Em “Sobre a erudição e os eruditos”, ensaio escrito em meados do século XIX, Schopenhauer afirma que “os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possuí-la”. Segundo o filósofo alemão, os professores teriam por objetivo somente a informação e não a instrução, “não ocorre a eles que a informação é um mero meio para a instrução”. Schopenhauer prossegue: “diante da impotente erudição de tais sabichões, às vezes digo para mim mesmo: Ah, essa pessoa deve ter pensado muito pouco para poder ter lido tanto!”.
Na conclusão do filósofo, “escrever e ensinar em demasia também desacostumam os homens da clareza e profundidade do saber e da compreensão, uma vez que não lhes sobra tempo para obtê-los”. Se no século XIX a distinção entre o saber e a instrução ocupou o pensamento de Schopenhauer, no século XX o pensador e sociólogo francês Pierre Bourdieu se debruçou mais especificamente sobre “os professores ordinários”, ou medíocres, que gozam de múltiplos poderes dentro de suas instituições acadêmicas.
Em Homo academicus (Ed. da UFSC, 2011), Bourdieu alerta para o fato de que “o capital universitário se obtém e se mantém por meio da ocupação de posições que permitem dominar outras posições e seus ocupantes”. Os membros de bancas de concursos, comitês consultivos etc. têm o poder sobre as instâncias de reprodução do corpo universitário, e esse poder, diz Bourdieu, “assegura a seus detentores uma autoridade estatutária, espécie de atributo de função que está muito mais ligada à posição hierárquica que às propriedades extraordinárias da obra ou da pessoa…”.
Nesse jogo de poder universitário, nem o mérito nem a erudição do professor seriam levados em conta, por isso, não raras vezes, ainda hoje nos perguntamos, como o fez Bourdieu: “como um tipo tão nulo pôde chegar praticamente ao topo?”.
De acordo com Bourdieu, “a consideração do valor intelectual é muito menos importante (…) do que o poder propriamente universitário. Eu penso em Z, que fez uma tese que é considerada pela maioria das pessoas como uma tese ruim: é alguém que tem um poder na Universidade muito maior do que aquele que teria se dependesse de seu valor intelectual (…)”. A propósito, é Z, muitas vezes, quem acumula participações em comitês e comissões, as quais absorvem, alerta Bourdieu, a maior parte de seu tempo e lhe ampliam certamente o poder, mas não lhe dão erudição.
O poder acadêmico, lembra Bourdieu, supõe a aptidão e a propensão para interpretar possibilidades oferecidas pelo campo acadêmico: a capacidade de ter alunos, de fazer com que permaneçam sempre em relação de dependência… Ou seja, “supõe talvez antes de tudo uma arte de manipular o tempo dos outros, ou, mais precisamente, o ritmo de sua carreira, de seu curso, de acelerar ou de adiar realizações tão diferentes quanto o sucesso nos concursos ou nos exames, a defesa de tese, (…)”. Essa “arte”, na maioria das vezes, só é exercida com a cumplicidade “mais ou menos consciente do impetrante, mantido (…), até uma idade bem avançada, na disposição dócil e submissa (…) que caracteriza o bom aluno de todas as idades”.
Conclui, então, Bourdieu: “o poder universitário consiste assim na capacidade de agir sobre as esperanças – elas mesmas apoiadas de um lado na disposição para jogar e no investimento no jogo, e de outro na indeterminação objetiva do jogo – e de outra parte sobre as possibilidades objetivas – delimitando sobretudo o universo dos concorrentes possíveis”.
Diria que as teses de Schopenhauer e de Bourdieu, somadas, oferecem um instigante retrato de certo homo academicus, cujos traços mais marcantes não diferem, hoje, daqueles já destacados por esses pensadores nos séculos XIX e XX.