PEÇAS é o título de uma obra da artista Gertrude Stein escrita em 1934 como material para uma palestra sobre a relação entre o ato de escrever e o ato de viver
Silenciosamente foi responsável por inúmeras vanguardas artísticas influenciando inclusive no surgimento da performance e cada vez mais persiste transformando todos aqueles que ouvem sua reflexão poética-lúcida sobre a essência das coisas
O texto explora os limites entre o palco da ficção e o palco do nosso dia-a-dia
Ao questionar o papel da memória na catarse teatral e no arremate cotidiano ela nos revela que a mente humana é um teatro de possibilidades simultâneas que investiga incessantemente a si próprio e aos outros para recriar a vida e sua comunhão
Oferece também uma percepção da identidade como uma entidade perpétua que atua nos diversos tempos sincopados e circulares da existência
Gertrude Stein impulsiona assim uma reavaliação de todo julgamento estético vigente e questiona os materiais de construção da gramática humana a partir da extração das vírgulas e dos pontos-de-vista conclusivos e das supostas leis teatrais alertando para a responsabilidade da sensibilidade
PEÇAS propicia um ambiente perfeito para dinamitar poeticamente os caminhos da vida à arte e da ficção à natureza já que a meta é amalgamar metrópole e pólen
PEÇAS
Gertrude Stein
FIZ UMA DESCOBERTA que considero fundamental que frases não são emocionais e que parágrafos são Descobri que parágrafos são emocionais e frases não e descobri algo a mais sobre isso Descobri que esta diferença não é uma contradição mas uma combinação e que esta combinação faz com que se pense infinitamente sobre frases e parágrafos porque os parágrafos emocionais são feitos de frases inemocionais
Descobri uma coisa fundamental sobre peças A coisa que descobri sobre peças também é uma combinação e não uma contradição e é algo que faz com que se pense infinitamente sobre peças
Esse algo é isso
A coisa que é fundamental sobre peças é que a cena tal como demonstrada no palco é muito mais freqüentemente do que não se poderia dizer é quase sempre impedida de aconte-ser em relação à emoção de qualquer um na platéia Ela está quase sempre em um tempo sincopado em relação à emoção de qualquer um na platéia
O que isso diz é isso
Sua sensação como alguém na platéia em relação à cena encenada diante de você sua sensação digo sua emoção concernente à peça está sempre ou atrás ou à frente da peça que você está vendo e que você está ouvindo Então sua emoção como um membro da platéia nunca está aconte-sendo no mesmo tempo que a ação da peça
Essa coisa o fato de que seu tempo emocional enquanto platéia não ser o mesmo que o tempo emocional da peça é o que nos faz ficar infinitamente perturbados com uma peça porque não somente há uma coisa a se conhe-ser assim como porque isso é assim mas também há algo a se compreender porque talvez isso não precise ser assim
Isso é uma coisa a se conhecer e conhecimento como qualquer um pode saber é uma coisa para se captar captando
E assim vou tentar lhes contar o que tinha que captar e o que talvez captei nas peças e para fazer isso vou lhes contar tudo o que já senti sobre as peças ou sobre qualquer peça
Peças são ou lidas ou ou-vidas ou vistas
E aí então vem o xis da questão Qual vem primeiro e qual é primeiro Ler ou ouvir ou ver uma peça
Pergunto a vocês
O que é conhecimento Claro conhecimento é aquilo que você conhece e o que você conhece é o que você realmente sabe
O que sei sobre peças
Para saber é preciso sempre ir para trás
Qual foi a primeira peça que vi e estava então já incomodado incomodado com o tempo diferente existente que há na peça e em você mesmo e com a emoção de se ter uma peça indo enfrente em frente de você Penso que posso dizer posso dizer sei que já fui incomodado por isso naquela minha primeira experiência em uma peça A coisa vista e a emoção sentida não iam para frente juntas
Isso que a coisa vista e a coisa sentida sobre a coisa vista não estarem indo para frente no mesmo tempo é o que faz o estar no teatro uma coisa que faz qualquer um ficar nervoso
As bandas de jazz fizeram dessa coisa a coisa que te faz ficar nervoso no teatro elas fizeram dessa coisa um fim em si Elas fizeram desse tempo diferente um algo que era nada mais do que uma diferença no tempo entre qualquer pessoa e todas as pessoas incluindo todos aqueles fazendo isso e todos aqueles ouvindo e vendo isso No teatro é claro a diferença no tempo é menos violenta mas ainda assim isso está aqui e isso faz mesmo com que qualquer um fique nervoso
Em primeiro lugar no teatro há uma cortina e a cortina por si só já faz qualquer um sentir que não vai ter o mesmo tempo da coisa que está lá atrás da cortina A emoção de você de um lado da cortina e o que está lá do outro lado da cortina não irão ir juntas Vai se estar sempre atrás ou à frente do outro
Depois também no lado B da cortina está a platéia e o fato de que eles estão ou estarão ou não estarão no nosso caminho quando a cortina se abrir isso também fabrica nervosismo e nervosismo é a prova certa de que a emoção de um vendo e a emoção da coisa vista não progridem juntas
O nervosismo consiste no precisar ir mais rápido ou lento de modo a irem juntos Isso é o quê que deixa qualquer um nervoso
E é um equívoco que isto seja o que o teatro é ou não
Há coisas que são excitantes pois o teatro é excitante mas deixam você nervoso ou não e se deixam ou não porque deixam e porque não
Vamos pensar em dois diferentes tipos de coisas que são excitantes e que deixam ou não deixam nervoso Primeiro qualquer cena que for uma cena real algo real que esteja acontecendo na qual se toma parte como ator elemento atuante nesta cena situação Segundo o teatro no qual se assiste a uma ação excitante na qual não se toma parte
Agora em uma cena real na qual se toma parte na qual se é ator o que se sente quanto ao tempo e o que é que deixa ou não deixa nervoso
E o seu sentimento neste tal tempo está à frente ou atrás da ação do jeito que ele está quando você está no teatro Ele está no mesmo e não está Mas não mais
Se você estiver tomando parte em uma cena violenta real e você fala e eles ou ele ou ela falam e a cena continua e fica mais excitante e aí finalmente acontece o que quer que seja que de fato aconteça aí quando acontece aí no momento do acontecimento seria isso um alívio da excitação ou seria isso um arremate da excitação Na cena real é um arremate da excitação no teatro é um alívio da excitação e nessa diferença a diferença entre arremate e alívio está a diferença entre a emoção correspondente a uma coisa assistida no palco e a emoção correspondente a uma apresentação real ao presente realmente acontesente
Essa então é a diferença fundamental entre excitação na vida real e no palco Na vida real ela culmina em um sentido de arremate seja um ato excitante ou uma emoção excitante que tenha ocorrido ou não No palco o clímax excitante é um alívio uma catarse pois há uma platéia Na vida real por mais que alguém assista a uma ação excitante jamais será uma platéia E a memória das duas coisas é diferente. À medida que você repassa o detalhe que leva a um apogeu de qualquer cena na vida real você descobre a cada vez que você não consegue ter um arremate mas você consegue ter um alívio e aí então já foi a sua própria memória de qualquer cena excitante em que você tenha tomado parte a transforma em uma coisa vista ou em uma coisa ouvida não na coisa sentida Você tem como digo como resultado muito mais um alívio do que um arremate Muito mais um alívio da excitação do que um clímax da excitação Desse modo uma história excitante faz o mesmo somente na história excitante Você tem como se diz um controle da história assim como você tem na sua memória de uma cena realmente excitante Não é como é no palco uma coisa sobre a qual nós não temos controle real algum Você pode com uma história excitante descobrir o final e aí começar de novo assim como você pode ao se lembrar de uma cena excitante mas o palco é diferente não é real e no entanto não está dentro do nosso controle assim como a memória de uma coisa excitante está ou a leitura de um livro excitante Não importa o quão bem você já conheça o final da história aqui no palco mesmo assim ela não está dentro do seu controle como a memória de uma coisa excitante está ou a história escrita de uma coisa excitante está ou a história ouvida mesmo de um jeito curioso de uma coisa excitante está E qual é a razão para esta diferença e o que isto faz ao palco Isto fabrica aquilo nervosismo é claro e a causa do nervosismo é o fato de que a emoção daquele que assiste à peça está sempre à frente ou atrás da peça
Então mais uma vez o que o teatro faz e como ele faz isso
O que acontece no palco e como e como se sente em relação a isso Essa é a coisa a se saber a se conhecer e assim a dizer
Em conexão quando se está lendo um livro excitante a coisa fica novamente mais complicada do que quando estamos apenas vendo sim porque é claro ao se ler se vê mas também se ouve e quando a história está no seu mais excitante se ouve mais do que se vê ou não se age assim
Bom estou colocando todas essas perguntas a vocês porque é claro ao se fazer uma pergunta não se está respondendo mas está como se pode dizer decidindo sobre o que se está conhecendo Conhecendo é aquilo que você conhece e sempre que fazemos perguntas apesar de não haver ninguém que responda essas perguntas há nelas aquilo há conhecimento Conhecimento é o que você conhece
E agora é a coisa vista ou a coisa ouvida a coisa que mais nos incomoda no teatro e o à medida que a cena no teatro prossegue o ouvir toma o lugar do ver como talvez aconteça quando alguma coisa real está acontecendo no seu mais excitante ou o ver toma o lugar do ouvir como talvez aconteça quando qualquer coisa real está acontecendo ou a mistura chega a ser ainda mais misturada de ver e ouvir como talvez aconteça quando qualquer coisa realmente excitante está realmente acontecendo
O cinema Ele mudou de mudo para falado de imagem para som e antes o quanto havia de som real o quanto de imagem era som ou o quanto não era Em outras palavras o cinema indubitavelmente teve um jeito novo de entender imagem e som em relação a emoção e tempo
Devo dizer que aliás a coisa que fez com que uma pessoa como eu mesmo constantemente pensasse sobre o teatro do ponto de vista da imagem e do som em relação à emoção e ao tempo ao invés da relação com a história e a ação é a mesma como se pode dizer forma geral de concepção dos experimentos inevitáveis fabricados pelo cinema apesar do método do se assim fabricar naturalmente não ter nada que ver um com o outro O fato que persiste é que há o mesmo impulso para resolver o problema do tempo em relação à emoção e a relação da cena com a emoção da platéia no caso de um e do outro Há o mesmo impulso para resolver o problema da relação do ver e ouvir no caso de um e do outro
É em suma o problema inevitável de qualquer pessoa vivendo na composição do tempo presente isto é vivendo como nós agora estamos vivendo como nós temos o tempo presente e agora de fato vivemos nele
O negócio da Arte é o de viver no atual presente isto é o atual presente completo o de expressar completamente aquele atual presente completo
Tradução: Luiz Päetow
Peças
Sábados às 23.00 horas e domingos às 18.00 horas
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