Rita Dahll é finlandesa e é fluente em português europeu. Optei por publicar seus textos na seção Mapa da língua e optei também por preservar erros gramaticais (“a contribuição milionária de todos os erros”, como afirmava Oswald de Andrade). A poesia de Dahll, em português, é um caso interessante de writing across. Régis Bonvicino, em 2012
Porto
Como dizer em palavras a beleza no horror, de mão dada
um casal atrás das cortinas, das paredes demolidas, jazz
injectado da agulha para as veias, camadas múltiplas de roupa
vestindo mendigos há décadas, década
que escapa para longe, magnífico
Majestic de candelabro brilhante, em branco
criados trazem café, membros rápidos,
espelhos habituados à verdade dos espelhos
nem a mim me mentem, a mim cuja face é mais pálida
que o café e os meus vizinhos com vozes roucas, porque
é que
edifícios neoclássicos, manuelinos e barrocos que louvam o esplendor
do ser humano, onde foram despendidos centenas de quilos de ouro, tudo o que o ser humano
pôde arcar nas suas mãos, a cancão rouca nos degraus da Capela das Almas, porque
pelo pó branco há que trabalhar duro, para estar sentado
com mão estendida frente ao Pingo Doce, gritar até a garganta
ficar sem voz, até os passantes pararem, olhando solícito nos olhos,
pedindo moeda, impondo Cais a alguém, revista
incluindo horóscopos por um ano, nada
sera vendido mas pode sempre dar-se uma esmola, algumas
moedas cuja vida no fundo do bolso seria prolongada em
vão, há que circular em divisas líquidas
os restos das muralhas
nada sabem disso, consumaram facilmente a dureza no mundo
mole de primos e vizinhos, sobem
as escadas vermelhas em forma de oito
para beber um café no cadeirão azul, descansam
no meio da fonte refrecante dos livros enquanto os outros
trabalham dia e noite pelo fino pó branco, seja o que for
oh Porto não te dei tempo bastante, acreditei
de mais na tua parede demolida e nos teus frágeis ossos, nas janelas
partidas, no cheiro da urina nas ruas, nas pinturas murais, embora
a caixa de cartão à esquina da rua seja mais quente do que o quarto frio da pensão, onde
me embrulho em muitas mantas como banana na casca e fecho
as janelas desta casa.
Stora Karlsö II
Estamos em poder das grandes forzas de natureza, muito mais poderosas
do que uma chuva tremulando um pouco, um trovão golpeando como uma pena.
Os sentimentos lançam-se duma gruta à outra. deixam-se no escuro sem comida e bebida.
Da gruta vem o som infernal danteano dos aves nidificando,
Deús enflure-se jogar for a água com raíva
as goats transformam-se em pérolas na superficie do lágo borbulhando.
Adotaría esta gaivotabanhando-se feliz na chuva
se ela precisasse algo mais que o pão da minha mão.
Isso é suficiente por enquanto para todos nós.
Will Wöhler se chamava um piráta, posáva nas imágens com um rifle na sua mão
mas fazía tambem os atos de misericórdia para esta pequena ilha das aves e seus animaís
em frente da Gotlândia.
A casa das pescadores é illuminada por uma pequena lampâda, as aves vêm e vão
os sentimentos azuís e vermelhas nessa noite de Julho
no quarto cheirando à alcatrão flutua uma peça de Madeira só
saltando pelo vento, abate-se sobre a rocha, juntando ao redor dela os anos dos anos
dum fossil, rodeando pela figura em espiral.
Um muro da cidade Visby
A noite desce aos muros da cidade, uma parede azul,
nenhuma alma viva perto.
De uma fonte antiga corre
a àgua pelas escadas astuciosas
os estratos da concha na concha na area da praia.
É trópico, os lábios escuros da noite,
as ondas balancadas do Atlântis e
o fado dentro de uma taverna fechada
apresentada pela cantora fantasmagórica
tudo, imaginado nesse momento.
As ondas batem com a força
nas pedras da praia, muito duro
atravessar costas mas arqueadas
dos cisnes até o horizonte.
castanhas descem pelos decénnios
na nica do transeunte, as folhas farfalham
as notas moeda misteriósa
mais desconhecida do que o amor.
No colo de fecha de Kärleksporten
dobramo-nos violentamente.
A noite de San Felipe del Agua
À noite barulham os tambores do longe. Os foguetes ecoam como cada dia fosse uma festa. Os jóvens correm pela mesma Estrada talvez para a cidade, às festividades, o barulho dos tambores. O cão insistente ladra ao outro oú esperando um outro. As mascaras caem finalmente no chão. O grilo duma nota tira a serenata mais alargada da noite. Depois de ter apagado a última luz atrás da parede oú no telhado, o turno da noite do insecto começa, que o acaba às duas horas da manhâ. Os carros param só às três, quando ninguém quer chegar à cidade oú à casa o falatório nunca acaba, uma tentative matra-queada de unidade com as línguas que não conheçem o seu portador oú portadores, que não conheçem a sua lingual, as dimensões dela. O grilo monôtono continua ainda quando todos já se deixaram levar.
El Corazón del Tiempo
O coração do tempo é feito das folhas em forma de meia despedaças pelos sapatos da caminhada, machucados bolas do papel amarratados tronos falando na noite verde, a haste do feijão, avágem e o João a vontade e os colibris faladores do céu; é feito deles e muitas outras coisas acoração do tempo. O coração do tempo fala só para quem não sabe porque eles que sabem, já não têm tempo para o ouvir. O tempo em si mesmo já passou porque não pode ser preso num molde escorre sempre pelos desvão escapa até o horizonte mais longe, não pode ser domesticados, como o coração pode ser impedido de bater mais vezes, o coração que já perdeu a esperança, o nome, o espelho e a imágem, porque o coração é sempre novo, em cada nova batida, atravessa montanhas mesmo quando quem o porta dorme, não leva dentro de si uma só imágem que fosse mais valiosa que outra, é um coração democrático, bate, bate, bate, quando o sol escurece no céu e o canto do ultimo passáro se cala ao longe, contudo bate sem pausa até quebrar-se uma pedra, uma cadeia, uma imágem, um imaginário, qualquer coisa que faça o vento soprar as núvens movimentar-em-se, uma pessoa esquerecer-se, lembrar-se o tempo quando a floresta era a casa do coração vivía ao céu aberto com os pássaros até começarem os preocupações…
A manhã de San Felipe del Agua
Olhos presos ao rede dos insectos que caiu levantam-se devagar do escuro à luz. Acendo a luz, aberto a janela. Continuam explosões. Os cachorros sem pelos ladram à manhã. Alem disso acaricio o Zulu em cuja cabeça pendem só alguns fios broncos de cabelo. O carro insistente barulha uma única melódia: “Oaxaca”. Isso é escrito à pele da gente escura. A alma cãe-se como uma folha dum árvore em frente da janela O colibri concha ao lado do tronco sem saber onde ir. Logo ele sube em cima dos telhados. As tampas de lixeira são elevados e baixados. O sangue corra pelos corpos deled à terra. O chá de manhã no jardim cor de laranja com os pássaros gordos como companha. Essa quem barulha eu já conheço; ela tem o nome na minha mente. Um bigode cresce-se em dois dias. Os carros vão e vêm de lá para cá, a mesma voz sem o tom. Mais uma vez eles chegam. O mundo, nesse momento leve, pesado, o toque da asa do colibri.
Traduções por Rita Dahl, com revisão Jorge Melícias
RITA DAHL é escritora e jornalista de freelance que nasceu em 1971 em Vantaa, na Finlândia. Publicou os livros de poemas Kun luulet olevasi yksin (Loki-Kirjat, 2004), Aforismien aika (PoEsia, 2007), Elämää Lagoksessa (ntamo 2008), Aiheita van Goghin korvasta (Ankkuri 2009), Bel canto nieriöille (Kesuura 2010). Támbem publicou um livro da viagem sobre Portugal, O Encantador de Milles Escadas (Avain 2007), uma coleção dos artigos Kuvanluojat das artistas visuaís finlandesas que morreram jóvens, poetas jóvens finlandeses e escritoras internacionais (Kesuura 2009) A liberdade da palavra finlandizada (Multikustannus 2009) e o livro de viágem, Savukeitaan Brasilia (Savukeidas 2011). Foi responsável pela revista de poesia Tuli & Savu, em 2001, e também pela revista cultural Neliö (www.page.to/nelio). Editou uma antologia The Insatiable Furnace (Like 2007) escritoras da Ásia Central e de outras regiões do mundo, que foi publicado ao mesmo tempo com um encontro das escritoras da Asia Central em Helsinquia no Agosto 2007.