todas as vozes estarão presentes, mas não seja capaz de citar um nome sequer para termos ideia de quais são elas. José Murilo de Carvalho percebeu claramente o problema, ao demonstrar a inexistência de representantes do pensamento liberal no campo de preocupações do novo presidente.

Outro disparate é supor que, a partir de sua gestão, a FCRB passará a discutir o Brasil contemporâneo, fazendo tábula rasa de tantos eventos promovidos por essa instituição nos últimos anos que, precisamente, discutiram diversas facetas da contemporaneidade cultural e literária, não só do Brasil, mas do mundo. Mais ainda, parece que o ponto forte de sua gestão será “fazer seminários”, como se as universidades, os espaços culturais etc. não estivessem lotados de seminários, geralmente irrelevantes, o ano inteiro.

Sobre a pesquisa mesmo, que é o que mais importa em minha opinião, ele pouco tem a dizer. Apenas vai “ver a possibilidade de abrir concurso para trazer novas gerações de pesquisadores para a Casa, pessoas jovens que trabalhem com temas contemporâneos”. Verificam-se aí dois problemas. Primeiro, o caráter vago de checar a “possibilidade” de concursos, sem que nada de concreto realmente se apresente. Em um ano como este, em que parece que os concursos serão suspensos, podemos intuir que nada acontecerá nesse sentido. Em segundo, essa obsessão pelo contemporâneo, quando a Casa tem uma pauta extensa de possibilidades de pesquisa, que transcendem o tempo presente e que são fundamentais para a constituição de uma reflexão consistente sobre nosso passado (o que iluminaria, vejam só!, o tempo presente).

Mas é na última pergunta que podemos verificar com mais clareza a ignorância do novo presidente com respeito à Casa de Rui Barbosa. Isso nos faz pensar que a prevalência de critérios políticos para o preenchimento de cargos de mando de instituições como a FCBR, a Biblioteca Nacional e outras é o que vem levando ao afundamento dessas instituições nos últimos governos. Não sou ingênuo de supor que critérios políticos não sejam essenciais, mas apenas esses critérios são definitivamente insuficientes, tornando-se mais uma vez nítido o despreparo crônico dos dirigentes das instituições para os cargos que ocupam. Assim, perguntado sobre o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, que abriga um dos mais importantes conjuntos de manuscritos (mas não apenas) de diversos escritores do país, Emir Sader não tem nada a dizer, a não ser generalidades óbvias que qualquer ginasiano bem informado sabe, ou dados relativos ao que foi feito na última gestão. Ele próprio não tem nenhuma ideia do que fazer com o acervo, afora pensá-lo como útil para uma “programação cultural”, a velha e mofina “cultura de eventos”, de palestras, seminários, que pouco acrescentam à pesquisa mesma. E conclui com algo que considero praticamente uma bobagem e que nada ou quase nada tem a ver com o próprio acervo em pauta, sinalizando para “um grande programa de publicação de autores brasileiros na Europa” (sabe-se lá por que a Europa e não as Américas ou a Ásia), a ser levado a cabo junto com a Biblioteca Nacional. Isso é louvável, evidentemente, mas é pouco, muito pouco diante do que se poderia fazer com o acervo propriamente dito que pertence àquela instituição.

Claro, é possível que, uma vez frequentando efetivamente a Casa de Rui Barbosa, o novo presidente conheça com mais minúcia o lugar que dirigirá e, assim, abandone essas generalidades inócuas e diga precisamente a que veio.