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Tyler, The Creator

A mais popular das estrelas underground do momento é o símbolo de um hip-hop sombrio mas arrojado. Goblin é o título do seu novo álbum.

“Tornar o 666 cor-de-rosa choque!” Tyler, the Creator, disse isto duas vezes, para que toda a gente à sua volta percebesse que falava sério. Numa terça-feira recente, uma das suas managers estava ao telefone na sua mesa da sala de jantar, falando com uma pessoa que faz roupa por encomenda para o seu grupo, os Odd Future (Odd Future Wolf Gang Kill Them All, para ser mais exato). O número no casaco de basebol de Tyler tinha de ser o 666. O cor-de-rosa choque dá-lhe vontade de rir. E ele gosta de se destacar.

Para isso, ele não tem necessidade do casaco. Ao longo dos últimos meses, Tyler e os Odd Future têm-se deslocado a grande velocidade das franjas da internet para o núcleo dos círculos de música mais vanguardistas, graças a álbuns de edição própria, atuações instigadoras do caos e uma capacidade de polarizar imediatamente os ouvintes.

Tyler é o rapper central e produtor dos Odd Future e também o seu principal artista visual, criador de merchandise e realizador de vídeo. É o rosto do grupo e a sua razão de existir. Lançou agora Goblin (XL), o seu primeiro álbum numa editora a sério, que o transformará de curiosidade em criador de conversas.

Goblin é material malévolo, interno, confiante, virulento, magoado, um álbum surpreendente que tem pouca semelhança com o hip-hop contemporâneo. Tem mais em comum com o rap independente, violento e denso de sentimentos da segunda metade da década de 1990 e também com o improvável suntuoso minimalismo sonoro dos Neptunes do início da década de 2000. Para cada rima cáustica sobre violência existe uma opção de produção melancólica e suave que a acompanha. “Sou apenas um adolescente que admite ser propenso ao suicídio”, afirma Tyler em estilo rap na faixa título. “A vida está a correr-me bem, portanto essa data está adiada.”

 

Quotidiano

Tyler Okonma tem 20 anos, 1,88 metros, é alto, magro, musculoso e pateta, com uma forte característica antissocial. É adepto de camisas com padrões espalhafatosos, meias desportivas puxadas até ao joelho e tênis Vans sem adornos; adora bacon e donuts; diz que não bebe nem consome drogas; e mal consegue terminar uma frase sem um palavrão.

Ao final da tarde, depois de os detalhes do merchandise terem sido tratados, o seu amigo Jasper Dolphin e a comanager Kelly Clancy foram em busca de um traje de golfe que ele queria usar no dia seguinte para a rodagem de um vídeo. Pelo caminho, numa loja de artigos para festas, ele deu a ideia de ter roubado um pacote de autocolantes de Justin Bieber; mais tarde, atirou um copo com metade de um Frosty do Wendy’s pela janela do lado do passageiro do Porsche utilitário desportivo de Clancy contra um grupo de pessoas. “Não quero crescer nunca”, diz Tyler mais tarde, no quintal da casa da sua manager, mostrando um há muito desejado relógio de brinquedo SpongeBob SquarePants do Burger King. Ele agora está alimentado. Queria um trampolim como prenda de aniversário e recebeu-o. Manter Tyler feliz, e concentrado, é a prioridade de toda a gente.

Nos últimos tempos, nenhum artista deu origem a tantos artigos de opinião sobre música, artigos de opinião sobre críticos e artigos de opinião sobre artigos de opinião. Serão as letras do grupo declarações literais de desejos? As parvoíces de meninos mal orientados? “Eles não me conhecem, não entendem”, diz Tyler sobre os críticos. “Eles nunca tiveram 18 anos e só queriam divertir-se?”

Goblin é um álbum que antecipa a sua própria crítica. “Não façam nada daquilo que eu digo nesta canção”, afirma Tyler no início de “Radicals”, acrescentando: “se alguma coisa acontecer, não me culpes, América branca”.

“Meti uns quantos Xannies (Xanax) cor-de-rosa/ e dancei pela casa numas cuecas com padrões repetidos”, diz ele em estilo rap em “Yonkers”. No álbum há pelo menos um par de referências pouco simpáticas a Taylor Swift e em “Sandwitches” ele expressa a raiva de alguém a quem sempre foi negada a estabilidade. “Vamos comprar armas e matar esses miúdos com pais e mães.”

Muitas das suas letras mais inquietantes não ajudam se forem transcritas. “Vítima, vítima, querida és a minha quinta”, canta de forma doce em estilo rap em “Tron Cat”, enquanto um coro de “la” amortece o golpe atrás dele. “Violo uma puta grávida e conto aos meus amigos que tive um ménage à trois.” De novo: declaração literal de desejo? Parvoíce de menino mal orientado? Isso faz diferença?

A mãe dele, por exemplo, não se importa com o teor das canções, diz Tyler. “Ela olha para além disso. Ela apenas vê o seu filho no palco a gozar a vida depois das situações por que passou nos últimos anos, deprimido por não ter uma cama onde dormir ou algo para comer nessa noite.”

Tal como “Bastard”, os temas de Goblin estão ligados por interlúdios em que Tyler discute os seus problemas com um terapeuta, que é ele próprio. “Não tenho terapeuta, pelo que faço de meu próprio terapeuta quando estou a compor”, diz.

Durante algum tempo, tomou Ritalin mas deixou de o fazer porque interferia com a medicação para a asma. “Se eu tivesse um terapeuta”, diz Tyler, “não seria capaz de fazer a música que quero.” Isso levou a canções de invulgar vulnerabilidade, que moderam o lado mais duro da sua obra. Há algumas canções de “Bastard”, o tema-título e “Inglorious”, que ele já não ouve, porque o assunto – incluindo o pai ausente – é demasiado difícil. O mesmo vale para “Nightmare” e “Golden”, do novo álbum. São estas as coisas “em que penso quando estou sozinho, e que não gosto de pensar”, revela. “Não é duro pensar nisso, não é difícil de fazer, mas odeio pensar acerca disso, logo odeio também ouvir.”

 

Anti-herói

Tyler está no seu melhor quando representa, vendo encorajada a sua loucura. Houve prestações malcomportadas no “Late Night With Jimmy Fallon” e nos MTV Woodie Awards. E as manias de Tyler dão grandes títulos na imprensa. E há o seu Twitter logorreico, uma série de exultações e latidos, e a página do Formspring, mais ponderada e intimista, na qual responde às perguntas dos fãs com uma combinação de cordialidade e indignação.

Os Odd Future fazem a ligação entre grupos díspares de forma não muito diferente da utilizada pelos Neptunes – e em particular o camaleão Pharrell Williams, um ídolo para Tyler – há uma década. Estes grupos – skaters, “nerds” hip-hop da internet, curiosos do indie rock, rufias idiossincráticos, niilistas em treino – adotaram os Odd Future com naturalidade. “Eu sou eles”, diz Tyler.

Artistas estabelecidos como Diddy e Kanye West acabaram por dar o seu apoio, saltando para um comboio já em andamento. “Eles vieram em último lugar”, afirma Tyler, “e acontece, habitualmente, o contrário. Toda a gente anda à procura de nomes. Eu não preciso de nomes.”

Mesmo se os Odd Future nunca se chegam completamente ao mainstream – com os seus conteúdos explícitos, e respectivo compromisso explícito, os seus membros parecem-se mais com heróis de culto do que com puras estrelas pop –, já mostraram como uma pequena chama pode tornar-se rapidamente azul.

O vídeo de “Yonkers”, o primeiro single de Goblins, tem mais de 7 milhões de visitas no YouTube, um número impressionante para um clipe preto e branco onde se come uma barata e acaba em suicídio. Mas o êxito reflete a procura até agora reprimida. Foi o primeiro momento largamente acessível de uma “crew” que é, propositadamente, de difícil acesso. Tyler realizou, ele próprio, o vídeo e também desenhou a capa do álbum.

Entre camisolas de basebol satânicas e pequenos delitos, Tyler tem algo de mais sério e urgente para dar atenção: procurar um apartamento, o seu primeiro. Nos quatro anos que passaram desde que a mãe se mudou para Sacramento, Tyler tem, na maior parte das vezes, dormido no sofá da casa da avó. Agora vai viver com a mãe e com a irmã mais nova, que estão de regresso à cidade.

Esteve com um pé fora e outro dentro de uma casa numa rua sossegada, a poucos minutos de distância. Gostou do apartamento, mas teve medo de que a mãe não se desse com o senhorio, uma pessoa rígida. “Já vi a minha mãe dar tareias a gajas”, diz, no carro, a rir-se. Liga o iPod às colunas do carro e passa algumas canções premonitórias que compôs recentemente com os Neptunes. “Mal posso esperar para mudar-me” para uma casa nova, diz, e “pôr todos os meus pôsteres na parede.”

Publicado em http://www.ionline.pt/interior/index.php?p=news-print&idNota=123410 em 16 de maio de 2011

 

Goblin | Tyler, the Creator

Tiago Superoito

Música pop também é uma questão de timing. O disco certo na hora certa. A canção que, de alguma forma, sintoniza o momento em que foi criada.

Um álbum como Dirt, do Alice in Chains, não nos atingiria com tanta força se lançado depois de 1992. Longe da primavera grunge, como ele teria se comportado? Não faço ideia. E de que modo ouviríamos a estreia de The fat of the land, do Prodigy, em 2005, em 2011? Talvez como uma nota de rodapé. Quem sabe?

Experimente “ler” a trajetória da música pop como quem vira coleções antigas de jornais: ele, o pop, conta a nossa história num acúmulo de flashes, de textos efêmeros, que logo se tornam datados. Cada disco colabora para esse grande arquivo. Mas há os que, por um motivo ou outro, ganham o peso de manchetes de primeira página: Nevermind, Parklife, Is this it, Kid A, esses abrem capítulos (goste deles ou não).

Existe uma hierarquia no pop, e estou cada vez mais certo de que ela é definida menos por conceitos imutáveis de “beleza” ou “rigor” (intrínsecas a cada obra) e mais pela forma como os álbuns enfrentam o mundo. Sinto que os melhores discos pop estão sempre querendo interpretar um “estado de coisas”, reportar (mesmo que por uma via introspectiva, totalmente pessoal) impressões e sensações que estão no ar.

É uma vocação mais próxima do jornalismo (da reportagem, da crônica, do artigo, da charge) que da literatura ou das artes plásticas ou do cinema ou da música erudita.

Bem. Mas essas são ideias meio ambiciosas que eu desenvolveria se tivesse mais tempo. E, é claro, se isto aqui não fosse um blog nanico, relutante, incompleto, que nunca chega lá.

No mais, este é apenas um post sobre Goblin, o disco novo de Tyler the Creator. Bom dia.

Tyler Okonma, vocês sabem, é um rapper de 20 anos que lidera o coletivo Odd Future Wolf Gang Kill Them All (também conhecido como Odd Future ou OFWGKTA). O grupo de Los Angeles — formado por oito MCs, além de produtores e ilustradores — se fez notar com um turbilhão de mixtapes (sempre de graça, no site oficial) e por shows no esquema panela-de-pressão (performance-zoeira, muito da agressiva).

O New York Times e o Guardian, por exemplo, escreveram artigos muito elogiosos sobre o combo de hip-hop: foram comparados ao Wu-Tang Clan e ao NWA. Mas, por enquanto, o entusiasmo em torno do Odd Future se dá na internet: os blogs de rap não respeitam os garotos (eles têm entre 18 e 20 anos), mas os sites de indie rock dão trela. Nos discos, Tyler garante que não está nem aí para esse falatório: escreve músicas para ele próprio e mais ninguém.

“Os críticos não me conhecem, eles não entendem”, disse, em entrevista ao NY Times. “Eles não tiveram 18 anos em algum momento? Nunca pensaram só na diversão?”

O importante, acima de tudo, é que a saga do Odd Future é uma ótima história, jornalisticamente falando.

Qualquer repórter de cultura mais ou menos bem informado há de encontrar no Odd Future um quadro de sintomas deste início de século. Está tudo aqui: a atitude libertária em relação ao consumo de música (mixtapes de graça!) e ao próprio estilo (que vai do punk ao R&B), a naturalidade no trato com a web, as tentativas de quebrar (às vezes literalmente) a barreira que separa o palco da plateia, a noção de que o pop pode ser um happening, arte de rua, uma festa com acesso livre.

Goblin é o primeiro disco que leva esse “Odd Future Way of Life” a um patamar próximo daquilo que chamávamos de mainstream: ele sai pela XL Recordings, de Adele, Vampire Weekend e M.I.A.

E, como costuma acontecer nesses ritos de passagem, Tyler sente o baque.

Em parte, Goblin é um disco sobre escrever música para uma plateia grande demais. Também é um álbum que tenta condensar os mandamentos do Odd Future numa espécie de manifesto, uma carta de visitas: é longo (73 minutos), tem muitos convidados especiais e experimenta de tudo.

Simbolicamente, ele já nasce muito importante. Representa um momento para a música pop da mesma forma como, digamos, Kala, da M.I.A., representava em 2007. Parece inútil ir contra essa força do disco: goste ou não, ele é o elefante no meio da sala.

O bacana é (e isso pouco tem a ver com relevância) é que Goblin também se sai muito bem como um disco de hip-hop pós-Wu-Tang, pós-Eminem: é daqueles álbuns que comprovam o poder de o gênero abrigar e amplificar discursos absolutamente francos e até inadequados, sem filtros ou autocensura. É um disco todo desgrenhado, sujo, feito de cuspe, pensamentos impróprios e vísceras. E que, não à toa, flui no formato de uma confissão do narrador (o próprio Tyler) ao terapeuta (que volta e meia dá as caras, com um vozeirão cavernoso).

E a beleza estranha de Goblin está aí: Tyler entende que tem novas responsabilidades (antes de Radicals, a faixa mais violenta, ele avisa ironicamente que o conteúdo da música é “ficção”), mas não quer abandonar o mundo narrativo que criou. E o que podemos fazer quando a encenação da vez tem as cores de uma HQ de Frank Miller?

Daí os dois movimentos do disco: Tyler controla o id selvagem (para explicar-nos que é tudo brincadeirinha) e deixa que ele se solte no interior das canções (as confissões domésticas de Nightmare e a dor quase romântica de Her são de doer). Algo se perde nesse processo, é verdade: aposto que os fãs vão reclamar de uma postura mais cautelosa do rapper. Mas, quando deixa claro que escreve contos de ficção (ou de autoficção, digamos), Tyler vai criando camadas no próprio discurso e nos guiando a um estilo denso, espertíssimo. Um conto de monstros (Transylvania) para sujeitos sem glória (Goblin).

Musicalmente, o disco é menos complexo: ele deixa transparecer os buracos no cenário, a fiação pendurada no teto, a origem “underground”. A produção, tocada pelo próprio Tyler, às vezes beira o singelo, muito aquém do que se ouve num álbum do Kanye West ou do The Weekend, por exemplo: é como se, nessa opção por expor o orçamento reduzido do filme, Tyler criasse limites para o jogo. E aí acaba que fica muito bonito, por exemplo, quando ele encontra “soluções baratas” para dar estofo a faixas como Goblin (o filete de melodia triste, orquestrada, que invade o rap de vez em quando), Nightmare (quem odeia dubstep vai detestar: piano + som de batidas na máquina de escrever) e Radicals (que tem um quê de lounge, quando a pauleira sobre “matar pessoas, queimar merda e foder a escola” termina). Não é sempre que acontece, no entanto.

Nada que ofusque a fala de Tyler: o que nos hipnotiza de ponta a ponta do disco é o adolescente vaidoso, sexy, suicida, escatológico, carente, megalomaníaco, estúpido, engraçado, boca-suja, o rei das polêmicas vazias, o hype que não se sustenta, o moleque que organiza o movimento e pensa em mudar o pop, a América, o mundo. “Não sou modelo para ninguém”, ele avisa. Não?

Goblin está longe de ser o melhor disco de rap do mundo. Mas ele traz um desejo de relevância, e enfrenta o mundo com tanta graça, que o esforço compensa o que há de imaturo no processo. Imperfeito do jeito que é, talvez seja o disco perfeito para 2011: se você perguntar para mim o que há de mais urgente na música pop, vou apertar o play. E ficar quietinho.

Segundo disco de Tyler, the Creator. 15 faixas, com produção de Tyler e Left Brain. Lançamento XL Recordings.

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Ouça Tyler

A letra está neste link http://rapgenius.com/lyrics/Tyler-the-creator/Radicals

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