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Honduras, Venezuela e o pós-chavismo com Chávez

O que há agora em comum entre Honduras, 7 milhões de habitantes, e Venezuela, 30 milhões? Um fenômeno que se pode batizar de “pós-chavismo”. Porfirio Lobo, sob o signo da anistia, tomou posse como presidente constitucional do país centro-americano, sepultando de vez Manuel Zelaya, que deixou, depois de meses, a Embaixada do Brasil, para exilar-se. Zelaya aliou-se a Hugo Chávez e se tornou um dissidente da elite conservadora hondurenha. Na verdade, ao propor um plebiscito sobre a possibilidade de alterar a Carta Magna de seu país, para poder reeleger-se, importou os modelos da política do confronto instituídos pelo presidente venezuelano, em vez de buscar apoio no Congresso.

Chávez está no poder desde 1998. Chávez inspirou-se no peronismo argentino para implantar em seu país esse modelo de confronto, mais populista do que popular, mais desagregador do que social. A grande recessão, iniciada em 2007, explicitou a ausência de programas sociais do chavismo. A inflação, real, na Venezuela está na casa dos 40% ao ano. Para tentar combatê-la, o líder bolivariano racionou o uso de energia elétrica, desvalorizou a moeda local em 100%, e dividiu ainda mais a população, criando tipos de câmbio para setores da sociedade classificados como prioritários e não prioritários. Além disso, determinou o fechamento de várias estações de rádio e canais de televisão. No dia 21 deste mês, editou um decreto obrigando os 24 canais a cabo a transmitirem seus pronunciamentos oficiais. Em seguida, o Congresso unicameral daquele país transformou em lei a possibilidade de mais expropriações e nacionalizações de empresas e de casas comerciais. Puro Confronto, à antiga.

O que distingue Honduras e Venezuela? Em Honduras havia uma oposição forte e o zelaysmo chavista foi, em poucos meses, liquidado, com o realinhamento do país aos Estados Unidos. A oposição na Venezuela é tépida e foi substituída pelos meios de comunicação, agora censurados por Hugo Chávez. É de notar que o referendo que aprovou sua reeleição por tempo ilimitado obteve apoio de pouco mais da metade do país, sinal de fraqueza. Como disse, existe uma oposição pouco eficaz, marcada também pela corrupção quando governou o país. Não há perspectiva de que Chávez deixe o poder, entretanto já se pode dizer que a Venezuela vive o pós-chavismo com Chávez, ou seja, ele não tem mais receitas milionárias advindas do petróleo e o país está desinstitucionalizado e empobrecido.

As informações recentes apontam para a radicalização do confronto entre um semiditador, ainda organizado, e uma oposição voluntarista, desorganizada, como demonstrou a morte de dois estudantes secundários que protestavam, em Mérida, contra o fechamento de canais de televisão. Todavia, a ineficiência do governo Chávez é tão patente, que se transformará em seu pior inimigo, seu pior opositor. Chávez tem mais prestígio internacional do que nacional. É o líder mais bem avaliado pela opinião pública árabe, embora tenha, de fato, pouco apoio dos venezuelanos. Estima-se hoje que este apoio alcance no máximo 40% da população.

Chávez perdeu igualmente apoio do capital financeiro ao perseguir os judeus venezuelanos, reeditando, em pequena escala, a ideologia nazista. Existem centenas de denúncias contra ele na OEA (Organização dos Estados Americanos), por violação dos direitos humanos. Haverá eleições parlamentares este ano na Venezuela. Trata-se de marco de esperança para a oposição. No entanto, como observa Sadio Garavini di Turno, cientista político venezuelano, as perspectivas não são tão boas: “Contudo, a receita vinda do petróleo e a falta, até o momento, de uma alternativa de governo podem estender esse processo de desgaste, salvo um possível colapso socioeconômico. A oposição tenta se unir e chegará às próximas eleições parlamentares em melhores condições do que nos últimos anos, mas ainda não conseguiu enviar uma mensagem que consiga atrair os eleitores decepcionados com o chavismo, cada dia mais numerosos”.

O que se observa na América Latina é um lento realinhamento de forças, com a eleição, por exemplo, de Sebastian Piñera no Chile, ante o desgaste de 20 anos de governo da Concertación, de centro-esquerda. O governo brasileiro apoia retoricamente o eixo bolivariano, liderado por Chávez. O governo Obama atua mais efetivamente na região do que o de George Bush, haja vista a derrocada de Zelaya em Honduras, num golpe perfeito. Há um desgaste visível daqueles que estão no poder há quase uma década, como o casal Kirchner na Argentina. É difícil que Chávez se mantenha no poder sem cubanizar a Venezuela, já economicamente cubanizada. A posse de Porfirio Lobo significa derrota internacional do presidente venezuelano, derrotado por ele mesmo, por sua ineficiência e autoritarismo, em seu próprio país. É possível que os eleitores decepcionados com Chávez, como afirma Di Turno, comecem a removê-lo democraticamente do poder ainda este ano. No entanto, haverá, infelizmente, uma escalada de confrontos.


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.