Nota sobre o Dia Internacional da LÍngua Materna
Mafalda Mendes
Do “Expresso África”
O Dia Internacional da Língua Materna, que se comemora em 21 de Fevereiro, instituído pela UNESCO, para dar visibilidade à diversidade linguística e cultural da humanidade e promover a sua salvaguarda, passa quase sempre, entre nós, despercebido. Os média portugueses optaram por projectar a imagem hegemónica dos 250 milhões de falantes lusófonos, herdada do passado colonial, e ignoram as inúmeras línguas maternas autóctones da demografia dita lusófona, algumas delas em extinção iminente, as restantes, se continuarmos a não falar delas, ameaçadas a médio ou longo prazo: 187 línguas no Brasil (30 em extinção), 41 em Angola, 1 em Cabo Verde, 20 na Guiné-Bissau, 42 em Moçambique, 3 em São Tomé e Príncipe e 19 em Timor. É também para elas este dia.
É usualmente esquecida a diversidade de línguas maternas da actual demografia portuguesa. Ainda que sem censos sensíveis ao parâmetro linguístico, é fácil verificar que Portugal não é um país monolíngue. Basta passear, ouvidos alerta, pela zona do Martim Moniz-Rossio, pela Amadora, pelos cafés do país, ou descer à loja chinesa da esquina. Sabem-no também os professores, apanhados desprevenidos no seu monolinguismo de formação. Um inquérito realizado em 2004/05 pelo Ministério da Educação sobre uma amostra dos alunos do ensino público, a ser lido apesar das deficiências metodológicas, identifica cerca de 83 línguas faladas em família. À cabeça da lista, o português fala-se apenas em 68,7 por cento dos lares da amostra; depois, agrupadas, as línguas crioulas da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, faladas em 17,5 por cento das famílias; entre os 6,4 por cento e o 1 por cento, o ucraniano, o inglês, o russo, o francês, o romeno, o alemão, o mandarim (2,4%), o castelhano e o neerlandês. As restantes cerca de 70 línguas situam-se no intervalo 0 por cento -1 por cento e em conjunto alcançam 6,2 por cento. O projecto Diversidade Linguística na Escola Portuguesa, com uma amostra diferente, aponta para 58 línguas faladas em família pelos alunos.
Nos anos passados ignorou-se o potencial de enriquecimento que as línguas minoritárias ou menos prestigiadas, e os seus falantes, se devidamente valorizados e enquadrados no contexto lusófono, poderiam representar para o património cultural comum, que assim ganharia em complexidade e nos deixaria a todos mais aptos para atender às necessidades de comunicação de um mundo globalizado e multilingue. Os falantes das várias línguas são, afinal, o mais precioso capital humano para o estabelecimento de laços entre as culturas.
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