From The Anthology LIES ABOUT THE TRUTH, 2000, Edited by Régis Bonvicino
Life all language
Life all language
always perfect phrase, maybe verse,
generally without any adjective
column without ornament, generally divided.
Life all language,
meanwhile a verb, always a verb, and a name
here, there, assuring the eternal
perfection of the period, maybe verse,
maybe interjectional, verse, verse.
Life all language,
fetus sucking in compassionate language
the blood that child will scatter – oh active metaphor!
milk spurt in adolescent fountain,
semen of mature men, verb, verb.
Life all language
how well it knows the old who repeat,
against black windows, scintillating images
which star them turbulent trajectories.
Life all language —
as we all know
to conjugate these verbs, to name
these names:
to love, to make, to destroy
man, woman, and beast, devil and angel
and god maybe, and nothing.
Life all language,
life always perfect,
imperfect only the dead words
with which a young man, in the terraces of winter, against the rain,
tries to make it eternal, as if he lacked
some other, immortal syntax
to life which is perfect
eternal
language.
(Tr. Jennifer Sarah Frota)
Vida toda linguagem
Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes images/stories
que lhes estrelam turvas trajetórias.
Vida toda linguagem –
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra a chuva,
tenta fazê-la eterna – como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.
(Poesia de Mário Faustino, 1966)
Sinto que o mês presente me assassina
Sinto que o mês presente me assassina,
As aves atuais nasceram mudas
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre homens nus ao sul de luas curvas.
Sinto que o mês presente me assassina,
Corro despido atrás de um cristo preso,
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz esquerda
Ao beco de agonia onde me espreita
A morte espacial que me ilumina.
Sinto que o mês presente me assassina
E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas
De apóstolos marujos que me arrastam
Ao longo da corrente onde blásfemas
Gaivotas provam peixes de milagre.
Sinto que o mês presente me assassina,
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora
(Na libra escorpiões pesam-me a sina)
Há panos de imprimir a dura face
À força de suor, de sangue e chaga.
Sinto que o mês presente me assassina,
Os derradeiros astros nascem tortos
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre o morto que enterra os próprios mortos.
O tempo na verdade tem domínio,
Âmen, âmen vos digo, tem domínio
E ri do que desfere verbos, dardos
De falso eterno que retornam para
Assassinar-nos num mês assassino.
(O Homem e sua Hora, 1955)
Marginal poema 15
Item:
as estações
o que delas nos deixa capricórnio
rios cercando a folha
a nuca, a testa oblíqua sobre a folha
rios formam baía
rios param;
pinho, pasta, papel: creme de luz, luz creme
e tinta e noite e letra
o vácuo
é luminoso e flui
(é vago)
o negro é quem ocorre
e existe (exato)
obscuro
e obscuro igual a vago;
e da mesma maneira:
“deleitoso este livro neste inverno”;
neste, inverno, que mais
é primavera mais outono ou menos
o que em tudo persiste de verão
de luz sobre as baías: de ar molhado
sem peixes, com gramados
e automóveis fluindo
e da mesma maneira:
“onde estou eu?”
ela pergunta (no filme)
e dessa mesma
maneira as estações;
ou o que nos deixa o bode com seus cornos
em riste arremessando contra a própria
folha final (impressa)
corroída de espaço
e tempo
(“encontro-te em tal rua, às tantas horas”)
e da mesma maneira:
– a moça atleta deixa
cair mangas douradas em seu curso;
– as praias afinal completaram seu cerco
do maroceano,
jornais enrolam périplos, viagens
detidas nas manchetes –
em torno de seu fel o cálice endurece;
– este passando fome;
– aquele injustiçado;
– esta prostituída;
– aquela analfabeta
– estes desempregados, aquelas
aquelas abortando
nós, vós, eles
ameaçados, engambelados –
e as pálpebras se fixam: nas palmeiras,
cocos de sal vergando cílios duros:
o relógio, a baía, mastros, números
e da mesma maneira:
a folha mais a folha mais a folha
(papel, papel impresso)
parada de estações
retângulo de ser
e estar
item de preto igual a sono escuro
a tormenta soprava leste-oeste;
ou de ontem para hoje?
ou do norte para
amanhã?
ou do sul para sempre?
Ou do sul para sempre;
e da mesma maneira o dia: creme
salpicado de noite e nome:
aqui.
(Poesia de Mário Faustino, 1966)
Marginal poem 15
Item:
the seasons
which of them leave us Capricorn
rivers circling the leaf
the nape, the oblique forehead above the leaf
rivers form bay
rivers stop;
pine, pasta, paper: cream of light, light cream
and ink and night and letter
the vacuous
is luminous and flows
(is vague)
the black is what occurs
and exists (exact)
obscure
and obscure equal to vague;
and in the same way:
“delightful this book in this winter;”
in this, winter, what more
is spring more autumn or
the little that remains of summer
of light above the bays: of wet air
without fish, with lawns
and automobiles flowing
and in the same way:
“where am i?”
she asks (in the movie)
and in the same
way the seasons;
or that which leaves us the ram with its horns
drawn rushing head-long against the very same
final leaf (printed)
corroded from space
and time
(“meet me at a given street, at such and such hour”)
and in the same way:
— the girl athlete lets
fall golden sleeves in her course;
— the beaches finally complete their fence
of seaocean,
newspapers roll circumnavigations, travels
delayed in the headlines —
around her rage the anguish hardens;
— this one going hungry
— that one wronged
— this one prostituted
— that one illiterate
— these unemployed, those
those aborting
we, thou, they
threatened, cheated —
and the eyelids settle: on the palm trees,
coconuts with salt bending hard eyelashes:
the clock, the bay, masts, numbers
and in the same way:
the leaf plus a leaf plus a leaf
(paper, printed paper)
parade of seasons
rectangle of being
and to be
item of black equal to dark sound
the torment blew east-westwardly;
or from yesterday to today?
or from north to
tomorrow?
or from south to forever?
Or from south to forever;
and in the same way the day: cream
sprinkled with night and name:
here.
(Tr. Jennifer Frota and Douglas Messerli)
I feel this month murders me
I feel this month murders me,
The birds of late are born mute
And time in fact has dominion
Over men naked to the south of curved moons.
I feel this month murders me,
A free crowd behind a bound Christ,
Kind gentleman who loathes me
And attracts me to the shamelessness of the light left
At the alley of agony where he spies on me
The spatial death that illuminates me.
I feel this month murders me
And the temporal thief steals me the females
Of sailor apostles who drag me
The length of the current where blasphemous
Seagulls taste miraculous fish.
I feel this month murders me,
There is fighting in this dawn’s rosette,
There are bells of bitterness each hour
(In Libra Scorpios weigh me out a fate)
There is cloth to imprint the stiff face
The force of sweat, of blood and wound.
I feel this month murders me,
The final stars are born crooked
And time in fact has dominion
Over the dead who bury their own dead.
Time in fact has dominion,
Amen, amen, I say unto thee, it has dominion
And I laugh from what verbs brandish, darts
Of false eternity which return to
Murder us on a murderous month.
(Tr. Jennifer Sarah Frota and Douglas Messerli)