A recepção pelo registro nacional e às vezes identitário do empreendimento de ambição cosmopolita das vanguardas mostra algo que jamais foi novidade entre historiadores e sociólogos que se dedicaram ao Modernismo: o largo e franco uso desse “capital cultural” para ascensão ou confirmação de certas posições de elite. Das viagens de Villa-Lobos a Paris aos contatos dos primeiros modernistas com os experimentalistas europeus (e russos), isso não passa de um ovo de Colombo. Mas o que faz o cientista social que se debruça sobre tais aspectos “sociológicos” do Modernismo? Pode, por exemplo, fazer a lição de casa de um acadêmico que “adota” teorias e métodos de um campo aliás não menos internacional que o artístico, o campo acadêmico: pode aplicar as noções de ilusio, habitus, campo, trajetória de Pierre Bourdieu, para mostrar “como” se dão tais processos (e mesmo aqui a suposta “aplicação objetiva” desses métodos não é algo que deixe de revelar o quão um grande sociólogo exportador de teoria só o é na medida em que ele mesmo consegue ser também um grande escritor da sua prosa teórica, e não apenas um arquivista dedicado ou um longínquo reprodutor de procedimentos nas bordas mais periféricas do mundo intelectual). Todavia, a fruição estética e a análise sociológica de uma obra não se encontram em relações de causalidade ou de determinação direta, a ponto de autorizar ao sociólogo o proferimento de algum juízo a respeito da natureza das obras dos autores que analisa, exceto quando esse cientista é já, ele mesmo, um crítico de arte ou um artista capaz de fazê-lo sem sociologizar a arte. Se assim fosse, a teoria poderia operar como uma instância metacrítica capaz de definir as “regras do jogo” estético, o que ninguém pode sustentar como verdade. E isso é assim ao menos desde que Proust derrotou Saint-Beuve no debate sobre a explicação “sociológica” das vidas dos autores, debate ao qual, aliás, o próprio Pierre Bourdieu sempre esteve muitíssimo atento. Hoje os especialistas podem saber “como” o efeito aurático da suposta genialidade tende a apagar os acordos, as apostas, as reconversões e toda ordem mais discreta das injunções do conseguimento que propiciam o ápice da consagração. Mas esta, uma vez alcançada, dificilmente será “revogada” por uma exumação sociológica diacrônica, exceto se aí se demonstrar que houve o escândalo de alguma fraude. É preciso então reter, fazendo eco ao que aduz Ronald Augusto, que a sociologia não vinga a arte, que não é menos injusta e elitista que tantos outros domínios da aguerrida disputa social. A crônica supostamente alentada de uma longa (e às vezes tediosa) sucessão de intrigas e desavenças disfarçadas de dissensos de convicções pouco interessa ao público leitor e apreciador dos artistas, essa “variável” tão ausente das mais sofisticadas teorias sociológicas que pretendem dedicar-se à literatura e às artes.
Omar Ianfusbac