André Cechinel: Em Uma Teoria da Adaptação, sua intenção é abordar as “adaptações como adaptações”. Você poderia falar um pouco mais sobre isso?
Linda Hutcheon: Se vou ao cinema sem saber que o filme É uma adaptação, ou sem conhecer O QUE ele adapta, eu simplesmente assisto ao filme, com pouco contexto anterior. Se já li o romance no qual o filme foi baseado (e, na realidade, posso ter deliberadamente ido ao cinema porque li o romance e fiquei curiosa para ver como ele foi adaptado), terei uma experiência totalmente diferente. Enquanto sento lá e assisto ao filme, estou sempre oscilando entre o que lembro do romance e o que vejo na tela e ouço na sala. Para algumas pessoas, isso será uma experiência agradável; para outras, será uma verdadeira tortura. Por quê? Porque a imaginação do diretor não é necessariamente a nossa. Quando lemos, nós “escalamos” os personagens, ou pelo menos formamos imagens visuais rudimentares de como esses personagens parecem, agem e falam. A ideia do diretor pode não ser a nossa, mas ele tem o poder! E, é claro, o romance terá sido cortado a fim de adequar-se ao tempo de execução de um filme, e o diretor pode ter eliminado coisas que NÓS sentimos que são cruciais ao enredo, ao desenvolvimento dos personagens, ao impacto moral etc. Foi o meu fascínio por essa experiência duplicada, palimpséstica e oscilatória que me levou a tentar teorizar sobre as adaptações – como precisamente isso: adaptações de obras anteriores.
AC: A paródia também mantém uma ligação estreita com os seus “alvos”, correto? Dessa forma, como que Uma Teoria da Adaptação se relaciona com sua obra anterior, Uma Teoria da Paródia? A paródia também pode ser vista como uma adaptação?
LH: Você está absolutamente certo. A paródia é uma forma de repetição irônica com diferença crítica; então, nesse sentido, é uma forma de adaptação, mas uma forma bastante particular. Creio que para que algo seja chamado de paródia, deve haver essa distância irônica. Agora, algumas adaptações claramente têm essa distância do texto adaptado, mas certamente nem todas. De fato, a ubiquidade do que é chamado de “crítica da fidelidade” nos estudos de adaptação sugere que o que interessa nas adaptações é a proximidade, não a distância, da obra adaptada: os críticos e leitores/espectadores estão inclinados a se pronunciar sobre a forma como a adaptação é (ou não) parecida com o “original” (um termo muito carregado de associações românticas para o meu gosto). Se um adaptador assume uma postura irônica em relação a essa obra, suspeito que diríamos tratar-se de uma paródia. Nós inferiríamos o propósito de comentar criticamente (seja gentilmente ou, é claro, de modo devastador) o “original” – algo que uma adaptação padrão raramente busca fazer. Se os criadores de um jogo de videogame desejam adaptar um filme, eles geralmente querem evocar o poder e a popularidade do filme, NÃO fazer um comentário crítico através da ironia. Quanto à sua pergunta sobre a relação entre os dois livros: durante os vinte anos de intervalo entre o livro sobre a paródia e o estudo sobre a adaptação, passei intelectualmente de uma perspectiva mais formalista e semiótica (embora sempre preocupada com a recepção do leitor) para uma visão mais ampla e culturalmente estruturada. O impacto do feminismo, dos estudos pós-coloniais, da queer theory etc. me ensinou (ensinou a todos nós) que as obras de arte existem dentro de um contexto social e cultural que afeta/condiciona o seu significado. É por isso que, com o livro mais recente, tratei de temas como “indigenização” transcultural. Será que um romance alemão pode ser “traduzido” para uma adaptação facilmente próxima na América do Norte ou na Índia? E será que esse novo contexto também modifica nossa perspectiva sobre o texto adaptado?
AC: Em vez de focalizar determinadas mídias em particular, Uma Teoria da Adaptação investiga “o contexto mais amplo dos três principais modos de engajamento com as histórias (contar, mostrar e interagir)”. Em termos de estudos de adaptação, o que essa mudança representa?
LH: O que eu queria era me afastar do que via como procedimento dominante nos estudos de adaptação: o estudo de casos individuais. Na maioria das vezes, isso significava o estudo de um romance, em particular, e sua adaptação cinematográfica. Pareceu ser a hora de fazer uma série de coisas: 1) fugir do controle exercido pela literatura-para-o-cinema no discurso crítico, especialmente tendo em vista as adaptações para as novas mídias surgindo diariamente; 2) evitar ser capturado por debates acerca da “especificidade midiática” e todas as suas autocontradições; 3) recuar e tentar “teorizar” sobre o que ocorre no processo de adaptação em termos mais amplos. Para tanto, decidi adotar uma perspectiva diferente: observar como podemos nos envolver – e, de fato, nos envolvemos – com as histórias. Os textos podem CONTAR histórias; eles podem MOSTRÁ-LAS; ou podemos INTERAGIR com elas. As adaptações frequentemente envolvem a mudança de um modo de engajamento para outro. Assim, a passagem do romance ou conto para o cinema (e aqui está a diferença em adotar essa perspectiva, também a passagem para o teatro, a ópera, o balé, a música, os musicais etc.) é uma passagem do contar para o mostrar, do impresso para o performativo. As mudanças necessárias afetam tanto o visual quanto o auditivo nestes modos de adaptação. Muitas vezes, contudo, a passagem na adaptação ocorre de um modo de mostrar para outra forma desse mesmo modo (como no caso da adaptação de uma peça de teatro para a televisão, da ópera para o cinema). Embora todas sejam mídias performativas, elas diferem radicalmente em suas convenções (no que diz respeito ao realismo, por exemplo), e essas diferenças devem ser consideradas por qualquer teoria da adaptação através das mídias. Com as mídias digitais e os videogames, passamos para um modo interativo, e não importa se a obra adaptada pertence ao modo mostrar ou contar, mudanças significativas devem ocorrer quando a participação direta do público entra em cena. Essa é uma resposta longa à sua pergunta, mas uma resposta mais breve seria: tal mudança nos oferece outra maneira de abordar a estrutura, o funcionamento da adaptação.
AC: “A arte deriva de outra arte; as histórias nascem de outras histórias”. No entanto, na crítica acadêmica, por exemplo, “as adaptações populares contemporâneas são com frequência vistas como secundárias, derivativas […]”. Existe alguma razão para essa visão negativa em torno da adaptação?
LH: Penso que a razão é histórica e ideológica: por mais de duzentos anos, a cultura ocidental esteve totalmente sob a influência da ideologia do romantismo, que valoriza somente a obra de gênio, original, única (sem dúvida, isso foi uma resposta à valorização (neo)clássica da imitação). Quando você acrescenta a isso o controle exercido pelo capitalismo sobre quem é o “dono” da obra de arte (a chamada lei de direitos autorais), você acaba com essa ênfase romântico-capitalista na criação como propriedade de um bem único e original. As novas mídias têm seriamente desafiado isso hoje, e as profissões jurídicas prosperam através de ações contra o “roubo” e o “plágio” de materiais por meios digitais, ao mesmo tempo em que as forças capitalistas buscam conter o fluxo dessa reformulação radical da questão da originalidade. Mas todos, de Northrop Frye a T. S. Eliot, nos ensinaram que a arte – literária, visual, musical ou o que quer que seja – é criada a partir do nosso conhecimento de outras artes, e as teorias da intertextualidade, que floresceram desde o final dos anos 60, mostraram como esse diálogo textual funciona. Todas as obras, nesse sentido, são secundárias; toda arte deriva de outra arte. As adaptações apenas são as próximas da fila.
AC: Quais têm sido as suas preocupações teóricas desde Uma Teoria da Adaptação?
LH: Decidi deixar momentaneamente de lado o diálogo textual (adaptação, paródia, pós-modernismo etc.) para me concentrar numa nova área de estudo: a instituição da resenha crítica. Penso que este é o momento certo para estudar a ética, a política e a economia da “resenha crítica” (de todas as coisas, de livros a filmes, de restaurantes até acadêmicos em busca de promoção): a internet democratizou radicalmente a prática da crítica. O crítico profissional está cedendo espaço à avaliação do cliente e do blogueiro. Também sigo com o trabalho em colaboração com meu marido, Michael Hutcheon. Estamos trabalhando em nosso quarto livro juntos, sobre a interseção entre a história médica e cultural, utilizando a ópera como nosso veículo de análise. Agora o tópico é o “estilo tardio”: a avaliação e recepção das últimas obras de compositores que levaram uma vida longa e produtiva e nos deixaram evidências (cartas, jornais) de suas respostas ao envelhecimento e à sua própria criatividade em seus últimos anos.
*André Cechinel é ensaísta, tradutor e doutor em literatura pela UFSC.
Linda Hutcheon, Doctor of Letters
Linda Hutcheon is one of the definitive voices in postmodernist theory. She has taught internationally, at McMaster University and York University. She is currently a university professor in the Department of English and the Centre for Comparative Literature at the University of Toronto.
Hutcheon built her international reputation as a literary theorist on the strength of her many books including Narcissistic Narrative; The Politics of Postermodernism; A Theory of Parody: the Teachings of Twentieth-Century Art Forms; and Irony’s Edge: The Theory and Politics of Irony. She has become one of the “unavoidable” postmodernist critics.
Hutcheon is also an emerging critic of opera, having published, with her husband, two books on that subject. She has translated the work of Québec writers and co-edited Other Solitudes: Canadian Multicultural Fictions. More recently, she co-directed a project designed to study literary history using a new comparative model that has led to multi-volume projects on the comparative literary history of Latin America and East Central Europe.
She has received the Northrop Frye Award for integrating teaching and research. She is a Fellow of the Royal Society of Canada and the holder of honorary degrees from the universities of Antwerp, Helsinki and Western Ontario, as well as Concordia University.