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Miriam Adelman: Dois poemas meus

Ramadan

Não tinham como se entender.
O encontro veio por acaso,
Cada um chegando do seu ponto cardinal
ao centro da praça, onde os turistas desciam
dos charretes para fotografar serpentes mansas,
cegos e domadores de camelo,
numa febre só.
Por filosofia entendiam palavras diferentes,
e à cada coisa a imagem que havia por trás
ou por dentro
se pintava em tons distintos,
como “quarto”, “cortina” ou “venha comigo”.
Foi apenas um momento que suspendeu os rumos:
Cruzar juntos uma antiga ponte de pedra e
ouvir o mesmo som do rio balançando embaixo,
esperar o sol
quente ceder ao momento da noite,
ao banquete e um lugar onde os corpos
virassem água. Onde viria o desfile
dos cavalos de todas as cores, e um
vento do deserto ou
melhor dito, uma brisa leve
com a qual seria possível
conviver. A mesquita no alto não destoava:
era puro encanto, como uma diferença a mais,
algo talvez para diminuir a sua, embora
descifrar-se em alguma noção comum
do humano
nunca fora suficiente.

Quando chegar a primavera

Quando chegar a primavera
não irei me surpreender
com o sol repentino
ou tua mão fria
posando na minha nuca.
Nas estradas que um dia
amanheceram brancas
haverá apenas a esperança
sutil
de um calor que dure mais um pouco
de cores pequenas que despontem
do jasmim ou dos juncos que crescerão
na terra molhada,
e eu terei mudado em alguma coisa
desde o lugar onde hibernei
com meus ursos mansos
no oco de uma árvore esculpida
por décadas, saboreando apenas
amoras doces e cenas da vida,
e se por acaso houver alguma
aprendizagem,
será apenas das mais simples, com
as patas no barro escuro e fresco,
sabendo das chuvas e dos caminhos
enganosamente infinitos.