E daí um dos meus alunos com o cabelo azul e um piercing na língua
Me disse que a América é para ele uma prisão de segurança máxima
Seus muros feitos de Radio Shacks e Burger Kings e episódios da MTV
Onde programas e comerciais se confundem
E enquanto eu pondero como lhe dizer que ele só fala merda
Ele relata que mesmo quando vai rumo ao shopping no seu Isuzu
Trooper com seu bando de amigos, a música rap derramando sobre eles
Como uma hidromassagem fervente cheio de martelos de metalúrgico,
mesmo nesse então
Ele se sente enterrado vivo, preso e asfixiado nas dobras
Do volumoso edredom de seda da América
E eu me pergunto se é esta uma legítima categoria de dor
Ou só enrolação para granjear uma boa nota
E daí eu lembro que quando eu apunhalei meu pai ontem no meu sonho
Não era sangue senão dinheiro
Que jorrava dele, resplandecentes notas verdes de cem dólares
Que saiam das suas feridas – e é esta a parte estranha -,
Que ele arfava “ Graças a Deus – esses Ben Franklins estavam
Entupindo meu coração –
Assim eu morro tranqüilamente
Liberado daquilo que me impedia a liberdade”
E foi nesse momento que eu percebi que era sonho, porque meu pai
Nunca ia me falar em estrofes rimados,
E eu olho para esse aluno com seu acne e seu telefone celular
e sua roupa de vileiro falso
E eu penso “Eu também estou na América dormindo
E também não sei como fazer para acordar”
E daí eu lembro o que o Marx falou perto do final da sua vida:
“Eu estava ouvindo os gritos do passado
Quando devia estar escutando os gritos do futuro”
Mas como que ele ia imaginar os cem canais de tv a cabo 24 horas
Ou que tipo de pesadelo seria
Quando todos os dias você assiste passar os rios coloridos de mercadorias
E você boiando no teu barco de prazer neste rio
Mesmo enquanto os outros se afogam embaixo de você
E você vê seus rostos retorcidos na superfície das águas
E a mão que fica aumentando o volume
parece ser a tua?