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Imaginação Pataquérica

Nota introdutória e tradução de Aurora Bernardini [imagem em destaque: Susan Bee]

Tal como o título sugere, trata-se de um texto-provocação de Charles Bernstein (publicado pela Chicago University Press em 2016 no livro Pitch of Poetry) em que se abordam, através de ajustes/ataques (fits), textos poéticos que admitem conceitos contraditórios (antinomianismo) na interpretação/performance de sua formação (midrash). Os bent studies, ou estudos torcidos (como a colher que se dobra, do mágico – explica o autor), trazem à baila os protagonistas abaixo – dramatis personae verticais x  horizontais: os que defendem , em última análise, a poesia inovadora contra os “classicalistas”, que a excluem das aulas e das antologias.  A essa poesia inovadora Charles Bernstein atribui uma imaginação pataquérica – inspirando-se quiçá em Alfred Jarry, o pai da patafísica – um termo plurívoco, com uma porção de derivados. O pataquericalismo, por exemplo, é o fantasma que ronda a “poesia oficial”, a que é imediatamente inteligível e que combate a poesia ambígua que faz pensar e que quer ser decifrada, como é o caso curioso dos poemas de Emily Dickinson e de seus marcos desgarrados ou traços errantes, enfim: sinais particulares, não linguísticos, que foram atropelados pela crítica oficial. Guerras poéticas sempre existiram, com resultados ora revolucionários, ora “mediocráticos”, mas, nessa nossa época, a sociedade “necrohumana”  estabeleceu novos híbridos, novas condições de normalidade, novas formas de ser “correta”,  no lugar das antigas: a poética da acomodação e da assimilação, nos Estados Unidos bastante alinhada com os valores de muita poesia e crítica americana da Guerra Fria. Os ingredientes que deram origem a essa sociedade  e a essa poética são estudados,  de forma arguta , mas também jocosa em Com(op)osicionalidade e na série de tópicos  que precedem  o sétimo: O princípio Poético da Pataquésica, Edgar Allan Poe, para Bernstein, seria um de seus fundadores. Junto com O abstrato humano, em que é invocado, o poeta William Blake,  é uma verdadeira aula de teoria literária. A aula prossegue até o fim do ensaio,  entrelaçando aforismos, elencos, citações, achados, divertindo o leitor, mas também desafiando seus conhecimentos e atiçando sua clarividência. AB

O Antinomianismo Midrashico e a Promessa dos Bent Studies*

Uma Fantasia em 140 Ajustes

Dramatis Personae

Edgar Allan Poe

Emily Dickinson

William Carlos Williams

William Blake

Hart Crane

Walt Whitman

Stéphane Mallarmé

Ralph Waldo Emerson

Ludwig Wittgenstein

Fanny Brice

Superintendente Fenza & the Graeae[1]Conterrâneos, Cadetes, Soldados, Macacos, um Médico Francês, Porteiros, um Homem Velho, Aparições, Bruxas, Professores, Poetas, Lordes, Senhores, Senhoras, Oficiais, Assassinos, Funcionários e Mensageiros

 

La palabra más bella del idioma es extranjera

Bárbara o Barbara

Todos los hombres son mortales también el shock lender es

El concepto más bello de la lengua

¿Sabotaje?

Prestábamos

Se lo digo a Usted, no a ellos

“Búsquense una nueva casi porque la vieja se está des”

A palavra mais bela do idioma é a estrangeira

Bárbara ou Barbara

Todos os homens são mortais, inclusive o credor-choque (shock lender)**

O conceito mais belo da língua nativa

Sabotagem?

Costumávamos emprestar

Digo a vocês, não a eles

“Procure-se uma nova quase porque a velha está des ”

Jorge Santiago Perednik, trans. Molly Weigel, de The Shock of the Lenders

Depois de Auschwitz a poesia deve sem dúvida ser bárbara; deve ser estranha para as culturas  que produzem atrocidades. Disso resulta que o poeta deve assumir uma posição bárbara, tomando uma postura criativa, analítica, e muitas vezes de oposição, ocupando ( e sendo ocupado pela) estrangeiridade – pelo barbarismo de ser estranho.

Lyn Hejinian, “Barbarismo” (The Language of Inquiry)

STEHEN, im Schatten

des Wundenmals in der Luft.

ESTAR DE PÉ, na sombra

do estigma no ar.

Paul Celan, trad. Pierre Joris

Of the maimed, of the halt and the blind in the rain and the cold—

Of these shall my songs be fashioned, my tales be told.

Do aleijado, do imobilizado e do cego na chuva e no frio –

Desses serão formados meus cantos, meus contos contados.

John Masefield, “A Consecration”

  1. [facsimile]

Há um fantasma rondando a cultura  poética oficial  e esse fantasma se chama pataquericalismo.Todas as forças entraram numa aliança nepohumanista para exorcizar este espectro: Os programas do Associated Writing, o Pulitzer,  o New Yorker e a New York Review of Books, poetas elípticos e centristas  híbridos.[2]

Na duas décadas passadas o estrangulamento dos poemas-voz-cênica da Guerra Fria arrefeceu graças à pressão das in(ter)venções literárias do grupo L=A=N=G=U=A=G=E

e  de seus parceiros que  permitiram um indício de florescimento nas estufas da cultura da poesia oficial. As formas demonizadas algumas décadas atrás são agora acolhidas como marcos de uma nova inclusão, uma abordagem leal e equilibrada dos diferentes estilos poéticos , fato que indica não o fim da ideologia poética, mas uma parada por tempo indeterminado.

É o momento bom para que os pataquericalistas exibam abertamente, ao inteiro mundo da poesia, seus pontos de vista, exponham a que vieram, parodiem suas próprias tendências e recebam  esse conto do velho marido*** do fantasma dos Bent Studies (Estudos Dobrados) com um cabum!&buzinaço&um he-ho-hah. A história de toda a poesia que tem existido até agora é a história das lutas pataquéricas. Normal e perversa, elitista e vernácula, com metro e sem metro, em verso ou sem verso, nacional e de fora, culta e inculta, correta e incorreta, ousada e não ousada,branca e preta, judia e não judia, pombal e pardalina,fantasiosa e imaginativa, pura e miscigenada, assimilada e idiolética,  dominada e dominadora – são oposições que sempre existiram e que trouxeram consigo uma luta ininterrupta, ora aberta, ora encoberta, que, toda vez, terminava ou numa reconstituição revolucionária da poesia em sentido amplo, ou no triunfo da mediocracia. A moderna sociedade necrohumana que germinou das ruínas das guerras poéticas não acabou com esses antagonismos. Estabeleceu novos híbridos, novas condições de normalidade, novas formas de ser “correta”, no lugar das antigas.

 

II.

Disse à minha mulher que a água está demasiado rasa. Ela me respondeu para esperar até que eu entendesse melhor a coisa.

 

III. Com(op)posicionalidade

No Wordsworth’s Philosophic Song, Simon Jarvis combate uma premissa corrosiva quanto à crítica ideológica .[3] Em The German Ideology, Jarvis lembra que Marx atribuiu aos  idealistas conhecidos como os “Jovens Hegelianos” uma hybris iconoclástica: a assunção de que, por estarem desmascarando a falsa consciência – derrubando ídolos –eles estariam libertando a si próprios dos ídolos, uma vez por todas.  O erro dos Jovens Hegelianos foi o de entender o desmascaramento, a desmitificação, como um fim em si mesmos e não como uma parte do processo dialético da crítica – isso para utilizar um desvio antes emersoniano do que marxista, um processo sem ponto final, mas que , como a garrafa de Klein, volta sobre si próprio ( ou então , como os suéters da velha loja de departamentos  Klein, que estão sempre sendo vendidos pelo preço mais baixo).

O legado do romantismo ronda a imaginação poética contemporânea.

A ideologia romântica, conforme o sentido que lhe foi dado por Jerome McGann’s, subscreve a ideologia hegemônica da poética pós-guerra dos EUA–

ou seja, que a poesia, graças a suas juras de sinceridade lírica ( lírica alta) e artesania refinada ( bem nascida) pode ser uma expressão universal do sentimento humano.[4] A poesia, em suas formas mais altas e frequentemente mais  baças, é capaz de transcender  querelas partidárias e tomadas de posição que levam a divisões. É um baluarte  contra as tiranias  inumanas do hipernacionalismo,  do fascismo, e do pensamento  de Pol-Pot-Stálin-Mao-Tse-Tung: regimes esses de violência totalitária que são uma afronta à humanidade. Só que essas irrupções monstruosas são inteiramente humanas e nos definem tanto quanto o sentimento moral ou a conduta ética.

Em nossa época a tensão dominante da cultura oficial da poesia define-se por acreditar que está acima da briga de interesses particulares, das querelas de grupos e de movimentos. O recente surgimento de uma poética elíptica e híbrida é uma prova disso, pois não se trata de um movimento, mas de uma estratégia para conter desafios[5] ideológicos,  históricos, destrutivos e desregulados –o que quer dizer estéticos.

Trata-se de uma poética de assimilação e de acomodação  e – enquanto tal–

bastante alinhada com os valores de muita poesia e crítica americana da Guerra Fria.

Não se pode escapar de uma ideologia estética, apesar da fervorosa insistência dos idealistas equilibrados  e de boa fé que recusam o excesso, a dissidência,  e a oposição —

ou seja, a aversão aos três  adjetivos: estranho, quixotesco e quérulo.

A repressão da ideologia estética sob a bandeira da convenção, da acessibilidade, do compromisso, do refinamento, ou dos valores literários humanísticos tem o efeito de naturalizar as posições e as filiações a grupos não reconhecidos. Esta sublimação encoraja uma poesia de capitulação e  de compromisso cujos sinais denunciadores são, muitas vezes,  o constrangimento estilístico e o auto-controle lírico que, enquanto posição estética podem até ser promissores, mas num vacuum humanista são meramente proto-professionais.

Esta é a diferença que existe entre ofício e método, entre positivismo e dialogismo, entre universalismo cristão e particularizações mínimas, entre  a homogenização e o sincrético. Imaginar que existe um espaço neutro, uma arte da poesia que esteja livre da dominação ou da contaminação ideológica não passa de positivismo. Na poética da cultura isso é a forma mais virulenta de autoenganação ideológica, uma vez que não pode abrir-se a contradições, diferenças, ou a uma dialética, ou seja a uma  com(op)posição.

Transcender  ideologia, partido estético, movimento, grupo ou qualquer posição é ser cegado pela idolatria.

Uma poética é válida quando é capaz de engendrar outras posições como resposta às dela, ambas sendo complementares e opositivas. O triunfalismo cíclico da pós-partidarismo da poesia pós-guerra dos EUA, na medida em que pretende encerrar o argumento antes do que fomentá-lo, é a forma menos ingênua de assumir uma posição.

Este  triunfalismo reflete, antes  que contrariar,  o vanguardismo do progresso formalista que erradica o que vem antes e que é outro, quase tão rapidamente como se erradica a si próprio.

Na medida em que as formações culturais pós-partidarismo se alinham com as formas dominantes  da prática poética, ao mesmo tempo mais radicais  e mais convencionais,

elas gozarão de momentos cintilantes de hegemonia, por haverem absorvido em suas dobras os fluxos contra-hegemônicos insurgentes do passado recente. Mas essas viradas pós-modernas dentro da cultura poética oficial só podem ser bem sucedidas  por fazerem desaparecer as inovações poéticas mais desafiadoras e mais dinâmicas que mal estão emergindo, ou que ainda não se estabeleceram ( incluindo as que provocam perplexidade, desgosto, hostilidade, e preocupação quanto ao gênero). O grau em que  a virada pós-moderna, na cultura poética oficial, acomoda e contém as inovações do passado recente, é equivalente ao grau em que a cultura poética oficial é incapaz de tomar consciência das incontíveis invenções do presente sempre-se-atualizando, sempre-se-alterando.

A tarefa dos “estudos dobrados” é a de  superar o “experimental”  rumo ao não tentado,  ao que é necessário, formador do novo, provisório, inventivo. A inovação resiste a ser mapeada. Eu desejo uma poética que rejeite o terreno elevado colonial da melhor solução isolada  da vanguarda histórica, mas que rejeite também seu obscuro gêmeo, o baixio comedor-de-lodo da  lobotomização da invenção poética da cultura poética oficial.

O conflito é o frêmito da arte.

A ideia pseudo-romântica de se superar conflitos, campos, antagonismos é a maior provocação para o partidarismo. Sem dúvida, a posição mais agressiva, mais focada na dominação e no controle é aquela que tenta derrotar o conflito na teoria, por meio de um “fiat”.

A ideia de cercear o outro poético é a  provocação última para escrever mais poesia e para escrevê-la de maneira diferente.

IV.

O melhor da poesia é ela acomodar (agradar, facilitar) menos.[ O falso]

V. Variedades da experiência poética

As possibilidades dialéticas  para a poesia implicam  múltiplas intersecções  e   lugares  distintos de atividade:

o multilético (multilectical )e o multilingual

o específico do lugar e o trabalho de campo

a apropriação via transcrição, recolocação e reenquadramento

a mineração de dados na web

ec(h)opoética— a explorar uma relação recíproca entre humano e não humano, mundo e terra, tanto quanto uma prática de mimetismo e repetição dentro e pelas culturas e línguas humanas

tradução, transcriação e reabilitação omnidirecional, homofônica e hétero-semântica, incluindo transposição, redefinição  e reencenação  através das plataformas das mídia

trabalho  baseado em restrições (constraint-based work)

ESL (writing in English by those from non-English regions, via web-intensified global affinity clusters) – escritura em inglês para os que vêm de  lugares de lingua não-inglesa, via aglomerações de afinidades globais intensificadas pela web)

poesia programável em mídia

performance de som  em/como gravação ( deformações/rearticulações de arquivos de áudio)

colaboração

involução sintática

Junto com esses estão, emergindo na ampla área da “ poética dobrada”:

a deficiência e o corpo imaginário e não familiar

formações identitárias como/no meio textual/sexual (queerencies – estranhezas)

formalismos nus ( métrica desfavorecida)

espaço para o lixo

ambiência

idioleto

lírica suspensa (sprung)

gêneros poéticos misturados/sincréticos

modularidades

música/poesia

arte visual/colaborações de poesia, arte em livros ( book art)

VI.

Eu gosto de minha poesia como eu gosto de meu bolo de frutas: com travo de nozes

VII. O princípio poético

O túmulo de Edgar Poe é o berço da pataquésica(pataqueasics.)

Amo a ironia da poética de Poe – no final das contas, Poe é um escritor americano emblemático ( estou usando um termo de seu “O Princípio Poético”—que ficou amplamente não difundido , seu esteticismo redundamente rejeitado( “só isso e nada mais”, O Princípio Poético ( 1848) é um documento fundador da linha pataquérica da poética americana.

Definiria, brevemente, a Poesia das palavras como  A Criação Rítmica da Beleza. Seu único árbitro é o Gosto. Com o Intelecto ou com a Consciência só tem relações colaterais. A não ser incidentalmente, não tem nenhuma preocupação tanto com o Dever quanto com a Verdade.[6]

Poe reconheceu cedo, na história literária americana, que a moral piedosa e os princípios didáticos sufocam a criação estética, como um corpo enterrado vivo. Mesmo se num caixão feito do melhor mogno brasileiro, coberto por páginas de Lonfellow,  ela vai perdendo a consciência devagar e penosamente. Pior, a aversão para com  o  transiente e a sensação improdutiva  aleija o juízo ético, tal como uma dieta de pão velho não apenas tolhe o gosto por comida fresca, mas também torna o habitué um seco depreciador do sabor.

Na ridicularização dos poemas que dão ênfase ao superestrutural focado nas ideias mais do que no “Gosto”, e – mais ainda – que desconfiam do gosto e da sensação,  Poe  repete  a formulação de William Carlos William de setenta e cinco anos mais tarde :

Diga-o, não [com] ideias,  mas nas coisas .[7]

Ironicamente, William Carlos William inseriria o poema relativamente curto e composto de várias partes onde aparece o aforismo pela primeira vez – é certo que ele gostava muito desse aforismo pois o repete três vezes no poema—em Paterson, sua incursão no poema longo que – para ecoar Poe, se lê melhor como uma série de batidas curtas, mais do que como épico.

A insistência turrona de Poe de que o poema longo não existe apoia-se no paradoxo de Zeno graças a The Confidence Man.A lógica é impecável:  não interessa  quanto tente o poema longo  fazer um todo maior do que suas partes; as partes – “os momentos”  “ intensos”de “empolgamento” – como ele os chama no  “The Poetic Principle”, estão no “ quando e não no onde –  estão os significados “, para citar Dickinson.[8] Esta é uma poética do conhecimento (nowledge) temporal, mais do que do conhecimento (knowledge) atemporal.

Cover photo: Lawrence Schwarzwald
Cover photo: Lawrence Schwarzwald

 

VIII.

Dizem que você não pode estar um pouco grávida. Então o que é isso de extra virgem?

IX. Only this and nothing more( Só isso e nada mais)

 

—Say it, no ideas but in things—

nothing but the blank faces of the houses

and cylindrical trees

bent, forked by preconception and accident

split, furrowed, creases, mottled, stained

secret—into the body of the light—[9]

 

— Diga-o, não ideias mas nas coisas —

nada mais que as brancas faces das casas

e cilíndricas plantas

dobradas,bífidas de preconceito e de acidente

cindidas,peludas, vincadas,mosqueadas, manchadas

secretas—no corpo da luz —

 

 

“ Nada mais que o branco”: enquanto Williams alude à nudez do inverno, “nada mais que o branco” é “o grito da ocasião/ Parte da coisa em si e não sobre ela”, de acordo com a famosa formulação de Wallace Stevens[10].  “Nada mais que o branco”, tal como Williams continua evocando, é o sublime pataquérico: dobrado sobre si, cindido, peludo, vincado, mosqueado, manchado. Estas palavras se referenciam a si próprias, marcam seu lugar no poema, não dizem mais nem menos do que sua enunciação nua. Gertrude Stein, em “Se Eu Lhe Dissesse: Um Retrato Completo de Picasso” preenche uma série de brancos com “Agora./Não agora./ E agora./Agora.” [11]

Estes “Agora” e  estes “Não”, que alternam  presença e ausência qual garoto apaixonado puxando as pétalas da margarida conseguem uma serialidade que Poe, em seu “The Poetic Principle,” chama de “breves vislumbres indeterminados”, tal como uma lâmpada estroboscópica torna uma cena pulsante e vibrante com seus momentos-flash de intensidade intoxicante, o que Emily Dickinson chama de “arte” de impressionar alguém com “Raios de Melodia.” [12]

 

Poe escreve contra o didatismo viral dos poemas que implicam alguma obrigação. Ver a citação abaixo como relevante para nós, hoje, é como dar um salto selvagem, ou será meramente um erro de um rapsodo a-histórico?

Tem-se assumido, tacitamente ou não, direta ou indiretamente, que o objeto último de toda Poesia é a Verdade. Cada poema, diz-se, deveria inculcar alguma moral; e é por essa moral que o mérito de cada trabalho deveria ser atribuído. Nós, americanos, apadrinhamos especialmente essa ideia feliz; e nós, bostonianos, muito especialmente, a desenvolvemos plenamente. Enfiamos em nossa cabeça que escrever um poema per se e reconhecer que essa foi nossa ideia seria confessar-nos como  desprovidos de força e dignidade poéticas: — entretanto, trata-se simplesmente do seguinte: se nos permitíssemos olhar dentro de nossa própria alma, descobriríamos  imediatamente  que sob o sol não existe nem pode existir trabalho algum mais  rigorosamente digno – mais supremamente nobre do que exatamente esse poema, esse poema em si, esse poema que é apenas um poema e nada mais – esse poema escrito somente para ser um poema.

 

“Este é um poema que é um poema e nada mais”: “ Só isso e nada mais”é o pronunciamento mais conhecido de Poe, de um poema que envolve, golpeia, culpa-se de ser  kitsch para lançar um feitiço estético indelével[13]. “Só isso e nada mais” marca o ser de  suas palavras no tempo, pontua a presença delas, a expressão da imediatez,  do aqui fático ( mas não vático). É o mote – conforme insiste Poe — ,  da arte pela arte, arte sem outro propósito,   enquanto como e na  sua  presença no som – seu imediato presente ( dom) de ritmo e “nunca mais”( “nevermore”), eco. Nada/nunca: uma negação que pode  ecoar tudo, a não ser o evento de som e rima, tão sublime e branco (vácuo), cheio e vazio, aqui e não aqui.A coisa em si : “Sem nome, aqui, para sempre, desde agora?”Uma presença/ausência, agora/não agora, o “calafrio”( a palavra é de Poe) que torna a perda palpável.

Ousarei nomeá-la? Lenora. Uma figura do discurso, eis tudo.

(Craig Dworkin elenca alguns exemplos do século XX, tais como o“4′33″”   de  John Cage em No Medium.)

“Le Corbeau dit: Jamais plus,”( O corvo diz: Nunca mais), como dizem na França,  ao menos nas traduções  notáveis de Baudelaire e Mallarmé. Baudelaire traduz: “Only this and nothing more”  como  “ce n’est que cela, et rien de plus,” enquanto que para  Mallarmé o verso se torna simplesmente “cela seul et rien de plus.” Em “Un coup de Dés”, Mallarmé dá sua própria versão do refrão de Poe “cela seul et rien de plus” por meio de uma insinuação silenciosa: na sexta abertura ( spread), no alto a esquerda e embaixo à direita, aparece o itálico  “COMME SI”—as IF ( como se) —mas também like so e like this,  nada mais, nothing more, marcando um calafrio-delícia auto-reflexivo no poema, para não dizer um eco, uma aparência perfeita de mise en abyme.[14] Quatro pausas ( spreads) mais adiante, no lado esquerdo superior, ele , por conta própria, coloca “RIEN,” seguido por um possível comentário da crise desta ocasião (“de la mémorable crise / ou se fût / l’événement”). No final das contas, o que parece ser a primeira palavra no  “Coup de Dés,”, no alto da terceira abertura, é o eco do Corvo:

JAMAIS.

Dickinson, seu oposto, de acordo com o que diz  Susan Howe’s account, ouve-o: “Nothing is the force / That renovates the World.”( “Nada é a força/Que renova o Mundo”.)[15]

X.

Farai un vers de dreyt nien.

(Will make a poem of pure nothingness)

(Farei um verso de pura nulidade)

Guillaume of Aquataine (11th century), trans. Pierre Joris[16]

XI.

Poetry is a weak thing and that is its strength.

Poesia é uma coisa fraca e essa é sua força.

 

XII. The human abstract

       O abstrato humano

Nada existe de tão râncido que não cheire a homem.

A nódoa humana não é honorífica, mas trascendental, uma animalady que brilha mais quanto mais a esfregamos .[17]

A poesia humana compartilha do evangelho da “Piedade”, “The Human Abstract” – no sentido de Blake: uma forma viral de “Crueldade” que emana do “ Cérebro Humano”. A piedade é um parasita aninhado no humano, sem apetite de se alimentar da abstração do “Pobre” para fabricar o sentimento de estar em  melhor situação, chame-se-a de o pharmakon da condescendência. Emerson ecoa Blake quando escreve em “Self-Reliance” (1841), “Assim, de novo, não me fale, como fez um bom homem, hoje,  de minha obrigação de por todos os homens em boas situações. Serão , elas, o meu pobre?” [18] ( A piedade não muda as diferenças de renda, a mercê não muda o encarceramento racialmente inviesado. Human[e] é profilático em relação ao humano.

Na Farmácia de Platão, Jacques Derrida detém-se no sentido duplo de pharmakon (droga), que é, ao mesmo tempo, remédio e veneno. Para Blake e Emerson, a piedade é um pharmakon para nossa  animalady;  é um alívio ( ou remédio) para a desolação da angústia do pobre; veneno (ou doença) para transformar em bodes expiatórios aqueles assim estigmatizados. [19]

Nossa presença afetiva para com o pobre (simpatia) é, ao mesmo tempo, nossa ausência afetiva ( por termos pago nossa obrigação com sentimento, ou à vista) .

It’s a relief the poor are on relief.(É um alívio[saber] que o pobre está sendo aliviado).

A estigmatização é um ritual de cura, de purificação, que envenena os que estão no ostracismo. O Afeto – para voltar ao que dizia Blake sobre a Piedade e a Caridade (Mercê) em seu “The Human Abstract” –,  é “ fruto do Engano. / Corado e doce ao gosto”: uma abstração viral envolvida em uma “tonalidade sombria.” [20]

 

Mas nem a resposta é poesia inumana: as minhas transgressões me confortam, também, fazem me sentir que eu sou uma pessoa melhor, depois delas. Tenho pena dos menos ousados que eu. Tenho pena de mim mesmo, na verdade. E mostro isso de dar pena.

A metáfora do sentimento humano humanitário ou universal está baseada numa distinção mitopoética entre animais humanos e não humanos: nossa virtude comparada ao barbarismo deles, nossa autoconsciência comparada à falta de consciência ( relativa, bruta) deles. Como observou Marc Shell, aqueles que endossam a fraternidade humana universal excluem da família humana os que  não adotam sua religião universal. [21]

Os humanos podem sentir ( ou infligir) culpa ou vergonha, mas , com a mesma frequência, eles falham em sentir-se culpados ou envergonhados. Será isso uma falha ou um sucesso?

A ausência de afeto é um afeto. A ausência de sentimento é sentida, do mesmo jeito. A língua é um traço que diferencia os animais humanos dos não humanos; como tal é uma justificativa primária da excepcionalidade humana. Então, de novo, a língua é um

Pharmakon – remédio e maldição, um instrumento de veracidade e de engano: não existe nenhum documento de cultura que não seja, ao mesmo tempo, bárbaro.[22] Se,  como diz William Burroughs, a lingua é um vírus,isso não se deve à sua metaforicidade inerente, mas sim à negação que encerra essa  sua condição demasiadamente humana. .[23]

O sentimentalismo insuportável da consideração que o ser humano tem por si próprio (“Uma Espécie está além… .”)[24]

Não é a verdade do ser humanos que nós procuramos, mas sua animalady.( Nossa pré-humanidade pode estar mais reprimida do que como nos tornamos pós-humanos.)

“ O corvo fez seu ninho” – diz Blake – “ na sombra mais densa” da árvore que “ carrega o fruto do Engano”. O refrão de Poe “nunca mais” é um eco do de Blake: “ Piedade não existiria mais”( “Pity would be no more.”)

E, novamente, Williams, nos versos finais  de “Paterson”:

They are the divisions and imbalances

of his whole concept, made small by pity

and desire, they are—no ideas beside the facts—

São subdivisões e desbalanços

de seu inteiro conceito, que a piedade fez menor

e o desejo, eles são – nenhuma ideia fora dos fatos –

 

Com isso se parece a poesia.

XIII.

Estamos familiarizados ao máximo com o estranho.

XII.

“The Human Abstract” tem muitos enquadramentos  (frames) discrepantes na forma das

 

imagens de fundo: não existe uma versão definitiva do poema, mas sim uma série

 

entrelaçada de emanações. Cada enquadramento oferece uma leitura diferente do poema

.

Na verdade, o poema não existe como uma entidade puramente alfabética; não existe

 

nenhum poema original, mas apenas essas manifestações, uma série de versões  ou

 

aspectos ostensivos .[25]

 

“The Human Abstract,” um dos Songs of Experience de Blake ecoa “The Divine Image” dos Songs of Innocence,  em que  a piedade tem um “rosto humano” onde mora Deus.  Mesmo assim, quando Blake, até em suas intimidades de inocência, reconhece  que “a forma humana divina” deve se estender além  do horizonte nepohumanista, ou seja, deve reconhecer a si própria não apenas  em seus amigos cristãos, ou nos que são aceitos  em um círculo de reconhecidos:

And all must love the human form,

In heathen, turk, or jew.

E devem todos amar a forma humana,

No selvagem, turco ou judeu.

Blake começa com a inocência. Quando eu – me encontro na companhia daqueles para os quais a inocência é uma fantasia sedutora – para não dizer ofuscante ou incapacitante – que emana do imo da escuridão, nem origem, nem destino.

XIV.Piche & Pluma (Tarr & Fether)

Um trabalho de Poe crucial para os Bent Studies é o “Sistema do Dr. Tarr e do Prof. Fether” (1844).[26] Conforme devem estar lembrados de nossos encontros precedentes  da Sociedade para a Devolução do Antinomianismo Midrashico, o conto de Poe se desenrola num hospício de loucos, no sul da França, embora a tradução literal de“Maison de Santé” não seja  mad house( hospício de loucos) mas o contrário, house of health (casa de saúde).  

O asilo de lunáticos, no conto, é radicalmente progressivo e pratica um método baseado em aceitar as ilusões dos internados, sem puni-los nem contradizê-los. Este método “ suavizante” é a base de uma utopia pataqueroide, em que não se aplica nenhum standard de normalidade. Conforme foi explicado anteriormente, ( embora, quem sabe, você não estivesse na sala): ocorreu uma sublevação no hospício. Os lunáticos aprisionaram os guardas cujo tratamento liberal, via melhoramentos, foi substituído pela introdução violenta de um plano de tratamento  mais pesado, simbolicamente desumanizador e ostracizador, na base de piche e plumas: tarring and feathering. O narrador de Poe , visitante ingênuo do asilo, é iludido pela insistente declaração de sanidade dos loucos. Por isso ele não liga para o uivo dos guardadores. A um certo momento, porém, o visitante acha alguma coisa “estranha” , como ele diz, realmente  um pouco esquisita na falsa sanidade dos seus anfitriões. Ele é convencido pelo suposto superintendente  do estabelecimento , Monsieur Maillard, que os encarregados  não são loucos, —  Maillard – descobre-se – era um ex-superintendente que enlouquecera durante seu trabalho no asilo e que, agora, havia retomado seu cargo de superintendente, mas como um dos insurretos. . Maillard é uma daquelas figuras perenes que podem trabalhar  para qualquer regime no poder.( O  caro leitor haverá de lembrar que Poe escreveu décadas antes de Freud, mesmo assim, certa relação entre  a figura de Monsieur Maillard e o superego não pode estar fora de lugar). “Por que você realmente pensa assim? Maillard pergunta ao narrador: você realmente pensa que há algo errado conosco? “ –Aqui no sul não somos tão puritanos assim – fazemos o que gostamos de fazer, aproveitamos a vida, e outras coisas, enfim.” No fim da fábula de Poe, a ordem se restabelece , ou assim somos levados a crer.

O narrador de Poe descreve a cena na sala de jantar na época da contrarrevolução: “ Quanto à minha velha amiga, Madame Joyeuse, eu teria de fato podido chorar pela pobre dama, ela parecia tão terrivelmente perplexa. Tudo o que ela fazia, entretanto, era ficar de pé num canto, junto à lareira, e cantar sem parar, no máximo que sua voz permitia: cocorocó( cock-a-doodle-de-dooooooh!)’”

Os guardadores ostensivos retomam o controle e voltam a seu sistema anteriorde manter a calma. Existe, contudo, um sinal revelador de que há algo de podre na França ( e não apenas como consequência da Revolução Francesa ou do capitalismo). O narrador descreve  certos ruídos de “fighting, stamping, scratching, and howling”( lutar, bater, arranhar, e uivar) entre os contrarrevolucionários que , pele-mêle( ao acaso), se juntam à refrega para derrubar com sucesso os usurpadores e restaurar a ordem: eles constituem – diz ele – : “um exército perfeito daqueles que tomei por shimpanzés, orangotangos,ou grandes babuínos negros do Cabo da Boa Esperança!”antes de pular para a conclusão, pele-mêle  por favor, tenha em mente que boa parte dos ostensivos lunáticos  da fábula se achavam animais não humanos: pererecas, asnos, e galos.Quanto ao superintendente Maillard, seria talvez prudente perguntar-lhe: “Por que um pato?” Por seu caráter duplo – o super transforma-se em sub e o sub passa a agir como super – dentro do contexto****.

Poe inventa avant la lettre[27] o“pato/coelho”. [A sombra de dedos entrelaçados que projetada no muro foi interpretada  por Wittgenstein como pato/coelho]

Poe esboça sua moral intercalada na fábula, fazendo notar que o maior perigo que pode advir do verdadeiro louco é que ele seja capaz de esconder sua loucura: -“Se ele tem em vista um projeto, ele esconde seu intento com uma sabedoria suprema; e a destreza com a qual finge  sanidade representa para o metafísico um dos problemas mais singulares que possa existir nos estudos da mente. Quando um louco se apresenta como completamente são, é sem dúvida o momento de colocar-lhe  uma camisa (sic) de força.”

Em seu aspecto não-levinasiano, “Dr. Tar e Prof. Fether” é uma paródia hegeliana da relação senhor-servo e do progresso mitopoético. A verdade obscura que há em “Dr. Tar e Prof. Fether” não é a verdade foucaultiana que o insano e o são não são categorias essenciais, que – se você quer valorizar um grupo  designado como são – você tem que estigmatizar  e tomar como bode expiatório um grupo designado como insano.

Essa relação parasítica é – sem dúvida – fundamental para os bent studies.

A extraordinária revelação  de Poe é que os insanos são uma mímica perfeita da ordem racional, da normalidade, da autoridade razoável, e da compaixão médica. Eles nos convenceram haver superado a insurreição dos lunáticos,  restaurado a ordem e retomado as rédeas do poder. Nossos protestos – de que somos falsamente designados como loucos! – são tolerados, mas tornados mudos. Este é o nosso tratamento. Nossos guardadores  vestiram-nos as camisas “de força” e tornaram-nos a todos “esquisitos”( com isso gozamos a vida e fazemos o que bem queremos).

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****O original frame foi traduzido por contexto, moldura, enquadramento e significa – como quer o autor — o que é enfatizado numa apresentação. Veja-se https://www.amazon.com/Frame-Analysis-Marcos-Experiencia-Spanish/dp/8474764114

 

 

 

Que nossa sociedade está nas mãos de um “perfeito exército” de predadores, de primitivos, não é nenhuma paranoia nem nenhuma metáfora.

Whitman, em um de seus maiores poemas e com certeza o mais distópico, sabe como isso funciona:

(Let that which stood in front go behind! and let that which was behind advance to the front and speak;

Let murderers, thieves, bigots, fools, unclean persons, offer new propositions! . . .

Let faces and theories be turn’d inside out! Let meanings be freely criminal, as well as results! . . .

Let the theory of America be management, caste, comparison! (Say! what other theory would you?) . . .

Let freedom prove no man’s inalienable right! Every one who can tyrannize, let him tyrannize to his satisfaction![28]

“Cock-a-doodle-de-dooooooh!”)

Que o que está à frente vá para trás! E que aquele que estava atrás vá para a frente e fale;

Que os assassinos, os ladrões, os carolas, os loucos, os sujos ofereçam novas propostas!…

Que os rostos e as teorias sejam revirados! Que os significados sejam livremente criminosos, tal como os resultados!…

Que a teoria da América seja gestão, casta, comparação!(Ora! Que outra teoria vocês haveriam ?)…

Que a liberdade seja comprovada como o direito inalienável de ninguém! Que cada um que possa ser tirano, que tiranize à vontade!

“Cocorocó!”

XV.

Há um outro trem diretamente atrás deste.

XXVI. Expressão por outros meios

Craig Dworkin, em sua introdução a  Against Expression: An Anthology of Conceptual Writing, trabalho que ele publicou pela editora de Kenneth Goldsmith, enfatiza a importância do enquadramento (frame) quando se trata de determinar o tipo de leitura de qualquer trabalho. O foco de Dworkin na importância capital do enquadramento faz lembrar  a exemplar prática da “frame analysis”[29] de Erving Goffman.

A ideia contraintuitiva de Goffman é que um “evento”( incluindo um “objeto” de arte) não fala por si só, mas é reconhecível somente graças a seu “enquadramento” ou contexto. Por essa razão, a discussão sobre um evento pode exceder a duração do “evento” em si. Um evento ou obra de arte, como um sonho, pode suscitar molduras (frames) múltiplas, incomensuráveis ou discrepantes. Algumas delas são grudentas: elas se tornam estigma.

 

As molduras são indicadas ou fixadas, e, para Goffman, aquilo que está fora da moldura é muitas vezes ( no final) mais significativo: o que é, é definido pelo que não é. As molduras de Goffman estão relacionadas com a ideologia ( no sentido de Louis Althusser) e também com as  “ metáforas  pelas quais vivemos”  e com as categorias ( no sentido de George Lakoff): as molduras são lentes,são as linguagens graças às quais nós percebemos o valor. Pense-se em como Wittgenstein propõe a natureza fundamental de “ver como” (“seeing as”) nas Philosophical Investigations.

Uma das marcas de Frame Analysis  é a obsessão de Goffman pelas fraudes, que ele analisou como sendo mudanças de moldura não detectadas: num jogo sujo, quem marca mantém seus olhos bem abertos para  o manuseio dos dados, enquanto – fora do enquadramento – estão os sinais dados pelo piscar de olhos dos trapaceiros.

 

 

Toda poesia, em minha humilde opinião, é trapaça, mas algumas trapaças são mais evocativas que outras.E algumas trapaças ajudam-nos a aprender a  ser mais evasivo. Goldsmith, a figura do trickster por excelência, aborda isso em sua introdução a Against Expression onde ele ridiculariza as fraudes de memórias tipo Oprah.[30]

Ele observa que esse tipo de fraudes literárias não têm pega no mundo da arte que, no momento, investe menos na “originalidade” subjetiva do que na assinatura do mercado. O que significa tão somente que no mundo da arte você tem que procurar outros tipos de fraude, perpetuados em um sistema que está baseado no estabelecimento de valores por parte do mercado, opostos à descoberta do mérito artístico.

 

Dworkin e Goldsmith são bons colaboradores porque, embora certamente compartilhem o entusiasmo para com a obra reunida nessa antologia, sua abordagem da poética tem sempre sido bastante diferente. Os comentários formalistas sociais e os compêndios de Dworkin são ao mesmo tempo provocadores e meméricos. Ele dá leituras detalhadas das formas, estruturas, e dos códigos literários ( mais do que dos temas e do assunto), com atenção especial para as discrepâncias potencialmente não notadas, elucida a urdidura e o tecido de uma série de práticas hard-core e fantasiosas, em que a “ remove da literatura” ( apagamento do sinal, esvaziamento do meio, primeiro plano ( foregrounding) do paratexto) obre as comportas para o fluxo  de uma poética do vazio sublimamente nua,: o ruído do silêncio. (“nada a não ser o branco”: “só isso e nada mais”)

Dworkin é um leitor engenhoso, ele demonstra um engajamento profundo em práticas textuais extremas, uma escritura que enfatiza os limites da legibilidade, da compreensão, e da perceptibilidade. O que é profundo na abordagem que ele faz é sua superficialidade extática: ele recusa chegar repentinamente às conclusões, colocando uma leitura convencional ou uma visão do poema em suspensão de modo a poder observar anomalias textuais e fluxos semânticos contraintuitivos.

 

 

Dworkin não lhe diz o que você já sabe ou o que você pode ver sozinho, mas aquilo que fica escondido até  ser reconhecido. Existe uma espécie de conflito atlético em muitas de suas leituras hiper-atentas; dá para sentir que sua busca pelo significado exige um foco especial e uma resistência singular.

 

Seus ensaios são frequentemente sobre a procura de sentido – a procura da expressão – em dinâmicas textuais ou vestígios que a maioria de nós negligencia e dos quais, certamente, o próprio autor pode não ter tido plena consciência ( ou nenhuma).

Dworkin escava significados e expressão naquilo que Goffman chama disattend track : a trilha que você não  percorre; o lugar para o qual você não está olhando. O resultado é que  Dworkin descobre um superavit de significado nas dobras da produção textual; aquele ou aquilo que o “ expressa” se torna uma  questão que ele, frequentemente,  por ser um entrave,deixa de considerar.

Pelo contrário,  Goldsmith às vezes gosta de dizer que você não precisa ler o seu trabalho, tudo o que você necessita é captar o conceito.

Tendo Dworkin em mente, eu entendo que você precisa reler o trabalho, lê-lo pataquericamente, contra o grão ( ou seja, contrariando os hábitos habituais de leitura), e procurar ver o desvio que ele faz do curso a que se propunha. “Ao olhar para além das histórias recebidas e as filiações-lugares-comuns, pode-se ver mais claramente os elementos textuais que, de outra forma, permaneceriam obscuros ou implícitos”, escreve ele na introdução da antologia. “ O simples ato de reenquadrar dava a impressão de renovar nosso ponto de vista a respeito até mesmo de obras familiares, que passam a parecer significativamente diferentes em virtude de seu novo contexto” (xxiv).

Dworkin responde àqueles que possam querer tomar o título Against Expression um pouco ao pé da letra e imaginar que o que o autor pretende dizer  é que as obras da antologia  não são tão expressivas quanto as de outras antologias poéticas.

 

 

Durante os últimos quarenta anos tem-se aceito o argumento que certa lírica formulaica centrada no Eu,conceptualmente centrada no Self soberano , constitui uma barreira para os afetos e a expressão. A poesia pataquérica não é antilírica, antivoz, antihumana, antisubjetiva, antisignificado, antiself; ela , simplesmente, não compra a ideia de que  regras de gênero conceptualmente vazias para muita da cultura poética oficial permitam a manifestação das expressões, das vocalizações de nossos egos “que são complicados”.

Ser “contra a expressão”, no sentido necrohumanista da expressão, significa ser a favor das expressões no campo mais amplo dos estudos dobrados.

Expressão por outros meios.

 

Isso fica claro quando Dworkin escreve:” nossa ênfase vai para o trabalho que não procura expressar psicologias individuais únicas, coerentes, ou consistentes, e que, acima de tudo, recusa estratégias familiares de controle autoral (xliii).

A deliciosa polêmica começa quando Dworkin insiste que métodos de “não interferência” e de “intervenção mínima” seriam os preferidos: “Tivemos que admitir, frequentemente, que trabalhos que nós admirávamos não eram completamente apropriados para esta coleção porque eles eram, simplesmente, demasiado criativos – tinham demasiada intervenção autoral, por mais que ela pudesse ser estilosa e magistral” (xliv).

Foi necessário um monte de intervenções magistrais para  criar a antologia.

E, embora a intenção esteja mais em escolhas com contexto complexo do que em   escolhas individuais de palavras, a intervenção estilosa é , contudo, contemplada.

Lembro como Jackson Mac Low ficou magoado quando seu trabalho foi descrito como devido ao “acaso”, mais do que  quase-intencional, como ele mesmo havia dito. É aqui onde eu vejo o cartão de visita de Dworkin como critico: leitura  e classificação hiper-rente( hyperclose) dos fenômenos linguísticos quase-intencionais.

Não se trata de abrir mão de ler ou intervir, mas de elevar as apostas e o empenho, por vezes extático, no poder da contextualização.

 

Dworkin escreve que a poesia que ele antologiza “ não é nem despersonalisada, nem não-emotiva. Pelo contrário, o conceito formal visa descobrir ou abordar de modo mais rente as condições emocionais evitando os hábitos,os clichês, e o sentimentalismo da retórica expressiva convencional(8).

XXXIII.  Anestética

O fato de se desviar da beleza ou da emoção, tal como a aversão à identidade ou à expressão, pode ser ao mesmo tempo uma resposta à superficialidade daquilo que é aceito como belo ou emocional e um marco da busca pela beleza ou afeto, que ainda não tenham sido encurralados e domesticados .

Pois, se vocês disserem que aquilo que eu acho belo não tem valor, eu posso então dizer que rejeito a beleza, mas isso é apenas uma medida de meu reconhecimento de como categorias do belo anestesiam vocês contra a experiência da beleza. Para alguns a experiência da beleza só se abre renunciando ao belo. E aqueles de vocês que lamentam esse afastamento da beleza ou da emoção, e que proclamam compulsivamente seu retorno, não compreendem e talvez não possam compreender o que é estar fora do script, mortos como vocês estão para a sensação, esquecidos das belezas que não podem ser sonhadas dentro de suas moralidades.
E esse “ vocês” é o mais pessoal possível.

XL. Desmentido

Os pontos de vista expressos neste ensaio não representam necessariamente as opiniões

do Departamento de Inglês da Universidade de  Pennsylvania, Donald T. Regan, Ronald Reagan, Bernice Johnson Reagon, ou do autor, nem devem ser a eles atribuídos. Os pontos de vista pertencem unicamente a esse ensaio.

XLI. Irremedeio [facsimile]

Samuel R. Delany é convincente ao argumentar que as dimensões homossexuais da poesia de  Hart Crane são tratadas de maneira não adequada na literatura crítica e biográfica. Seus dois ensaios sobre o poeta dão um contexto interpretativo para compreender os detratores de Crane. Estendendo-me um pouco além da intervenção de Delany, diria que o “ esplêndido fracasso” de Crane, tal como escreve  R. P. Blackmur em “Notas a um texto de Hart Crane”pode ser compreendido mais provocativamente como seu sucesso não-esplendoroso como pataquérico.[31]

Quem sabe o relato mais acurado do fracasso de Crane tenha sido escrito primeiramente no extraordinário ensaio (1943) de Yvor Winters: “The Significance of The Bridge by Hart Crane, or What Are We to Think of Professor X.” . . . Ali Winters descreve a abordagem de Crane às perniciosas e maniagênicas (maniagenic [sic]) ideias de  Ralph Waldo Emerson via o  panteísmo irreligioso (leia-se : relativismo…) de Whitman e via a glossolomania de Mallarmé. . . . é importante entender que a rejeição – ou, ao menos, a condenação – de Crane para com Winters e para com muitos dos críticos de Crane era a rejeição e a condenação de uma inteira corrente romântica na produção literária  americana, corrente esta que incluía  Whitman e Emerson, sendo a de Crane apenas sua última voz, rachada e desacertada.  (“Atlantis Rose,” 192)

Para seus críticos moralistas os poemas de Crane falham enquanto inteiro

unificado, tornando-se – quando muito – uma série de vislumbres exagerados e

surtos líricos desconexos que não se sustentam. “Só isso e nada mais”. Mas é justamente esta falta, que, nos termos de Poe em  “The Poetic Principle,” marca o único mérito possível do longo poema:  proporcionar momentos  não correspondidos de “trêmulo encantamento”.

(I need scarcely observe that a poem deserves its title only inasmuch as it excites, by elevating the soul. The value of the poem is in the ratio of this elevating excitement. But all excitements are, through a psychal [sic] necessity, transient. That degree of excitement which would entitle a poem to be so called at all, cannot be sustained throughout a composition of any great length. After the lapse of half an hour, at the very utmost, it flags—fails—a revulsion ensues—and then the poem is, in effect, and in fact, no longer such.)

Nem  seria preciso observar que um poema merece seu título na medida em que entusiasma, elevando a alma. O valor do poema está na razão de seu elevado exaltar. Mas todas as exaltações são, por força de uma necessidade física, transitórias. O grau de entusiasmo que levaria o poema a ter aquele título não pode se sustentar numa composição longa. Depois de transcorrida meia hora, no máximo,  fraqueja, falha – dá-se uma revulsão – e com isso o poema, com  efeito e de fato, deixa de ser tal.

 

 

 

Quero aplicar a estética incisiva de Poe ( “breves vislumbres indeterminados”)

à insistência de Delany no fato de que, para Crane, a Ponte de Brooklin era um lugar ativo de cruzamento gay, ou seja, um lugar de troca sexual intensa, promíscua, transiente, não-procriativa. “Cutty Sark,”, diz Delany da terceira seção do poema de Crane, “ com seu relato de uma abdução malsucedida, é o verdadeiro centro do desejo homossexual inexpresso, o desejo de comunicação, em A Ponte (The Bridge).” (221).

O poder estético de A Ponte ocorre não a despeito, mas em conexão com seus imediatos ( os moralistas diriam perversos) jorros de sensação, análogos  às trocas sexuais transientes na ponte.

. Eu não pretendo usar o processo estético como uma metáfora para o sexo, mas exatamente o contrário; sem dúvida Delany dá um contexto diferente para  o “fracasso” (animalady) , como que  representando um vazio, em outras palavras, “ abdução mal-sucedida”,  alimentando o fogo estético (“só isso e nada mais”).

Além do mais, esse estético da excitação elevada, intensa ( chamemo-la  imediação( immediation)),  nos termos de Poe, se relaciona com o hábito de Crane de ficar ouvindo repetidamente , até o clímax, em seu fonógrafo, o  Boléro de Ravel, como se  feixes de melodia pudessem obliterar a auto-consciência.[32]

Mas  uma palavra melhor para o que tenho em mente seria irremediação (irremediation) , que registra um fracasso irremediável, dentro de uma poética do eco: “nunca mais “(“never more.”). “Foco na perda: uma vez eu era sincronizado, mas agora sou taxa-fixa” [33]

 

 

Na economia negativa da poesia, a perda prolonga a intensificação.

Crane  e Poe estão no mesmo barco, sem salva-vidas. O argumento contra Poe e Crane é levado adiante , com uma força paradigmática, por  Yvor Winters em Primitivism and Decadence: A Study of American Experimental Poetry (1937) e em  In Defense of Reason (1947) e se estende até o desfazimento ( trashing) de 2007 de Crane; ( sim, o “fracasso”) de  Crane, por William Logan, na resenha no New York Times, da edição magisterial (magisterial)de Crane da Library of America.

Muito de “The Bridge” parece inerte, agora, — longo demais, elaborado demais, um Mito da América concebido pela Tiffany e executado por Disney. . . .. Suas grandeurs podem facilmente ser tomadas por grandiosidades. Ele foi projetado com uma  alta setimentalidade amplificada que ele deve ter tomado como sendo o tom emocional apropriado para um visionário . . . . “The Bridge” permanence como uma fabulosa planta de arquitetura que  precisava de uma disciplina que Crane jamais poderia lhe dar .[34]

Logan, o fomentador da ideologia da Guerra Fria no Times, torna-se, por meio de sua ostensiva Superintendência,  uma figura de anticlímax,  expressa na manchete talvez nem mesmo de sua autoria —“Hart Crane’s Bridge to Nowhere”—( “A ponte para nenhures de Hart Crane”) e incapaz de perceber que nenhures é exatamente o lugar onde Crane e seus leitores  poderiam desejar estar.

Crane conhecia o assunto. Assim ele escreve a  Harriet Monroe , em sua carta de 1926:

As nuances de sentimento e observação em um poema podem demandar algumas liberdades que você insiste que o poeta não tem o direito de tomar. Eu estou simplesmente afirmando que o poeta tem essa autoridade e que negá-la é limitar o escopo desse meio de forma tão considerável como a de banir alguns dos mais ricos gênios do passado .[35]

“Cocoricó!”

XLVI.

Diferentemente da sinceridade, a insinceridade é, ao menos, orientada na direção da verdade. É lá que está o pecado.

XLVII. Eu sou especial, quem é você?

É engraçado. Em  português esquisito significa algo estranhamente diferente do   exquisito em espanhol.[36]

Estranhamente engraçado ou peculiarmente engraçado?

Os pataque(e)ricals são marcadores de diferença estigmatizada. Para que uma diferença seja estigmatizada ou seja utilizada como bode expiatório ela precisa, em primeiro lugar, ser notada, muito semelhantemente à maneira como se pede à língua que note  ( ou que seja notada), quando usada em poesia ( ao menos , em um modo de definir poesia).

Os pataquericals,  em minha lista, são negativos. Mas os negativos têm um jeito esquisito de se tornarem positivos, especialmente para aqueles para quem essas  reversões (reversals) táticas podem criar um espaço e maior liberdade, conforme Michel de Certeau discute em  Ars de Faire (Arte de fazer, ou A Prática da Vida Cotidiana (The Practice of Everyday Life)). Os pataqueasicals reversos são termos honoríficos antes que estigmáticos  para coisas que  caem em desuso ou não se ajustam: inovador, rebelde, extraordinário, excepcional, iconoclasta, gênio, ou o termo que se tornou tão exemplar em sua ordinariedade, graças ao Sr. Rogers: especial, que – no final das contas – não deixa de ter seu spin de certeauiano ou blakeano, se dermos a especial o sentido de particular.[37]

 

Uma outra espécie de pataqueasicalidade reversa é simplesmente aceitar o estigma como uma insígnia honrosa, se não com orgulho, com desafio (como quando os pataquericals tornam-se termos literários, ou paradigmaticamente, no caso de “estranho”  queer).

Tropeço  pesado para um e  eloquência dos deuses para o outro.

Contudo, uma das respostas mais frequentes para o estigma é internalizá-lo , o que é a base daquilo que, em Jewish Self-Hatred, Sander Gillman chama de auto-ódio, uma forma de se tornar a si próprio bode expiatório .[38]

Então, de novo, o jeito americano é assimilar: se o nariz incomoda, conserte-o ( estou evitando dizer “ corte-o fora” por não querer descer a uma crua fantasia castratória).

Nessas investigações eu estou menos interessado na diferença sexual do que na diferença estética,especificamente, na maneira como as diferenças sexuais e sócio-culturais  são articuladas simbolicamente ou alegoricamente dentro de um campo estético como um poema.

L.

O extraordinário nunca é mais do que uma extensão do ordinário.

LVIII. A absorção é uma coisa estranha

Ludwig Wittgenstein é o filósofo da linguagem normal, convencional, ordinária, logo é engraçado que ele tenha sido tão importante para mim, poeta do gênero pataquérulo. Wittgenstein tem aguda consciência  dos momentos em que a linguagem ordinária parece falhar  quando cai fora do ordinário, por exemplo, quando um termo artístico ( quer dizer, um termo em uso) se torna abstrativamente metafísico, ou quando nos perdemos nas palavras, tornando-nos alienados ou céticos.

 

 

Wittgenstein  rastreia o modo com que as palavras  e as expressões vão do ordinário ao insólito: o familiar tornando-se estranho.

(Me, I love the rhythm of falling in and out of sense, like a needle skipping on a record. “Now. / Not now. / And now. / Now.”

How exquisitely awkward.)

Eu, eu amo o ritmo do sentido que vai e vem, como uma agulha que escorrega no disco. “ Já./Não já./ E já./Já.”

Que coisa mais deliciosamente sem graça.

Wittgenstein pratica a filosofia como algo dialógico; questões filosóficas surgem em resposta a questões surgidas no decorrer da vida cotidiana. Os termos da filosofia  assumem seu significado em situações específicas. Wittgenstein é cuidadoso em centrar a filosofia  num conjunto de nomes técnicos abstratos ou monovalentes dominados (mastered). Quando a filosofia pressiona certas palavras para se tornar terminologicamente precisa, algo estranho acontece. As palavras caem fora do uso cotidiano, tornando-se visíveis como um polegar inchado.  Isso é o anverso do que acontece na poesia, onde a língua é desfamiliarizada. Em poesia, o caráter obstrusivo ( a aversão à absorção) é o segredo da rima e do ritmo. E – certamente – da arte ( ou será isso uma espécie de tratamento  de choque estético  ou método de intoxicação?) de deslumbrar com feixes de melodias. A magia da poesia, para chamá-la assim,  é a de transformar a esquisita “ instantaneidade” da verbosidade da doença ( malady) para a melodia.

No tempo de Wittgenstein, queer já tinha o significado de gay, embora ele não o entendesse como sendo uma referência codificada de sua suposta homossexualidade. [39]

Para a primeira versão em inglês do livro  que se chamou Philosophical Investigations, Elizabeth Anscombe  traduziu tanto merkwürdig como  seltsam por  queer,  mas nenhuma das palavras originais em alemão sugere homossexualidade.

O que não deixa de ser queer. ( estranho)

Na quarta edição revisitada de Philosophical Investigations,os novos editores eliminaram a palavra queer de sua tradução.[40]Isso é estranho pelo fato que Wittgenstein , nas cartas que escreveu a seus colegas de Cambridge usa queer umas vinte vezes. Num certo sentido, é correta a tradução de Anscombe, embora nas cartas dele ele também diga sentir-se esquisito (queer):

 

Sinto-me estranho às vezes. Estados de instabilidade nervosa, a respeito dos quais direi apenas que eles são podres  enquanto duram… Sinto-me estranho. Uma das causas disso é que minhas noites não são boas, mas á outras causas…Esta é uma carta estranha, mas não mais estranha de quem a escreveu .[41] [“Estranho”, nesta citação é sempre a tradução de, “queer”]

Em alemão você pode dizer schwul para gay, e não seria nada estranho  dizer simplesmente queer hoje em dia. Talvez na época de  Wittgenstein pudessem se ouvir  coisas tão pataque(e)ricas como widernatürlich ou unnatürlich ( contra a natureza ou inaturais), abnormal, krankhaft (doente), quem sabe até mesmo, e mais acertadamente, aqui, ungewöhnlich (incomun/anômalo).[42]

Wittgenstein usa ungewöhnlich somente uma vez nas Investigações,quando ele fala de uma iluminação  ungewöhnlich , que torna irreconhecível algo que é familiar(§41).

A única vez em que ele usou unnatürlich é quando quis caracterizar palavras fora do contexto. (§595). (Widernatürlich não aparece nas  Investigações Filosóficas).[Este é o título em português]

 

 

(Eu costumo consultar as  Investigations  como alguns consultam o I Ching: como um oráculo!.)

Merkwürdig significa algo que chama nossa atenção, para o qual vale a pena olhar, algo  estranho, curioso, esquisito,bizarro ou inverossímil.  Seltsam, normalmente  sinônimo de merkwürdig, sugere algo raro, indescritível, ou não-captável, logo – incôngruo, bizarro, engraçado, alterado, inesperado, surpreendente, ridículo, algo de que não se pode dar conta, imediatamente.

 

“A proposition is a queer thing!” [Der Satz, ein merkwürdiges Ding!] Here we have in germ the subliming of our whole account of logic. The tendency to assume a pure intermediary between the propositional signs and the facts. Or even to try to purify, to sublime, the signs themselves.—For our forms of expression prevent us in all sorts of ways from seeing that nothing out of the ordinary is involved, by sending us in pursuit of chimeras. (§94, Anscombe trans.)

“Uma frase é uma coisa estranha!”Aqui temos em germe a sublimação de nossa inteira consideração sobre a lógica. A tendência em assumir um intermediário puro entre os signos proposicionais e os fatos. Ou mesmo a tentativa de tentar purificar, de sublimar os signos em si. – Porque nossas formas de expressão impedem-nos, de todas as maneiras,  de ver que não há nada fora do ordinário envolvido, mandando-nos procurar quimeras. (§94, Anscombe trad.)

Uma frase, coisa estranha! [43] Quando consideramos a língua como  “actual word stuff,”[44]  ( realmente, coisa feita de palavras), para usar a frase de Williams, isso  é algo singular, que  obsta o modo normal em que as frases se tornam transparentes , — ou seja, é [algo] sublimado ( absorvido) na percepção. Esta sublimação ou imediação ocorre mesmo se a linguagem está condicionando a percepção: nós não percebemos as lentes de nossos óculos, a não ser que elas estejam riscadas, ou a não ser que haja uma iluminação ungewöhnlich (unordinary) incomum. Na poesia, esta de-sublimação ( falha na conexão)

pode ser  ritmicamente entrelaçada com momentos de intensificação e, finalmente, re-sublimação .[45]Em  outras palavras, o desejo de absorção é um desejo de superação, ou – por outro lado – é animalady ( alienação ou estranhamento, irremediação).

Wittgenstein usa uma das duas palavras traduzidas por Anscombe como “queer” em situações em que  há uma resistência  a nomear proposições fixadas  como a cartografia de  uma palavra numa coisa, em momentos de tensão entre a nomeação e aquilo que é nomeado. Quando nós “sublimamos” a natureza de nossa linguagem, nós a idealizamos: pensamos que nossos  nomes são os símbolos adequados ao mundo fluido em que vivemos. Nomear, nesse caso, pode ser uma espécie de estigma , se sublimarmos ou idealizarmos o ajuste entre os nomes e o mundo. Quando vistos nas suas  dimensões estranháveis ( queeroid), os reparos de Wittgenstein  adquirem um caráter direto inquietante quanto à violência de nomear e à sua conexão com o estigma .[46] Esta pessoa,

a que está na sua frente, a pessoa que você mesmo é, nunca é uma coisa.

Mas algumas pessoas, e – às vezes – mesmo nós todos, tornamo-nos presa do contexto ( frame-locked),  pregados num aspecto , num “ isso” – causando aquilo que Wittgenstein chamou de “Cegueira do aspecto” (Aspektblinde).

Uma vez que um único aspecto é estigmatizado, torna-se difícil libertar-se do estigma.Wittgenstein pergunta-se se esse fenômeno poderia ser comparado ao  daltonismo; alguma coisa é muitas vezes considerada daltonismo estético e estigmatizada como trabalho, pelo fato de o leitor/observador ou o crítico estarem desligados . . .[47]

 

 

 

LIX.

Este argumento é uma simulação apenas a título de demonstração. Os argumentos reais podem variar. Não arrisque tentar esta simulação em seu próprio veículo.

LXI. Desmascarando desmascarando

 

Os pataquéricos são contrários àquilo que Wittgenstein chama de “definições ostensivas”: conexões manifestas e fixas entre nomes e coisas, significados e objetos, como quando apontamos para algo como sendo “isto” this.[48]( Só isto e nada mais.) é estranho ( queer) ele nota, que uma figura pareça uma coisa num certo contexto, e outra, em outros contextos.

A figura do pato/coelho  é paradigmaticamente  pataquérica porque ela é algo mais do que o olho vê: nossa “ cegueira de aspecto” pode levar-nos a ver essa figura de uma maneira e não da outra. O que ela  “é” nós nunca podemos ver em um único momento no olho.Podemos ser capazes de percebê-la de uma vez só, mas a vemos seriadamente ( oscilando dialeticamente).

 

 

Wittgenstein compara a inabilidade de ver coisas sem sugestões contextuais à falta de “ouvido absoluto.” [49]

Nós não vemos a coisa em si, mas a vemos como, a vemos com e por meio de nossos enquadramentos metafóricos. É a nossa  animalady que sofre do bloqueio de enquadramento. A cegueira do aspecto é uma adesão rígida a uma leitura ou a uma interpretação de uma figura ( ou poema) , uma repressão da necessidade que o contexto estabeleça  significado ( e que diferentes contextos estabeleçam significados potencialmente incomensuráveis). Esta visão costuma ser, às vezes, estigmatizada como relativismo, ou, em termos  poéticos, como niilismo ou aversão ao significado ou afeto.

Wittgenstein sugere  que o problema não está no  significado depender do contexto, mas  na estigmatização ( fixação ) de um aspecto  ordinário da linguagem.

Em nossa incapacidade de compreender o uso de uma palavra, nós a tomamos como expressão de um processo estranho [seltsamen].

(Tal como achamos o tempo um meio estranho, a mente—uma estranha espécie de ser.) .)(§196, trad. Anscombe)  (As we think of time as a queer medium, of the mind as a queer kind of being).

O estranho é que nós sublimamos “a lógica de nossa língua” (§38) de seu uso cotidiano, dependente do contexto para um sistema axiomático de correspondências rígidas, o qual tem o efeito de criar quimeras (  simples figuras bidimensionais) em lugar de seres vivos.

A quimera que nos mantém cativos é que a percepção não requer meditação: quando chegamos a tocá-la, achando que é uma prova viva, ela se  dissolve em nossas mãos, deixando uma névoa leve em seu lugar.

De acordo com Wittgenstein as definições ostensivas mapeiam nomes no mundo como se o fato da existência dos objetos  no mundo empurrasse a língua para a desambiguação: um estado compulsivo (não à vontade) de tentativas de descascar a língua até suas essencialidades, como se fosse um conjunto de rótulos para um mundo pré-existente.

(But what, for example, is the word “this” the name of in [a] language-game . . . or the word “that” in the ostensive definition “that is called . . .”?—If you do not want to produce confusion you will do best not to call these words names at all.—Yet, [queer / merkwürdigerweisse] to say, the word “this” has been called the only genuine name; so that anything else we call a name was one only in an inexact, approximate sense. . . . Naming appears as a queer (seltsame) connection of a word with an object. —And you really get such a queer [seltsame] connexion when the philosopher tries to bring out the relation between name and thing by staring at an object in front of him and repeating a name or even the word “this” innumerable times. For philosophical problems arise when language goes on holiday. And here we may indeed fancy naming to be some remarkable act of mind, as it were a baptism of an object. And we can also say the word “this” to the object, as it were address the object as “this”—a queer [seltsamer] use of this word, which doubtless only occurs in doing philosophy.) (§38, trans. Anscombe)

Mas o nome do quê, por exemplo, é a palavra” isso” num jogo de linguagem? … Ou a palavra “ aquilo”, na definição ostensiva “ aquilo se chama…”? Se você não quer criar confusão será melhor não chamar a essas palavras de “nomes”.—Mesmo assim, é esquisito [queer / merkwürdigerweisse] falar nisso, a palavra “ isso” foi chamada de o único nome genuíno; de modo que qualquer outra coisa que tenhamos chamado “nome” era nome apenas em um sentido aproximativo, inexato… Dar nomes aparece como sendo uma ligação estranha (queer [seltsame]) de uma palavra com um objeto, e você realmente tem essa ligação estranha[seltsame] quando o filósofo tenta explicitar a relação entre nome e coisa contemplando um objeto à sua frente e repetindo o nome e mesmo a palavra “isso” uma porção de vezes. Porque problemas filosóficos surgem quando a língua sai de férias.E nessa ocasião, podemos realmente considerar o fato de nomear como sendo um ato notável da mente, como se fosse o batismo de um objeto. E podemos dizer, também,  a palavra “isso”ao objeto, como se o fato de se dirigir assim ao objeto  fosse um uso esquisito [seltsamer] dessa palavra, o que sem dúvida ocorre apenas quando se faz filosofia . (§38, trad. Anscombe.)

Só isso! A percepção é cada vez mais remediada: o remediar precede a essência.

Ou, então, como Preston Sturges propõe em Christmas in July:”se você não consegue dormir de noite, não é o café, é o beliche.”

O desmascarar devia ser ele próprio desmascarado.

LXVI. In unum pluribus

A despeito de minha retórica desviante, não estou sugerindo que todas as diferenças sejam iguais e que formem uma alternativa unificada do gênero  experimental,  inconvencional, inovador da vanguarda; esses termos todos são sem dúvida contra-pataquésicos.

Não, eu estou interessado na maneira em que o estigma informa as práticas estéticas, em como ele provê uma base  social e contextual para aquilo que, de outro modo,  aparece como escolhas formais ou abstratas. Também estou tentando estigmatizar – olhar duas vezes – certas escolhas não marcadas como o melhor caminho para ler as escolhas formais realizadas. Penso essas abordagens antiabsorventes (antiabsorptive)  em termos de Ostranenie ( estranhamenro, desfamiliarização) e Verfremdungseffekt (alienation effect).

Em poética  aversiva, o conceito é a desestabilização ( descarilamento)da norma ou do standard,  ou da dominante: a estigmatização da norma não derruba todos os valores, mas retorna, antes, às “ concordâncias nos julgamentos .”[50]

Isso pode implicar uma reconsideração. A contra-hegemonia não é um fim em si mesmo, mas um método dialético – para invocar  Stanley Cavell que, por sua vez, repete Emerson – que visa “ essa América nova, mas mesmo assim esquiva.” [51]

Emerson se aproxima de Poe quando escreve , em “Experience,”que o viajante que está chegando perto é  “ primeiramente informado…da proximidade de uma região de vida nova e excelente…como se fossem flashes de luz… Mas, cada insight desse domínio do pensamento é sentido como inicial, e promete uma sequência.”

 

Ainda não chegamos lá.

Emerson começa “Experience,” assim: “Onde nos encontramos? Numa série. . .” Dickinson ecoa: “Uma sequência —está à nossa frente.”[52]

Em lugar de E pluribus unum (de muitos, um),vamos tentar com o mote, In unum pluribus, ( em um, muitos) mas também  com, In pluribus unum, ( dentre muitos, um).

Todos nós somos estigma, agora.

LXVII.

A normalização é a perversão do normal. O ordinário é ligado à convenção, mas não é ligado pela convenção.  O ordinário não é ligado ao dever .

LXIX.Marcos errantes

Em “These Flames and Generosities of the Heart: Emily Dickinson and the Illogic of Sumptuary Values” (1993), Susan Howe apresenta convincentemente o argumento que  aspectos fundamentais dos poemas de Dickinson não aparecem nas edições oficiais de suas obras pelo fato de os editores não terem reparado neles.[53]

Howe fala da significância do arranjo especial das palavras e dos versos e linhas das páginas holográficas  da poeta  (diferentemente do que ocorre com quase todos os outros autores, não há nenhuma história dos poemas de Dickinson que possa resolver a questão de suas intenções.)

Howe considera as holografias de Dickinson como desenhos ou marcas (marcos) na página; ela aplica o olhar   à sua leitura dos poemas como sendo um trabalho linguístico. Segundo Wittgenstein, a lógica dos valores suntuários num sistema de semântica ou de normas de publicação  não daria conta dos desvios das antinomias desestabilizadoras de Dickhinson,  o que equivale a dizer, seu caráter pataquérico.

Enquanto não foi possível chegar-se  a uma versão final, verdadeira, de seus poemas, o fato de  lê-los através de enquadramentos ( frames) possivelmente incomensuráveis  deixa o caminho aberto para sua serialidade. Conforme Dickinson escreve virtualmente,  o mundo – mas isso se aplica  também a  qualquer versão ou interpretação isolada do poema – “ não é conclusão/uma sequela – está além.” ( “is not conclusion / a sequel—stands beyond.”

Walter Benn Michaels derruba a proposta de  Howe de se encontrar  alguma  significância  nos “marcos desgarrados,” ( “ stray marks”: traços irregulares, aberrantes em lugar de signos linguísticos) de Dickinson, (Howe está usando um termo pataquérico),  pois, segundo ele,  o que é desgarrado permanece desgarrado e pode ser  desconsiderado sem problemas.[54]

Ele vê certo primitivismo, uma regressão a uma percepção não-humana ( de um “ homem selvagem”)na “visão material” de Howe, baseada na “ aparência sensorial”, desligada de qualquer uso ou propósito ( Michels retira seus termos-chave de Kant ou de Paul DeMan): “atividades editoriais como as de arrumar o poema em estrofes e decisões editoriais como as de ignorar os “stray marks” parecem a Howe limitar os significados de Dickinson e “ reprimir a imediatez física[‘physical immediacy’- termo de Howe] dos poemas.

Lendo-se  como significativo  o que poderia muito bem ter sido “acidental”, Howe ( como a leitura de Craig Dworkin, feita contra-luz) solapa a intenção e deixa-nos

com uma valorização do non-sense e do incoerente ( “non­sense” and “gibberish”) – dois pataquericals  primários.

“O significado de Dickinson” diz Michaels, alinha-se mais com a graça do que com trabalho (“grace rather than works), coisa que , para mim, nada tem de kosher. Mas, então, nós vimos o problema que essas feras textuais têm provocado até agora. Michael  só se encontra preso à sua descrença do  antinomianismo midrashico e – como um Sancho Pança americano – torna hábito seu investir contra quimeras. Este é o preço de ser um nativista estético–—“show me, I’m from Missouri”.

No  “The Poetic Principle,” Poe escreve: “He must be theory-mad beyond redemption who, in spite of these differences, shall still persist in attempting to reconcile the obstinate oils and waters of Poetry and Truth.”( “Deve estar enlouquecido pela teoria, sem redenção possível, aquele que –  a despeito  dessas diferenças – ainda persiste em tentar reconciliar os obstinados óleos  e as águas da Poesia e da Verdade”)

Pois, ser contra a teoria é estar enlouquecido pela teoria, além de qualquer redenção.[55]

LXX.

Wee wee wee all the way homeless.(nhe,nhe, nhe o tempo todo sem teto)

LXXIII. Anti–bachelor machines (Máquinas anti-solteiro)

Enquanto termo para construções poéticas, bachelor machine sugere processos não produtivos,  não-procreativos , onanísticos, círculos viciosos ( ou que encerram o Self, que desmoronam) um aparato que não consegue sair de si mesmo. Há uma ligação com délire (delírio com um referência especial a Jean-Jacques Lecercle)— aquele que se desgarra, desvia-se do racional, vagueia, delira.[56]

Embora talvez seja melhor chamar pataquérica uma máquina anti-solteiro.

Este termo “bachelor machine” (machine célibataire) vem de  “Bride Stripped Bare by Her Bachelors, Even”[Noiva desencapada por seus solteiros, mesmo”] (a parte inferior do copo de cerveja “Large Glass,” e.g., o “Moedor de chocolate”( “Chocolate Grinder”) de Duchamps. Michel Carrouges (em seu livro Machines célibataires) estendeu o termo para incorporar o aparato disciplinar que existe em A colônia penal de Franz Kafka e também Impressões da África de Raymond Roussel.Há também algumas máquinas de Poe e – crucialmente – o trabalho de Alfred Jarry. Esta formulação foi adaptada por Gilles Deleuze e Félix Guattari em Anti-Oedipus e também por  Michel de Certeau  em Ars de Faire.[57]

XC. Pataqueronormativas

I just want to be like everyone else like me.

( Eu só quero ser como todo mundo como eu.)

A história da arte, não menos que a história das sociedades, está plena de normalizações de estigmas. De tempos em tempos, como os valores estéticos e morais vão mudando, poéticas e pessoas previamente sujeitas a um juízo negativo  por aqueles que avaliam a poesia em termos de dever e virtude ,foram redimidos. Para os Jovens Hegelianos demolidores, essa redenção inaugura uma regra de renormalização ( sublimação) em que os fins da arte permanecem o dever e a moralidade; agora, porém, trata-se de uma moralidade nova, eticamente aperfeiçoada e o que reina é um dever estético, purificado e radicalizado.[58]

Mas a estética não é uma ferramenta de moralidade, nem está vinculada a ela e  nem por ela. A estética não é ética aplicada.

Praticamente, é uma lei  férrea (Ironclad® ) da natureza  que novas ortodoxias substituam as velhas,[59] da mesma forma que é uma ilusão do romantismo idealista pensar que alguma outra coisa seja possível.  .

Mesmo assim

TEMOS QUE PENSAR NUM IMAGINÁRIO CRESCENTE.

XCIV.

Esta seção foi intencionalmente deixada em branco.

 

XCVII.Quem sabe onde ou quando?

(Some things that happen for the first time

Seem to be happening again

And so it seems that we have met before

And laughed before, and loved before

But who knows where or when?

Lorenz Hart

There’s a certain Slant of light,

Winter afternoons—

 

that oppresses, like the Heft

 

 

 

Of Cathedral tunes—

Heavenly Hurt, it gives us—

We can find no scar,

But internal difference

When the Meanings , are—

None may teach it Any—

’tis the Seal despair—

An imperial affliction

Sent us of the Air—

When it comes, the Landscape listens—

Shadows—hold their breath—

When it goes, ’tis like the distance

On the look of death—.)[60]

Algumas coisas que acontecem pela primeira vez

Parecem acontecer de novo

E assim parece que nos encontramos antes

E rimos antes, e amamos  antes

Mas quem sabe onde ou quando?

 

Há certa Intenção de luz,

Tardes de inverno –

 

Que oprimem, como o Peso

 

Dos tons da Catedral —

Celestialmente Ferido,  ele dá-nos –

Não há ferida,

Mas diferença interior

Quando há os Sentidos—

Ninguém ensina Nada—

É o desespero do Selo—

Uma aflição imperial

Enviada do Ar—

Quando chega, o Panorama escuta—

Sombras – segurem seu alento –

Quando se vai, é como a distância

No olhar da morte.

 

 

 

 

 

 

 

Segundo  todas as versões publicadas anteriormente, a oitava linha do poema de Dickinson: “There is a certain Slant of light” começa por  “Where the Meanings, are.” Contudo, o manuscrito holográfico parece contar uma história diferente. Dickinson  dá a impressão de haver escrito When, e não Where, como primeira palavra da oitava linha:

But internal difference

When the Meanings, are—

Não vejo nenhuma diferença interna nos  when da holografia. Aqui vai a oitava linha:

 

Compare-se esta linha com o começo das linhas 13 e 15 , na mesma holografia, que são sempre transcritas por When:[61]

 

É uma diferença surpreendente que sugere que o significado é uma questão de duração, não de lugar, e que a diferença interna, incluindo  o espaçamento e outros aspectos materiais do manuscrito de Dickinson, revela que o significado é um processo serial que é torcido pelos atos da leitura e da interpretação. Não é surpresa que Dickinson soe aqui como Emerson, antecipando, como ela faz aqui e de forma mais geral nos fascículos, o que nós passamos a chamar “ poesia serial”.

 

Dickinson  parece estar sugerindo também, avant la lettre, que  a língua é um sistema em que a diferença produz significados, não sincronicamente, como em where,  mas diacronicamente, através do tempo, em when. Vive la difference, bien sur: porque a percepção da diferença, enquanto when,  é suscitada por uma experiência de diferença, o ângulo agudo, ou a inclinação da percepção que vem de um ceticismo localizado e como a fenda que separa duas pessoas quando tentam  entrar em contato e , frequentemente, falham ( irremediação). A resistência a ler Dickinson fora das molduras da apresentação gráfica e dos significados adotados é uma versão daquilo que Wittgenstein chama “cegueira do aspecto”: when/where (ou a holografia / tipograficamente  estandardizada) é uma versão textual da figura pato/coelho.

Recepções diferentes produzem poemas diferentes; o fechamento do contexto ocorre quando há resistência em  admitir a possibilidade de outras versões sugeridas por outros contextos,  o que exclui a possibilidade que possa não haver uma única solução estável, um “original” fixo, mas –antes – uma série de versões.

 

Certamente existe ambiguidade na escolha, e a escolha a ser feita é determinada por nossas expectativas: uma imagem  nos cativa  quanto àquilo que o poema estaria dizendo e como ele o deveria apresentar, de acordo com nossos modelos interiores. É uma ilusão imperial   que não admite nenhuma variante, que não leva em consideração  marcos desgarrados ( stray marks) tanto quanto o que é poeticamente acomodado ( poetic fluff).

Contextos que não podem ser avaliados ( diferença externa) criam significados diferentes ( diferença interna). Este poema é sobre versões, sobre iluminar uma versão e não outras, sobre suprimir diferenças – pluralidades – por causa do fechamento do contexto ( frame lock).

Ficamos um tempão lendo e ouvindo Dickinson. Nós não sabemos nem quando nem  onde encontrar seu trabalho, porque ele está projetado para fora, para um futuro que continuamos a manter como tal, e ao qual não somos capazes de chegar.

“Some things that happen for the first time / Seem to be happening again.” Novas formas de significância de Dickinson emergem, à medida que mergulhamos nos traços materiais que ela nos deixou.

XCVIII.

Polis é lágimas.[62]

XCIX.A  prisão da cultura do verso oficial

 

Num discurso inaugural no Bennington College: “Aviso aos estudantes do MFA que estão se pós-graduando em Escritura : As Palavras e as Abelhas”, D. W. Fenza, diretor executivo dos Programas Associados de Escritura (Associate Writing Programs) disse aos

jovens escritores reunidos no auditório que é “ moralmente repugnante” questionar os

méritos do sistema de prêmios literários. .[63] Imoral é uma palavra-padrão para um guerreiro frio, já,  repugnante confere  à observação sua  pataquérica bona fides.

Mas sua insinuação mais significativa, nesse contexto, é que aqueles que professam o trabalho de “Wittgenstein, Marx, Foucault, Hooks, Fanon, Lacan, Spivak, Lyotard, Kristeva, Poulet, Butler,  eGertrude Stein” são semelhantes a insetos parasitas.

A encíclica de Fenza, publicada em um  órgão da casa oficial  em que ele é  editor  ( logo, aqui a cultura poética  oficial não é uma metáfora) chegou virtualmente a cada pós-graduado em escrita criativa nos EUA. Nela, o autor atacou-me por emitir “ o ar doentio  da politicagem literária”, sem aparentemente reconhecer sua própria produção de ares doentios.

Fenza discorda de um reparo que eu faço no meu memorial para Creeley, onde eu falo dos ““neatly laundered poems of the poet laureates and Pulitzers.”[64](poemas branqueados dos poetas laureados e dos prêmios Pulitzer). Aí ele vai em frente  e lista recentes laureados e ganhadores do Pulitzer, comentando “ sugerir – como faz Bernstein—que esses poetas escrevam complacentemente e “uniformitariamente” [sic] é bastante extremo; é a demagogia  de uma poética surda para os tons; e – eu acho –, moralmente repugnante.”

Fenza confunde diferença estética com blasfema. Compare-se o ultraje moral feito pelo  meu “ demagógico” reunir uma década  de genéricos poetas premiados com o juntar dele de um século de  poética e filosofia. A metáfora do inseto é o conceito básico do

discurso inaugural ( a seção citada chama-se  “Beware the Ichneumonids”[ Cuidado com os Ichneumônides]). Fenza argumenta que “ teóricos literários e críticos culturais” como Marjorie Perloff e eu, que ensinamos a lista de autores proscritos somos análogos aos “ parasitas … ichneumônides, que têm hábitos peculiares de reprodução.” Ele apresenta esta explicação a sua audiência de professores  e estudantes de escrita criativa :

“An ichneumonid wasp, for instance, uses her ovipositor to inject her egg into the back of a caterpillar.”(Uma vespa ichneumônide, por exemplo,usa seu ovipositor  para injetar seu ovo no trazeiro de uma lagarta”.

Leitores de Counter-revolution of the Word: The Conservative Attack on Modern Poetry 1945–1960  de Al Filreis acharão familiar a linguagem de Fenza.  Um artigo de 1948 do  New York Times Magazine fala da poesia modernista como se ela fosse um

“ mosquito que suga seu sangue” – em outras palavras, um “ parasita que deve ser confinado”.  Um artigo de 1952 da Saturday Review  descreve o trabalho de Stein como uma “ febre amarela” que “ deve ser constantemente combatida e pulverizada com produtos químicos violentos para que os micróbios não se desenvolvam de novo e comecem uma nova infecção.” [65]

Em seu relatório anual à AWP (Associated Writing Programs – 2013), Fenza promoveu uma citação velha de um século de Walter Lippman, como lema de sua organização: “ A grande aventura social da América não é mais a conquista do deserto, mas a absorção de cinquenta povos diferentes. ”[66] A apropriação a-histórica de Fenza dessa citação pretende anular a inovação formal e promover a contenção cultural ( uma das muitas – one from many):

não-resistência via diferença, mas assimilação via absorção. Entretanto, contra a interpretação de Fenza, em 1914,  Lippman estava lutando pela necessidade continuada de uma inventividade radical americana , por novas ideias  por uma “revolta intelectual” (191) e contra  seu “inimigo irreconciliável” – o classicismo:

 

(Let it be understood that I am not decrying the great nourishment which living tradition offers. The criticism I am making is of those who try to feed upon the husks alone. Without the slightest paradox one may say that the classicalist is most foreign to the classics. He does not put himself within the creative impulses of the past: he is blinded by their manifestations. [In contrast] the man whom I call here the classicalist cannot possibly be creative, for the essence of his creed is that there must be nothing new under the sun.” (187).)

Fique bem claro que não deprecio o grande nutrimento que a tradição viva oferece. O que eu estou criticando são aqueles que tentam se alimentar só de sua casca seca. Sem paradoxos escamoteadores pode-se dizer que o classicalismo é completamente estranho aos clássicos. Ele não se situa  entre os impulsos criativos do passado: é tornado cego por suas [deles] manifestações. Contrariamente aos clássicos, o homem a quem chamo aqui de classicalista  não pode possivelmente ser criativo uma vez que a essência de seu credo é que não deve haver nada novo sob o céu (187).

Fenza se alimenta de folhas secas enquanto fica zunindo seu mantra “ nada de novo sob o sol”. Ao contrário, Lippman estava sugerindo que a nova onda de imigrantes seria  uma força dinâmica necessária para a América. Numa dissertação sobre o desenvolvimento pós-guerra  do “ estado x cultura”, Amy Paeth justapõe a fala de Fenza a um poema de  Robert Frost, de  1942, “The Gift Outright,” que  Frost leu por ocasião da posse de   John F. Kennedy, em 1961. O poema começa com a famosa frase :” A terra foi nossa antes que nós fossemos da terra”.

 

 

 

Paeth enfatiza sua “ temporalidade a-histórica”, ou seja, o desejo de possuir uma terra selvagem que é mal representada como deserta ou vazia.

Esta terra deve ser colonizada  pela“ dispossessão, ou seja, pelo apagamento da alteridade. [67]

Os limites de um ideal nepohumanístico para a poesia são que os trabalhos que não têm aprovação estética são estigmatizados como inumanos, ininteligíveis, bárbaros ,isso porque  — para voltar à formulação de Marc Shell sobre o limite da tolerância cristã – não existe um relato adequado da não irmandade (nonsibling) humana.

Todos os que professam o sentimento e o calor humano admitem  a patada ( hard boot):O urro bárbaro está bem, conquanto seja “nosso” urro bárbaro. Toda grande poesia é transcendente – eles dizem –, mas o “ grande” é uma referência à qualidade somente dentro de uma ideologia estética particular, reconhecida.[68] Para Fenza e seus co-conspiradores, a única coisa que eles reconhecem como não dogmática é seu próprio dogma.

 

C.I.

Senhoras e senhores, se vocês virem alguém em risco de cair nos trilhos, por favor, chamem por socorro.

CII. O coração fofoqueiro

(If I were King of the Forest . . .

Each rabbit would show respect to me.

The chipmunks genuflect to me.

Though my tail would lash, I would show compash

For every underling![69])

Se eu fosse o Rei da Floresta…

Todos os coelhos me respeitariam.

Os esquilos se ajoelhariam.

Apesar de meu rabo açoitar, aparentaria compaixão

Por tudo o que é inferior!

A cultura poética oficial se apresenta como sendo livre de qualquer programação, liberando seus editores e seus premiadores da necessidade de apresentar pontos de vista alternativos ou de tomar consciência  da natureza partidária de sua abordagem. Programação é coisa de outra gente. Dê-se uma olhada a isso, retirado de um perfil  de 2006,  de Helen Vendler, na New York Times Book Review:

(In the early ’70s, as editor of the Book Review, [John] Leonard was having trouble navigating the insular world of poetry. Poets “would never tell you if you’d asked them to review their best friend or worst enemy or ex-lover,” Leonard recalled. “There was always some agenda, and I could never figure out what it was.” So he hired Vendler to vet the flood of poetry books, reviewing some herself and suggesting reviewers for others. All this was done quietly. “We just couldn’t tell anyone,’ Leonard said. ‘It would put her under enormous pressure.”[70])

No início da década de 1970, como editor da Book Review, [John] Leonard estava tendo dificuldade em navegar  pelo mundo insular da poesia. Os poetas “ nunca teriam dito a você se você lhes pediu de resenhar seu ( deles)  melhor amigo ou seu pior inimigo ou ex-amante”, lembra Leonard.” Havia sempre alguma programação, e eu nunca conseguia saber do que se tratava.” Assim ele contratou Vendler para tratar da inundação de livros de poesia, resenhando alguns deles ela mesma e sugerindo resenhistas para outros.” Nós não podíamos dizer isso a ninguém,” disse Leonard. Teria sido uma enorme pressão, para ela.)

 

Existe uma ambiguidade deliciosa aqui: parece que Leonard está dizendo que ele deseja liberar o Book Review de qualquer tipo de agenda ( programação), mas ele poderia estar dizendo também que ele precisava encontrar uma pessoa que pudesse assegurar que estava se seguindo a programação correta.Vendler foi apontada crítica do New Yorker em  1978 e, mais tarde, tornou-se uma contribuidora frequente do New York Review of Books.

Pelo fato de ela mover-se entre  Times, New Yorker, e  NYRB ela não se contentava em levar adiante sua agenda própria: ela era cáustica em suas denúncias dos trabalhos que desafiassem sua agenda.O esquema foi proposto em sua resenha de 1973, de America: A Prophecy, editado por Jerome Rothenberg e George Quasha, que provou sua bona fides  ideológica para seu encontro subsequente com o New Yorker. Respondendo  a ela, Rothenberg nota que a diatribe de Vendler representa:

 

(an active, parochial and deeply entrenched attempt to keep the mind within what many of us have come to feel as intolerable limits. . . . To love a particular poetry is one thing; to assert is absolute supremacy over [other traditions] is another. Yet such is the genteel madness of certain academics, that they go on forever . . . with a mindless reliance on words like “great” and “best.”[71])

… uma  ativa tentativa paroquial e profundamente invasiva de prender a mente dentro daquilo que muitos de nós  sentimos como limites intoleráveis… amar um tipo particular de poesia é uma coisa … outra é  a de afirmar sua absoluta supremacia sobre outras tradições. Contudo, essa é a confiança estúpida de certos acadêmicos: eles vão em frente  para sempre … com sua dependência insana de palavras como “ grande” e “o melhor”.

A confiança que Vendler tem em “grande ” e  “ o melhor” dá-lhe o combustível para zombar da inclusão na antologia de  “H.D., Zukofsky, Rexroth, Oppen, Fearing, Patchen, Olson, Duncan, . . . Harry Crosby, . . . Else von Freytag-Loringhoven, Marsden Hartley, . . . Lorine Neidecker, Mina Loy, Max Ernst, Marcel Duchamp, . . . Sadakichi Hartmann.”[72] Mas—caramba!—que  grande lista de poetas! Vendler não vacila em sua batalha eterna contra o flagelo dos  bent studies: “Não se preocupe, caro leitor, se você nunca pensou que Marcel Duchamp pudesse fazer parte de alguma antologia de poesia americana … ou que aquele esquizofrênico anônimo também fizesse.”

Passemos a David Remnick, o atual editor do New Yorker, descrevendo seu encontro não programado em sua agenda, de Paul Muldoon, o editor de poesia da revista, em 2007: Não se trata apenas de pinçar o melhor poeta que você poderia achar…o senhor Muldoon disse que não tinha nenhuma ordem do dia para o trabalho.” [73]

A cultura poética oficial se auto-legitima  ao negar ( ou naturalizar) suas posições.

Apenas uma agenda exigente quanto aos poemas e os comentários publicados  ao longo do último quartel do século passado  poderia ter manobrado com sucesso essa revista,  e havê-la privado de tantos desenvolvimentos significativos da poesia e da poética, rumo —  ao contrário – a tantos ensaios sobre poesia  e poemas que não deixam de parecer tão mistificatoriamente medíocres àqueles que  não compartilham da agenda poética da revista.

Não há dúvida que isso é análogo de como as publicações que compartilham de minha agenda  podem parecer àqueles que não a compartilham; entretanto, na prática, a maioria das publicações de poesia vangloriam-se, mais do que negam, de elas terem aquela tendência.

 

Na mãe de todas as agendas pós-guerra de oposição, o “Projective Verse” (1950), de Charles Olson, ele escreve, num bofetão no rosto da estratégia americana da Guerra Fria, sobre o fato de se projetarem dogmas sobre todo mundo, menos sobre si próprios: “Então, aqui estamos , rápido, aqui vem o dogma” .”[74] Robert Creeley, repetido o que disse Wallace Stevens em “It Must Be Abstract” e em  “It Must Change,”explicita a questão: “Disparando contra a doutrinação, Olson dinamita com uma doutrinação trovejante. Ele insiste que deve ser dogmatica.” [75]

Mas a cultura poética oficial se legitimiza não apenas por insistir que é superior porque está livre de programação ( agenda), mas também, ao mesmo tempo, por marcar (tokenizing) os poetas que estão fora de seu centro de gravidade. John Ashbery é –muitas vezes – usado como simbolo ( token). E eu também, embora não tanto como eu teria gostado:

All right, Mr. Remnick, I’m ready for my close-up.

(Muito bem, Sr. Remnick,[ o editor do New Yorker] estou pronto para minha visita minuciosa)

 

Nesse meio tempo, no NYRB, Charles Simic oferecia mais uma denúncia exemplar da poética bent dos marcos desgarrados, que, de acordo com Simic (que concorre à direção do AWP com Fenza), foi corrompida pelo contato com “ a teoria cultural e literária da França”: “ Se  você fosse parar numa prisão, o que preferiria ter embaixo de seu travesseiro: um volume de Emily Dickinson ou um volume de  Gertrude Stein?”[76]

 

 

 

 

Se eu me encontrasse na prisão, desejaria provavelmente ler um manual de apelação do meu caso, ou – caso não o tivesse – de como sair dela. O contexto da agenda ideológica de Simic é concretizado na introdução de seu co-editor Sean O’ Brien a New British 2Poetry. O’Brien considera lixo a poesia que desafia o  status quo estético. Na introdução ele afirma orgulhosamente que aquele “incompreensível” “trabalho pós-moderno”, repleto de “ confusão e desorientação” foi excluído da antologia, dedicada a promover “ a principal corrente poética do Reino Unido”. [77]

Ainda assim o editor torna essa clara declaração de partidarismo numa reivindicação orvelliana do caráter definitivo da antologia .”[78]

Para Simic nós estamos ainda vivendo na Guerra Fria, durante a qual o papel da poesia era afirmar sua própria humanidade essencial e universal. O fato de Vendler colocar no ostracismo poetas iconoclastas é prova de sua inabilidade de captar a riqueza histórica e cultural das tradições poéticas americanas. Já o fato de Simic estigmatizar Stein e iconizar   Dickinson revela sua inabilidade de lidar com ambas. A sua visão de arte é aquela de um carcereiro. A poesia deve ser escrita para tranquilizar os guardiães dos asilos em benefício dos encarcerados . Uma abordagem dessas da poesia sacrifica a estética em nome do Dever, e até mesmo sacrifica o Dever ao Zelo.

Eu me demoro nessas publicações e nesses críticos pelo fato de  achar que eles, juntamente com os prêmios nacionais,  significam alguma coisa em nossa cultura, mas essencialmente em um sentido negativo: eles fazem parecer a poesia culturalmente uma chatice, mais preocupada com a elevação ou a memória cívica do que com a invenção estética, mesmo quando isso trai a estética do poeta que está sendo defendido. [79]

 

A cultura poética oficial não é que esteja 50 anos atrasada em relação à poesia ( ainda tem que alcançar a da década de 1950) ou 100 anos ( em relação ao modernismo radical, ainda demasiado radical ); ela é atemporalmente anacrônica. Não me entendam errado ( mesmo que eu esteja errado ou os  leve a errar): não apenas eu quero fazer parte da conversação, mas eu quero que nela estejam incluídos também os poetas de que mais gosto.

Além do mais, minha própria cabana digital segura (my own secure digital cabana) dentro da cultura poética oficial permite-me ficar de pé ( quando não rastejando) para fazer minha crítica sem ser excluído como mais um dos amantes rejeitados ( coisa que eu sou, encaremos os fatos). Nem acho que os críticos e os dadores de prêmios com os quais não estou de acordo, sejam “ moralmente repugnantes” ou que os poetas que eles defendem devam ser tratados como “ esquizofrênicos anônimos”.

Tal como já foi dito, os detratores , per se, não são melhores que os detratados; na história de Poe, os  detentos, depois da insurreição, são mais duros que seus guardas.

E o que dizer dos editores que insistem clamando que sua cobertura da produção poética é livre de qualquer agenda intencional, em sua procura de um consenso para o que é “o melhor”?

Se você for um  esquizofrênico anônimo, uma mulher com tendência homossexual, um formalista perverso que, em seu trabalho, articula “ confusão e desorientação”, então há uma certa tendência à escuridão que oprime, como o abismo nas orações na catedral.

Mas, quem sabe, o problema com esses periódicos seja menos uma questão de compromisso com um tipo de poesia do que uma profunda indiferença para com a poesia, baseada na crença que ela é mais um tipo de decoração lírica do que  um lugar de Luta Mental. Para esses editores, a poesia deveria  ser composta  para aqueles que preferem não ler poesia. Não há dúvida que há uma fofoca  constante nos meios de massa que a poesia “ difícil” foi invadindo o campo, em detrimento da poesia “ acessível” que é, muitas vezes (mas erroneamente), identificada com a poesia suave.

Em suas campanhas contra os pataquérulos, esses editores e o pequeno grupo de seus críticos oficiosos, acabam marginalizando  as abordagens à poesia que eles advogam por de-historicizá-las e deformá-la. O fato de eles acharem que a poesia é culturalmente insignificante fundamenta as decisões  e as revisões  no que diz respeito à cobertura poética por eles realizada.

Mas espere… não está ouvindo? O coração delator da poesia ( poesy) está batendo “mais forte—, mais forte – cada vez mais forte!” sob as tábuas do assoalho assentadas pela cultura oficial da poesia? Quanto tempo vai passar ainda até que chegue o momento em que os Simics & Vendlers, Benn Michaels & Fenzas não aguentem mais “desmontar” ( “ dissemble”) e “gritem”:

— “Eu admito o feito! – arranquem as tábuas! – aqui, aqui! é a batida do (seu [dela]) odioso coração !”[80]

Porque, caro  leitor, não está vendo que esses são os insurretos, que clamam serem os guardiães dos valores que eles trabalham ativamente para destruir? Leitor, imploro que ouça antes que seja tarde demais!

Os lunáticos nos aprisionaram e dizem que somos anormais, macacos, insetos, esquizofrênicos anônimos!

 

CV. A Favor da Disfluência

(To be crippled means to be institutionalized, infantilized, unemployed, outcast, feared, marginalized, fetishized, desexualized, stared at, excluded, silenced, aborted, sterilized, stuck, discounted, teased, voiceless, disrespected, raped, isolated, undereducated, made into a metaphor or an example. To be crippled means to be referred to as retard, cute, helpless, lame, bound, stupid, drunk, idiot, a burden on society, in/valid. To be crippled means to be discounted as a commodity or regarded as mere commodity.)

Jennifer Bartlett, Autobiography/Anti-Autobiography[81]

 

Ser aleijado significa ser institucionalizado, infantilizado, desempregado, desclassificado, temido, marginalizado, fetichizado, dessexualizado, fitado, excluído, silenciado, abortado, esterilizado, chocado, descontado, ludibriado, calado, desrespeitado, abusado, isolado, deseducado, transformado em metáfora ou exemplo. Ser aleijado significa ser reportado como um atraso, um engraçadinho, um desprovido, manco, limitado, estúpido, bêbado, idiota, um peso para a sociedade, um in/válido. Ser aleijado significa ser descontado como uma commodity ou visto como uma mera commodity.

 

A poética da disfluência e da deficiência é o horizonte para uma poética quérica do desarranjo. [82]

Para os  efeitos dessas pedreiras polêmicas (quarlsomce quarries)  eu estou menos interessado em narrativas de identidades ou deficiências  sociais/culturais do que no modo em que os contextos ( e as  experiências que eles incorporam) transformam tanto a escritura  quanto a leitura dos poemas: a diferença que é feita pela diferença, não a diferença expressa pela mesmidade.

 

Este  é um tema que foi explicitamente tratado por Amanda Baggs em seu vídeo

In My Language.[83] Baggs divide o vídeo em duas partes. A primeira visa apresentar

a experiência primária da consciência autística; parece um trabalho de arte desarranjada (deranged art) mas é contextualizada como expressiva pelo estado de espírito e pelos

modos de captação perceptual e comunicação de Baggs.

A segunda parte do vídeo é uma pata-tradução da primeira parte numa linguagem mais normativa, que tem o efeito de contextualizar a primeira parte não como sendo ininteligível, mas sim como sendo inteligível diversamente. Acusações de que o vídeo de Baggs seria uma fraude, de que ela não é realmente autista,  coisa que ela documenta em seu website[84], acrescenta um toque diabólico ao trabalho, uma vez que o humanista precisa apiedar-se de metamorfoses  sofredoras autenticadas num virtual “Piche e Plumas “(Tarr and Fethering) por parte de seus acusadores.

Se  Freaks ( Monstros) (1932) de  Todd Browning  permanece como  o trabalho  por excelência da scopophilia pataquésica,  nossa época exige que seu show de monstros seja “domesticado por Miltown” e se torne memórias cuja confiabilidade é comparável a ( e – muitas vezes – tão vantajosa, em termos financeiros, como ) os  junk bonds [ títulos-lixo da dívida especulativos e arriscados].[85] O cinema de Browning  cria uma auto-consciência brechtiana  no expectador, via repulsão e fascinação; O pequeno vagabundo de  Chaplin ( Little Tramp) é o inverso,  trazendo à tona  empatia e identificação, sem piedade.”À  une mendiante rousse” de Baudelaire permanece como paradigma  da aversão pela objetificação. Na “ Pastoral” a abordagem de Williams  “the houses / of the very poor”é estranhamente oblíqua:

: a “desgastada”( “weathered”) cena casual que “matizava um azul esverdeado”  oclui o voyeurismo.[86] Na poética contemporânea, a “Bum Series” de Leslie Scalapino (Way, 1988) revisita esse voyeurismo e  esse deslocamento para criar um espaço ontológico para o qual dirigir-se (averting aversion).[87]

No rastro de  Blake  e de  Emerson, Baggs leva a piedade de volta para seu possuidor, ao mesmo tempo em que ela possui seu próprio chão. Em “In My Language”

ela inverte muitos dos tropos e dos expedientes que tornam a poesia não familiar e traz as metáforas à sua fonte, ou melhor , ela traz a fonte para suas metáforas e para seus critérios, no sentido de Wittgenstein: “ um ‘processo interior’ necessita de critérios externos” (§580).

Baggs  confronta uma imagem falaciosa binária de processo interior e expressão exterior, ou seja, a ideia de que existe  uma “ verdade”íntima, experimentada privadamente  que precisa ser traduzida na expressão externa da memória .[88]

Numa conversa de 2001, a respeito  da gagueira e da punição, Jordan Scott, mapeando a  busca  implacável do arguidor por uma verdade interior, gira uma faca linguística na carne real.

Em sua fala Scott apresentou exemplos de arguidores que interpretavam

 

 

 

expressões externas  de disfluência verbal que estariam escondendo a verdade interior a ser descoberta. [89]

Ainda assim, o impulso do arguidor-algoz de investir contra a gagueira serve apenas para intensificá-la. O próprio gaguejar de Scott durante a fala faz com que as explicações que ele dá no discurso acadêmico ao auditório revertam para ele próprio: Scott não apenas fala do gaguejo, mas corta seu discurso com interrupções verbais que não só não interferem com o que ele diz, nem o comprometem, mas tornam seu discurso palpável.

Na coletânea  de poemas de Scott , Blurt ( Balbucio)ele  se dispôs a criar  obras  que faziam com que sua língua tropeçasse, durante a performance.[90] Ouvir Scott ler é tomar consciência da gagueira como um expediente literário que se transforma em gagueira enquanto animalady.

O trabalho de Scott é um alerta aguçado de que aquela deficiência não é (apenas) uma metáfora.  Blurt joga com a sua diferença dos poemas que usam o gaguejo como efeito sonoro ou como efeito social e semântico — só que ele faz isso não insistindo em sua deficiência real  como contraposição ao uso metafórico da deficiência por parte de outrem.

Como Baggs, ele compõe e propõe a diferença . O que aconteceria caso ele sarasse de sua gagueira? Perderia o código de sua poesia? Ou seria melhor ele aumentar a gagueira, como o francês profissional cujo acento se torna mais marcado a cada ano que ele passa em New York? Ou será que isso nos leva simplesmente de volta aos Monstros (Freaks)?

“The Human Abstract” repete  por aí: “Pity would be no more. / If we did not make somebody Poor.”( A Piedade não existiria mais se não tornássemos alguém Pobre).

CVII. Lágrimas alheias

 

Quem me vê zomba de mim—enrola os lábios e sacode a cabeça…

Psalm 22, trans. Robert Alter[91]

He that toucheth pitch, shal be defiled therewith.

(Quem atingir o tom mais alto será desonrado logo mais.)

Shimon ben Yeshua ben Eliezer ben Sira[92]

Truth from his lips prevailed with double sway,

And fools, who came to scoff, remained to pray.

( A verdade em seus lábios saiu em duplo balouçar /e quem veio para zombar ficou para rezar)

Oliver Goldsmith[93]

But let a Splinter swerve.

(Mas deixem uma Lasca revoar)

Emily Dickinson[94]

 

And alien tears will fill for him

Pity’s long-broken urn,

For his mourners will be outcast men,

And outcasts always mourn

(E lágrimas alheias atulharão por ele/A urna rachada da piedade,/Pois os pranteadores serão homens proscritos,/

E os párias sempre choram)

Oscar Wilde[95]

 

I know that queer things happen in this world. It’s one of the few things I have really learnt in my life.( Eu sei que coisas estranhas acontecem nesse mundo. É uma das poucas coisas que eu realmente aprendi em minha vida.)

Wittgenstein[96]

CVIII.

There’s a reason the keepers are the keepers

The sweepers sweeter

But somewhere there’s an in between

That wants to be but never’s been

( Há uma razão dos guardas serem guardas/Os varredores  mais doces/ Mas há algo de permeio em algum lugar/Que deseja ser mas nunca foi)

CIX.  Passando

“after trying my animal noise / I break out with a man’s cry”

( após tentar meu ruído animal/eu irrompi com o gritar de um homem)

Larry Eigner[97]

A cultura americana está repleta, ao mesmo tempo, do desejo de passar ( superar) e de uma resistência a isso: ser absorvido pela cultura dominante ou refazer essa cultura. A assimilação é motivada tanto pelo medo, quanto pelo desejo.

O entretenimento popular americano do século XX, do vaudeville à canção popular, está cheio de exemplos de performances étnicas e raciais, onde estigmas são ostentados  por suas supostas vítimas para uma audiência que se identifica com esses estigmas — ou esses estigmas são apresentados para satisfazer as fantasias racialistas (racialist) de audiências que com eles não se identificam.

Ou por ambas as razões: o jogo do mesmo e do diferente é sempre um chamariz.

Começando em 1910, Fanny Brice ( nascida Fania Borach, em 1891), a estrela do Ziegfeld,[ Ziegfeld Follies] apresentava-se falando numa linguagem cômica com acento yiddish ( sua apresentação mais famosa era “Cohen à praia”( “Cohen at the Beach”),

mas ela usava também seu acento yiddish para criar um efeito ofensivamente cômico de sua adaptação de imigrante  americana de I’m an Indian” (“O look at me I’m an Indian, that’s something that I never was before”): from shtetl to reservation, cara de judeu como cara vermelha (Jewface as redface).[98]Um nariz exagerado representa, visualmente, a cara de judeu: Brice fez uma cirurgia plástica para remover essa diferença em 1923. [99]

Em meados da década de 1940 ela havia aperfeiçoado  sua estrangeirice  ventriloquista,  atirando  na cultura de massa com uma outra de suas palhaçadas ziegfeldianas,   a voz radiofônica pataquérica de Baby Snooks, esquisita, mas não etnicamente marcada. O tempo todo Brice cantava canções de amor incompreendido como “When a Woman Loves a Man” quase sem acento, com sua voz central, que Brice ligava explicitamente a valores universais socialistas em “The Song of the Sewing Machine” (O canto da máquina de costura) (1927):

There is no song, there is no birds

And God is just another word

If you listen to the song of the sewing machine[100]

(Não há canção, não há penados/E Deus é só outra dicção/Se escutares o som de uma máquina de costura)

 

O sonho da “ liberdade” americana não passa no teste da exploração do  trabalho (sweatshop test) (“ A América nunca foi América para mim”—diz a famosa frase de Langston Hughes) :[101]: é a consciência de classe, não a plástica no nariz  que apaga a diferença, entendida aqui como diferença econômica, não étnica ou racial.

–Além do medo das diferenças étnicas ou raciais está o medo da diferença animal. O medo da animalady se manifesta como a necessidade de se passar como humano ( culto, erudito, educado, bem vestido) que, no conto do Dr. Tarr e do Prof. Fether  aparece como

a necessidade de ser reconhecido como não insano.

Michael McClure confronta diretamente a fobia de not passing (não ser passado) por  humano em seu “ Ghost Tantra” 49, em que ele não apenas inventa  “ linguagem animal” no melhor sentido zaumista[ o termo se prende ao conceito de “zaum” ou linguagem transmental do cubo futurismo russo], mas chega a representar o poema diante de  tigres que rugem, excedendo sua própria acrobacia linguística no minuto final (na gravação em áudio) dos sons do leão que continuam se ouvindo após o fim do poema, “ teatricalizando” uma plena dissolução do humano na animalidade. [102]

Trata-se de um ato encantatório, de um exorcismo quase satírico do humano. O conceito da performance de McClure não é o do homem domesticando o animal. A performance é antes um ajuste, em termos literários, com nosso animal interior, não tão nobre ,mas até mais humano do que somos (à la Cocteau’s “où est ma bête?”),[103]  mas como algo que , tal como o corpo, marca o ser animal como o nível básico do ser humano. Mas, nenhum desses esforços literários corteja necessariamente – seja pela romantização, seja pelo estigma – a jangalização, o primitivismo, a selvageria.

 

Em Thundercrack (1975) de Curt McDowell, George Kuchar ( que escreveu o roteiro) desempenha o papel de um motorista de caminhão de circo que se apaixonou pela gorila fêmea que ele está levando. Na última cena, tocante, vemos o motorista na cama com alguém com uma fantasia  clássica de gorila. Desde “À une mendiante rousse” de Baudelaire em diante, os artistas têm tentado encontrar um meio de retratar os “ outros” da sociedade sem voyeurismo, sem piedade , sem condescendência ou romantismo. Kuchar, na cama com um ator vestido de gorila, é a realização perfeita da possibilidade do pataquérico como busca daquilo que Kuchar chama “humanidade de outro mundo”( “otherworldly humanity.”)[104]

Como muitos filmes pornográficos,  Thundercrack retrata uma descida nos instintos sexuais animais trazidos à luz nesta  última cena. Com sua bestialidade paródica, Kuchar inverte a direção normal da assimilação: ele quer passar-se por um animal.

 

Como um sinal, em 30 de julho de 2009, o noticioso da Fox apresentou um segmento com  Megyn Kelly que atacava o  National Endowment for the Arts por estar apoiando uma série com filmes como Thundercrack, repugnante, segundo Kelly, por mostrar sexo entre um homem e um(a) gorila.

A repugnância moral é o último refúgio dos patifes.

CXX.

Eu detesto a emoção, e a fala  não é que me trate tão bem assim, também.

CXXXIII.

. Ao revisar essa obra encontrei muitas falhas fatais: o romantismo na valorização do fracassado, a de-historicização do estigma, a contradição  entre singular e plural, entre o instantâneo e a série. Porém era tarde demais para cancelar aquelas seções do trabalho e ainda ter material adequado para apresentá-lo a vocês. Mantenho-as aqui para mostrar as torções  e as reviravoltas inconvenientes de uma alma atirada aos mares abertos da vida  sem remos, lastro ou leme: uma alma confusa, dispersa, ilimitada.

CXXXIV.

Nunca podemos exceder  impunemente  os fatos reais em nossas narrativas. Da pura invenção, tal como alguns imaginam, não há exemplo. Para escrever  um verdadeiro trabalho de ficção  basta apenas ter  tempo  livre e  liberdade para descrever algumas coisas mais exatamente do que elas são de fato. Um relato verdadeiro do real é a poesia mais rara, pois o senso comum só vê de forma superficial e apressada …porque os sábios não são tão mais sábios do que os outros enquanto respeitadores de sua própria sabedoria.

Alguns, pobres de espírito, registram queixosamente apenas aquilo que aconteceu com eles; outros, entretanto, relatam coisas deles em relação ao universo…

 Henry David Thoreau[105]

 

 

CXXXV.

It’s always historicize, not only historicize.

( Trata-se sempre de historicizar, não apenas de historicizar)

CXXXVI.

Provide feedback on this essay/Proveja realimentação para esse ensaio

Did this essay solve your problem?

(Este ensaio resolveu seus problemas?)

__Yes __No __I don’t know ( Sim – Não – Eu não sei )

Was this essay relevant?

(Este ensaio foi relevante?)

__Yes __No( Sim – Não)

What can we do to improve this essay?

( O que podemos fazer para melhorar este ensaio?)

CXXXVIII.

Dê um poema para uma pessoa e ele será lido num momento.Ensine a uma pessoa como escrever poesia e isso durará o tempo de uma vida.

Ensine a uma pessoa a escrever um poema e ela poderá começar a compreender a si própria. Ensine a uma pessoa como ler um poema e ela poderá começar a compreender o mundo.

Dê uma tigela ( bowl) a um homem e ele terá algo em que verter sua sopa.Ensine um homem a jogar boliche ( to bowl) e ele poderá participar de um campeonato.

CXL.

“Cock-a-doodle-de-dooooooh!(cocoricó)

“Cock-a-doodle-de-dooooooh!”(Cocoricó)

 

Pataquericals & Poética

1: primary vernacular terms (pejoratives)

(Termos vernaculares primários (pejorativos)

odd estranho

weird esquisito

curious curioso

strange insólito

alien alienígena, forasteiro, alheio

funny engraçado

peculiar peculiar

oblique oblíquo

obscured obscurecido

eccentric excêntrico

bizarre bizarro

off-key desligado, destoado

dubious duvidoso

perverse perverso

deviant desviante

affected afetado

fey visionário

swish zunido, silvo

sissy maricas

freak monstro, aberração

hideous  odioso

warped  urdido, empenado

twisted  torto

girly feminino

effeminate efeminado

insincere insincero

low-bred  de perfil baixo

vulgar vulgar

disgusting  repugnante

illiterate analfabeto

ignorant ignorante

awkward  embaraçado

clumsy  desajeitado

erroneous errado

ugly  feio

mongrel vira-lata, mestiço

monkey macaco

monster monstro

untermensch (subhuman) sub-humano

heathen  inflamado

deformed deformado

demonic demoníaco

outcast  proscrito

slow vagaroso

weakling fracote

bum ordinário

vagabond vagabundo

parasite parasita

louse piolho

infidel infiel

diabolical diabólico

foreign estrangeiro

barbaric bárbaro

inhuman  inumano

  1. secondary constellation of senses related also to language use and to wittgenstein’s use of queer in philosophical investigations.

( constelação secundária dos sentidos relacionados ao uso da língua e ao uso que wittgenstein faz de queer nas Investigações Filosóficas).

Merkwürdig esquisito, peculiar, que suscita estranheza

Seltsam  estranho, misterioso, singular

rare raro

unordinary incomum

extraordinary extraordinário

remarkable notável

unexpected inesperado

altered  alterado

incongruous incôngruo, incongruente

ungraspable  incaptável

difficult difícil

anomalous anômalo

duck-rabbit pato-coelho

  1. tertiary constellation (e.g., as applied to money)

constelação terciária (por exemplo, aplicada a dinheiro)

forged forjado

fake fajuto

false falso

phony  infiável, frio

duplicitous   dúplice, ambíguo

  1. related to disability

relativa a deficiências

deformed deformado

misshapen disforme

disturbed perturbado

impaired debilitado

disfluency disfluência

  1. positive literary terms of art

termos literários positivos quanto à arte

charm  charme(cf. Andrew Welch)

desarranjo dos sentidos (Rimbaud)

nonsense nonsense (Lear/Carroll)

swerve clinamen (Lucretius, Jarry)

aversion/aversive/aversion  aversão/aversivo/aversão(Emerson)

artifice  artifício (Wilde)

’pataphysics  patafísica (Jarry)

estrangement estranhamento (ostranienie) (Chklóvsky)

zaum  zaum, linguagem transmental (Khlébnikov/Kruchenykh)

alienation effect  efeito de alienação(Brecht)

negative dialectics  dialética negativa(Adorno)

homophonic homofônico (Zukóvsky)

detournement  desvio (Debord)

bachelor machine  máquina de solteiro (Duchamp)

degenerate  degenerado (entartete Kunst)

fractal  fractal(Mandelbrot)

grotesque  grotesco

erratic errático

errant errante

ambiguity  ambiguidade

ambivalence  ambivalência (James Joyce / Steve McCaffery)

nomadic  nômade (Pierre Joris)

opacity  opacidade

density  densidade

rupture ruptura

fracture  fratura

stuttering  gagueira (cf. Nathaniel Mackey, “Sound and Sentiment, Sound and Symbol” – “ Som e Sentimento. Som e Símbolo”)

hyperbole  hipérbole

irony ironia

bathos  anticlímax

contradiction  contradição (Marx, Whitman, Brecht)

deformative  deformation

deformativo  deformação

polyseamy  polissemia

multifoliate  multifoliado

variance variância

alien angel  anjo alienígena (McGann on Poe)

patacriticism  patacrítica (McGann)

alternative  alternativa

pluriverses  pluriversos

polyverse  poliverso(Lee Ann Brown)

colliderings  colisores (O’Sullivan)

stray marks  marcos desgarrados (Howe on Dickinson)

explored in “artifice of absorption,” “close listening,” “poetics of americas,” “objectivist blues,” and this essay

artifice artifício

impermeability impermeabilidade

antiabsorptive antiabsorvente

thickness espessura

interruptive interrompente

abnormal anormal

nonstandard fora de padrão

dialect  dialeto

pidgin pidgin

creole crioulo

idiolect idioleto

miscegenated  miscigenado

syncretic sincrético

pharmakoi bode espiatório (scapegoat, Derrida)

anoriginal  não-original (Freud / Andrew Benjamin)

bent studies  estudos dobrados (cf. *)

dysprosody disprosódia

dyssemia dissemia

dystressed syllables  sílabas carentes/constrangidas

  1. book/press titles

Asylum’s Press  Imprensa de Asilo (apud Goffman)

Veil  Véu (apud Hawthorne e Morris Louis)

Stigma  Estigma (apud Goffman)

The Sophist  O Sofista

The Nude Formalism  O Formalismo Nu

Rough Trades  Comércios Acidentados

The Girly Man  O Homem Garota

The Introvert  O Introvertido

  1. my coinages Minha Lavra

com(op)posing  com(op)posição

dysraphism  disrafismo

klupsy (cp. klutzy) desajeitado  (nome que vem de um poema de Charles Bernstein “The Klupsy Girl”) .

pluriperversity/polyversity   pluriperversidade/poliversidade

frame lock   bloqueio do contexto (apud Goffman)

rearrangement of the senses   rearranjo  dos sentidos

bent studies  estudos dobrados ( cf. *)

Mental Fright  Medo Mental

anti-bachelor-machines  máquinas anti-solteiro

low bred  baixo perfil (vs. hybrid/elliptical)

patalyrical  patalírico (cf. Nude Formalism)

pataquerical  paraquérico ou pataquerical

pataque(e)rical  pataque(é)rico

pataqueroid   pataqueróide

pataqueronormative  patáqueronormativo

pataquerulous  pataquérulo

pataquerulous(e) pataquérulo

pataqueasical  pataquésico

clinamacaronic  clinamacarrônico

patanational  patanacional

aversive poetics  poética aversiva

animalady   animalady

irremediation  irremediação

nepohumanism  nepohumanismo

echopoetics   ecopoética

Midrashic Antinomianism  Antinomianismo Midrashico (Antinomianismo: contradição entre quaisquer princípios, doutrinas ou prescrições . Midrashico, de Midrash (em hebraico: מדרש; plural midrashim, “história” de “investigar” ou “estudo”). Método homilético (Pregação ou Formação textual) da exegese (Interpretação critica) bíblica. O termo também se refere à compilação integral dos ensinamentos homiléticos sobre a Bíblia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Midrash)

  1. jewish Judeu

fragmented fragmentado

uprooted desenraizado

wandering vagueante

untrustworthy  inconfiável

unstraightforward complicado

doubletalking duplofalante

shtick colagem

viral  viral

schlemiel/shemozzle   desengonçado ou inábil

 

(entartete) degenerado

mischling (mongrel) mestiço

  1. reversals Reversos

innovator inovador

rebel rebelde

extraordinary extraordinário

exceptional excepcional

iconoclast iconoclasta

genius gênio

special especial

 

 

Um esboço desse ensaio, “Unsettling the Word,” foi apresentado após  a conferência “Tendencies: Poetics and Practice,” no Centro de Graduação da Cidade Universitária da Cidade de New York , em 24 de fevereiro de 2010, a convite de Trace Peterson,  e por ocasião da palestra “Rethinking Poetics,”  na Universidade de Columbia,  em 11 de junho de 2010. Versões do trabalho foram apresentadas subsequentemente também durante a Lahey Lecture, na Concordia University (Montreal), em 25 de outubro de 2012;  na Universidade deYale, no English Department Lectures ( EPC),  em 27 de fevereiro de  2014;  por ocasião da  conferência em comemoração do vigésimo aniversário do EPC, em 12 de setembro de 2014;  e em  boundary 2, “The Social Life of Poetic Language,” em Dartmouth, em 22 de maio de  2015 . O ensaio foi completado em janeiro de 2015.

*Dobrados,  retorcidos, com extremidade recurvada.

[1] Nessa produção os artistas foram Helen Vendler, Charles Simic e Walter Benn Michaels.

** A expressão vem do poema “El Shock de los Lender” traduzido por Perednick.

[2] Nepohumanismo (também chamado necrohumanismo e hypohumanismo) universaliza as preferências imediatas de alguém  e estigmatiza como “ bárbaras” aquelas que não são imediatamente inteligíveis.

***Deformação da expressão comum “An Old Wive’s Tale”, ou seja, coisa inverídica.

 

[3] Simon Jarvis, Wordsworth’s Philosophic Song (Cambridge: Cambridge University Press, 2009).

[4] Jerome McGann, Romantic Ideology (Chicago: University of Chicago Press, 1983). Veja-se “McGann Agonist” em Attack of the Difficult Poems: Essays and Inventions.

[5] Cf. American Hybrid: A Norton Anthology of New Poetry, ed. David St. John and Cole Swensen (New York: W. W. Norton, 2009) e  Stephen Burt, com a resenha de  Smokes,  de Susan Wheeler, na  Boston Review  23, no. 3 (Setembro 1998); em  American Letters & Commentary, no. 11, “The Elliptical Poets feature “ (2007).  Veja-se também de  Craig Dworkin, “Hypermnesia,” e de  Brian Reed, “Grammar Trouble,” em “American Poetry after 1975,” uma edição especial de boundary 2 , editada por mim (36, no. 3 [outono de  2009]).

[6] Edgar A. Poe, “The Poetic Principle,” www.eapoe.org/works/essays/poetprnb.htm. Veja-se, de  Jerome McGann, The Poet Edgar Allan Poe: Alien Angel (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2014), que resitua Poe a em seu papel fundador para a poética americana e a do século XIX ; A erudição deslumbrante de McGann’s  torna o trabalho de Poe presente de forma eletrizante e presciente de forma assombrosa.

[7] William Carlos Williams, “Paterson,” in Collected Poems, vol. 1, ed. A. Walton Litz and Christopher MacGowan (New York: New Directions, 1986), 263–66.

[8] The Poems of Emily Dickinson, ed. T. H. Johnson (Cambridge, MA: Belknap Press of Harvard University Press, 1955), no. 258, 1:185. Discutirei em seguida uma outra leitura  desse poema.

[9] Williams, “Paterson,” 263, 265; p. 266 (os versos finais) citados abaixo.

[10] Wallace Stevens, “An Ordinary Evening in New Haven,” XII: “The poem is the cry of its occasion, / Part of the res itself and not about it.”

[11] Gertrude Stein, “If I Told Him: A Completed Portrait of Picasso” (1923), EPC Digital Library, writing.upenn.edu/library/Stein-Gertrude_If-I-Told-Him_1923.html.

[12] Poems of Emily Dickinson, no. 505, 2:387–88. Eu discuto este poema em “Artifice of Absorption,” in A Poetics (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1992). Os “breves vislumbres indeterminados”de Poe têm uma ligação tênue com a observação de Walter Benjamin em “Über den Begriff der Geschichte”(Sobre o conceito de História) segundo a qual as memórias, tal como quadros de História, dão-se em flashes. “Das wahre Bild der Vergangenheit huscht vorbei. Nur als Bild, das auf Nimmerwiedersehen im Augenblick seiner Erkennbarkeit eben aufblitzt, ist die Vergangenheit festzuhalten.”

(A verdadeira representação  do passado lampeja. Como um quadro que nunca é visto de novo em seu instante de reconhecimento, o passado é lembrado quando, precisamente, ele lampeja.) Illuminationen: Ausgewählte Schriften (Frankfurt am Main 1974), Bd.1, S. 25–26.

[13] Veja –se,  de Robin Seguy, a  edição digital de “O corvo” entretecida com traduções de Baudelaire e Mallarmé . Em hwww.text-works.org/Texts/Poe/Raven_data/RavenEdNote.xhtml. .

[14] É o termo recorrente favorito de meu filho  Felix.É só você começar a vê-los que eles se multiplicam feito coelhos

[15] Poems of Emily Dickinson, no. 1563, 3:1077. Discuto este poema em  “The Wolf Interview” com Stephen Ross, nesta coleção.

[16] Pierre Joris, “The Work of Al-Ishhk,” em Poasis: Poems 1986–1999 (Middletown, CT: Wesleyan University press, 2001), 27.

[17]Animalady  pode ser definido, provisoriamente, como a doença humana de ser animal e de resistir a sê-lo. Veja-se “Close Listening”  em  My Way: Speeches and Poems.

[18] Ralph Waldo Emerson, “Self-Reliance,” www.rwe.org/complete-works/ii-essays-i/ii-self-reliance.html. Em sua segunda  Tanner lecture,  na Universidade de Harvard, “Myself as Stranger: Empathy and Loss” (9 deAbril , 2014), Rowan Williams faz um comentário iluminador quanto à obra  Stanley Cavell “The Avoidance of Love,”, ao ensaio de  Cavell sobre King Lear em  Must We Mean What We Say? (New York: Charles Scribner’s Sons, 1969). Williams sustenta que a empatia (quando entendida como um estado cognitivo mensurável) é eticamente insuficiente, pois apoia-se num modelo de afeto como recepção e não de tomada de consciência (acknowledgment) como estímulo para fazer ( ou performar.)

[19] Este sentido duplo de droga é vernacular: o flagelo das drogas versus  as drogas milagrosas. Pharmakós, como explica Derrida em seu relato detalhado, é o antigo rito grego da antiabsorção, em que o pharmakeus ( bruxo, mago, envenenador, curador,droguista, sofista) bane o pharmakoi ( denigrado, bode espiatório, exilado, ostracizado.) Veja-se, de  Jacques Derrida, Dissemination, trad. Barbara Johnson (Chicago: University of Chicago Press, 1981), xxv, 70–75, 82, 97, 119.

[20] Transcrição textual de William Blake, “The Human Abstract,” em Songs of Innocence and Experience (1794),44; da coleção do Yale Center for British Arts, reproduzida do  The William Blake Archive, ed. Morris Eaves, Robert N. Essick, e Joseph Viscomi (2008): <www.blakearchive.org/exist/blake/archive/object.xq?objectid=songsie.l.illbk.44&java=no>

[21] Cf. Marc Shell, “Marranos (Pigs- Porcos), ou  From Coexistence to Toleration,” Critical Inquiry 17 (Winter 1991).

[22] Benjamin, “Über den Begriff der Geschichte” (Sobre o conceito de História),  já citado acima: “Es ist niemals ein Dokument der Kultur, ohne zugleich ein solches der Barbarei zu sein.”

[23] Burroughs desenvolve esta ideia em The Ticket That Exploded (1957–61): “ Da simbiose ao parasitismo a distância é curta. Agora, a palavra é um vírus. O vírus da gripe  pode haver sido, uma vez, uma célula pulmonar saudável. Hoje é um organismo parasita que invade e danifica os pulmões. A palavra pode ter sido, no passado, uma célula neural saudável. Hoje é um organismo parasita que invade e danifica o sistema nervoso central. O homem da modernidade perdeu a opção do silêncio.  Tente interromper seu discurso sub-vocal. Tente conseguir nem que seja dez segundos de silêncio interior. Você vai encontrar um organismo que resiste  e que força você a falar. Esse organismo é  a palavra.” Word Virus: The William S. Burroughs Reader, ed. James Grauerholz e  Ira Silverberg (New York: Grove, 1998), 208.

[24] Poems of Emily Dickinson, no. 501, 2:384–85.

[25] Cf. Donald Ault, Narrative Unbound: Re-visioning William Blake’s The Four Zoas (Barrytown, NY: Station Hill, 1987).

[26] Citações retiradas do manuscrito de 1844: www.eapoe.org/works/info/pt053.htm.

[27] A figura foi primeiramente publicada em Fliegende Blatter, October 23, 1892, 147) e serviu de base para o estudo de 1899 de Joseph Jastrow, que , por sua vez, tornou-se a base da qual se valeu  Wittgenstein para discutir a figura do ambíguo (“ou reversível, ou bi-estável”) nas Philosophical Investigations. Cf. John F. Kihlstrom, “Joseph Jastrow and His Duck—Or Is It a Rabbit?” (2004), socrates.berkeley.edu/~kihlstrm/JastrowDuck.htm.

[28] Whitman, “Respondez!”: 1867 versão do “Poem of the Propositions of Nakedness” , em Leaves of Grass,  de 1856 ,www.whitmanarchive.org/published/LG/1867/poems/126. Cf. o ensaio de Vaclav Paris a respeito deste poema em Arizona Quarterly Review 69, no. 3 (Outono de 2013).

[29] Craig Dworkin e Kenneth Goldsmith, eds. Against Expression: An Anthology of Conceptual Poetry (Evanston: Northwest University Place, 2011). Erving Goffman, Frame Analysis: An Essay on the Organization of Experience (Boston: Northeastern University Press, 1986).

[30] “Why Conceptual Writing?,” xx. Cf. Minha discussão a respeito de fraudes em“Fraud’s Phantoms,”  em  Attack of the Difficult Poems.

[31] Samuel R. Delany, “Atlantis Rose: Some Notes on Hart Crane,”  em  Longer Views: Extended Essays (Middletown, CT: Wesleyan University Press, 1996). Delany discute o ensaio de Blackmur às pp. 191–192.) Ele reconhece sua dívida para com   Transmemberment of Song: Hart Crane’s Anatomies of Rhetoric and Desire  de Lee Edelman (1987) às páginas. 919–91. O trabalho de Delany ao qual eu me referi nessa seção ainda não foi publicado; trata-se de uma resenha extensa  e de uma crítica de Delany  à obra The Broken Tower: The Life of Hart Crane de Paul Mariani. “A Centennial Life from the Roaring Twenties” foi primeiramente  apresentada na  Kelly Writers House,  na Universidade da  Pennsylvania,  em 25 de janeiro de , 2007; áudio-disponível em PennSound, writing.upenn.edu/pennsound/x/Crane.php. Delany deu-me uma cópia do manuscrito.

[32] Brian Reed, “Hart Crane’s Victrola,” Modernism/Modernity 7, no. 1 (2000). Procurando por um qualquer uso anterior do termo immediation, descobri um artigo de Christoph Brunner, “Immediation as Process and Practice of Signaletic Mattering,” no Journal of Aesthetics and Culture 4 (2012), www.aestheticsandculture.net/index.php/jac/article/view/18154/22833.

[33] “Explicit Version Number Required,” em My Way: Speeches and Poems, 191.

[34] William Logan, “Hart Crane’s Bridge to Nowhere,” New York Times Book Review, 28 de janeiro de 2007, 18.

[35] english.illinois.edu/maps/poets/a_f/crane/metaphor.htm. A carta só aparece  na edição de Crane da Library of America .

[36] Christina Hesketh  fez com que eu reparasse que em português significa “bizarro” enquanto em espanhol seu significado de “delicioso”, “requintado” se aproxima ao do inglês.

[37] “You are special / You are my friend / You’re special to me. / You are the only one like you.” Fred Rogers, “You Are Special” (1967), pbskids.org/rogers/songLyricsYouAreSpecial.html.  Isso também cria, inevitavelmente,  o eufemismo “ necessidades especiais.” Todos nós  somos especiais  e temos necessidades especiais. O eufemismo pataquérico substitui atributos positivos por atributos negativos estigmatizados: “desafiado”( challenged )por deficiente.

[38] Eu discuto  Jewish Self-Hatred  de Sander Gillman(Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1990) em My Way: Speeches and Poems, 37, 188, 216. Cf. também, de  Erving Goffman, Stigma: Notes on the Management of Spoiled Identity (New York: Simon and Schuster, 1963).

[39] Em Ludwig Wittgenstein: The Duty of Genius (New York: Penguin Books, 1990), Ray Monk relata que um amigo de  Wittgenstein teria perguntado: “ se  quando ele pensou seu trabalho como filósofo, mesmo em seu ser um filósofo, isso nada teria a ver com sua homossexualidade. O que estava implícito é que o trabalho de  Wittgenstein como filósofo podia, de algum modo, ter sido um artifício para  se esconder de sua homossexualidade. Wittgenstein rejeitou a questão com raiva em sua voz: Certamente não!”’ (567).

[40]Ludwig Wittgenstein, Philosophical Investigations, trad. G. E. M. Anscombe, P. M. S. Hacker, e Joachim Schulte, rev. 4a. edição . P. M. S. Hacker e Joachim Schulte (Walden, MA: Blackwell, 2009). Os novos editors notam: “[Elizabeth] Anscombe traduziu seltsam e  merkwürdig por ‘queer.’ Nós temos traduzido   seltsam  por ‘odd,’ ‘strange,’ ou ‘curious,’  e  merkwürdig por ‘remarkable,’ ‘strange,’ ‘curious’ oru ‘extraordinary.’” (xiii). Cf. também a terceira edição da tradução de Anscombe (New York: Macmillan, 1958).

[41] Wittgenstein in Cambridge: Letters and Documents 1911–1951, ed. Brian McGuinnes (Boston: Wiley-Blackwell, 2008): o primeiro excerto é de uma carta a  Norman Malcolm de 2 de maio de1948, carta no. 380, p. 422; o segundo é de uma carta a  Rush Rhees,  de 20 de agosto de 1948,  carta no. 433, p. 392.

[42] Pela informação sobre o uso em alemão, agradeço a  Norbert Lange,  que respondeu a minhas perguntas em  2 e-mails, em 15 de fevereiro de 2014.

[43] Lange nota que tirando-se a vírgula o elemento cômico da frase fica reduzido.

[44] The Correspondence of Williams Carlos Williams and Louis Zukofsky, ed. Barry Ahearn (Middletown, CT: Wesleyan University Press, 2003), 544 (1928).

[45] Esta linha de pensamento é continuada em “Artifice of Absorption” de A Poetics: sublimada é absorvida; queered é antiabsortiva; pataquerical  é hiperabsorção sincrética (oscillating absorption and impenetrability) (oscilando absorção e impenetrabilidade).

[46] CF “Characterization” em Content’s Dream: Ensaios 1975–1984 (Los Angeles: Sun & Moon, 1985).

[47] Wittgenstein discute a “cegueira do aspecto” – ( “aspect blindness”) – em  The Philosophy of Psychology: A Fragment (formalmente chamada parte 2 das Investigações) e incluída na quarta edição.: §§257, 258, 260.

[48] Philosophical Investigations, §§6, 9, 28–38.

[49] §257, The Philosophy of Psychology: A Fragment, in Philosophical Investigations, 4th ed.

[50] “Se se quer que a lingual seja um meio de comunicação deve haver um acordo não apenas quanto às definições, mas também – por mais estranho(queer [seltsam] )   que isso possa parecer, nos juízos também.” “Zur Verständigung durch die Sprache gehört nicht nur eine Übereinstimmung in den Definitionen, sondern (so seltsam dies klingen mag) eine Übereinstimmung in den Urteilen” (§242).

[51] This New Yet Unapproachable America: Lectures after Emerson after Wittgenstein (Albuquerque: Living Batch, 1989).O título vem da “Experience” (1844) de Emerson:

“And what a future it opens! I feel a new heart beating with the love of the new beauty. I am ready to die out of nature, and be born again into this new yet unapproachable America I have found in the West.” (E que futuro abre! Sinto um novo coração batendo de amor pela nova beleza. Estou pronto a ir morrendo na  natureza e a nascer de novo nessa nova e inalcançável América que encontrei no Oeste”.

 

 

“And what a future it opens! I feel a new heart beating with the love of the new beauty. I am ready to die out of nature, and be born again into this new yet unapproachable America I have found in the West.”

“E que futuro abre! Sinto um novo coração batendo com o amor de uma nova beleza. Estou pronto a morrer fora da natureza, e nacer de novo nessa esquiva América que encontrei no Oeste.”

www.rwe.org/complete-works/iii-essays-ii/ii-experience.html.

Gerald Bruns refere-se ao envolvimento de  Cavell com  Poe (e eu deveria acrescentar Emerson) em “Being Odd, Getting Even (Descartes, Emerson, Poe)” em sua reunião de 1988  In Quest of the Ordinary: Lines of Skepticism and Romanticism (Chicago: University of Chicago Press). Bruns  cita Cavell—“

Falar de algo chamado perverso que  contém este diabinho[Poe’s ‘The Imp of the Perverse’] é falar da própria língua, especificamente da inglesa,  enquanto perversa. “Bruns comenta: O fato básico da língua ( e consequentemente da poesia e da literatura , em geral) é o a respeito de que Platão e muitos depois dele nos alertavam: sua materialidade demônica.” Bruns, resenha de Stanley Cavell and the Claim of Literature por David Rudrum, Notre Dame Philosophical Review, 1 de dezembro de   2014), ndpr.nd.edu/news/54378-stanley-cavell-and-the-claim-of-literature.

[51] Esta é uma possível alternativa de se ler  Dickinson, no. 501, citada acima.

 

 

[53] “These Flames . . .” de Susan Howe foram reunidas em  The Birth-Mark: Unsettling the Wilderness in American Literary History (Middletown, CT: Wesleyan University Press, 1993). EPC edição digital , writing.upenn.edu/library/Howe/. Seus pontos de vista receberam recentemente uma maior atenção

devido à publicação, em 2012, de reproduções e transcrições de escritos da poeta sobre envelopes em

The Gorgeous Nothings e à exposição a eles relativa no Drawing Center de New York. Cf. Jen Bervin  e Marta Werner, The Gorgeous Nothings: Emily Dickinson’s Envelope-Poems (New York: Granary Books, 2012), reeditado por  New Directions (2013)com prefácio de  Susan Howe. No Drawing Center (New York) foi organizada uma apresentação do livro Gorgeous Nothings durante a qual Howe, Bervin, e Werner tiveram ocasião de falar (Novembro, 23, 2104) como parte de um show pouco comum,  num context de arte visual dos envelopes holográficos de Dickinson e de manuscritos dela vindos da coleção  do  Amherst College  (o material de  Dickinson foi mostrado juntamente com as holografias de  Robert Walser na exposição  Dickinson/Walser: Pencil Sketches, 15 de novembro de   201 a 12 de janeiro de 2014). O show consecutive no Drawing Center, Drawing Time, Reading Time, cujoacuradora foi  Claire Gilman, focou explorer a relação entre desenhar e escrever  como gestos  distintosmas assim mesmo entrerelacionados”  reforçando implicitamente, desse modo, a visada de  Howe das holografias de  Dickinson como estando próximas  do desenho,  (embora não a mesma coisa) . Como parte do show, eu apresentei uma mostra de seus poemas desenhados a mão, reunidos por Robert Grenier ( 6 de janeiro de 2014). Cf. a simpática resposta ao show da poeta que Holland Cotter publicou no New York Times, “A Poet Who Pushed (and Recycled) the Envelope: ‘The Gorgeous Nothings’ Shows Dickinson’s ‘Envelope Poems,’em 6 de dezembro de 2013, C32.

Werner realizou a pesquisa mais cuidadosa quanto a esse aspecto acompanhando seu trabalho com   Howe em SUNY-Buffalo: Howe orientou a tese de  Werner em 1993: “Quires of Light: Emily Dickinson—Scenes of Reading, Surfaces of Writing” (Eu atuei na comissão e aprendi de ambas) . Cf. Werner’s Open Folios: Scenes of Reading, Surfaces of Writing (Ann Arbor: University of Michigan, 1996).

[54] Walter Benn Michaels, The Shape of the Signifier: 1967 to the End of History (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2004),  2, 5. Em The Secret History of the Diving Line (Guilford: Telephone Books, 1978), Howe situa a si própria entre dois Marcos, seu pai e seu filho.

[55] Steven Knapp e Walter Benn Michaels, “Against Theory,” in Against Theory: Literary Studies and the New Pragmatism, ed. W. J. T. Mitchell (Chicago: University of Chicago Press, 1985).

[56] Para mais detalhes a respeito de dèlire, cf. Jean-Jacques Le Cercle, Philosophy through the Looking-Glass: Language, Nonsense, Desire (La Salle, IL: Open Court, 1985).

[57] Eu dou uma lista das minhas próprias  máquinas  anti–solteiro em “What, Me Conceptual?,”  com uma referência especial a “Recantorium: A Bachelor Machine after Duchamp after Kafka,” writing.upenn.edu/pennsound/x/Bernstein-Tucson.html. “Recantorium” foi publicado em Attack of the Difficult Poems. Cf. Michel Carrouges, Machines célibataires (Paris: Arcanes, 1954, 2nd ed. 1976). De Certeau discute as “celibate machines” de Jarry, Roussel, Duchamp, e  Kafka em The Practice of Everyday Life (Berkeley: University of California Press, 1984), 150–53. Deleuze e  Guattari discutem as  “celibate machines” em Anti-Oedipus (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1983), 17–19. Cf. também Lecercle, Philosophy through the Looking Glass.

[58] Para um estudo de caso, veja-se “Disfiguring Abstraction” nesta coleção. Para os hegelianos ortodônticos da vanguarda.  A ortodontia hegeliana  da vanguarda  foi exemplificada  numa sessão de planejamento no Museu de Arte Moderna e discutida em ensaio. Minhas sugestões de que as energias mais radicais e contraditórias da arte modernista estavam arriscadas a serem contidas pela abstração do museu foram rebatidas com um exemplo vigoroso de como a arte esteticamente desafiadora pode ser  incluída no novo normal. A arte e a poesia de vanguarda, por definição, são susceptíveis  à isca do

pataqueronormativo: para nós, tão  atraente como as sereias para Odisseu..

[59] “The iron hand crushed the Tyrants head / And became a Tyrant in his stead,” como Blake diz concisamente em  “The Gray Monk.” Eu leio o poema aqui: www.rc.umd.edu/pop-blog/charles-bernstein-reads-grey-monk-william-blake.

[60] Minha transcrição da holografia de  Dickinson  (aprox.1861), do fascículo 13, reproduzido em The Manuscript Books of Emily Dickinson, ed. R. W. Franklin, 2 vols. (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1981), e publicado por  Johnson como no. 258, 1:185. Uma versão do trabalho foi primeiramente  publicada em  1890 I, na primeira edição dos  Roberts Brothers dos poemas de Dickinson, publicados por Mabel Loomis Todd e T. W. Higginson, numerados XXXI, mas sem título ; o último poema da sequência tem o título de “Nature.” A terceira linha, nessa versão , é a seguinte “That oppresses, like the weight.”( Que oprime , como peso).

[61] Eu questionei Ralph Franklin quanto a essa leitura alternativa (comunicação pessoa dada em 15 de outubro de  2005); ele respondeu que a leitura “onde”( where)  se apoiava na estrita diferenciação   de como Dickinson fomava seus  ns e seus rs  e  sugeriu uma comparação  com “I know some lonely houses” no mesmo fascículo (p. 259 dos  Manuscript Books): Where na oitava linha e  n em  Wooden, na quarta linha. Entretanto, outras comparações destacam uma leitura diferente . Deve ser considerada a identificação standard de  when e where nos fasc. 16, cerca de1862, o poema que  Johnson numera como  327, linhas 16 e 20, em que as duas  palavras são diferenciadas claramente when  aparece como deve em “There is a certain Slant of light.”  Veja-se estes e outros exemplos em www.writing.upenn.edu/bernstein/misc/ED-slant.html.

[62] Content’s Dream, 137, n. 18, ecoando Charles Olson’s “polis is / eyes” em “Letter 6,” The Maximus Poems (Berkeley: University of California Press, 1985), 30

[63] D. W. Fenza, “Advice for Graduating MFA Students in Writing: The Words and the Bees,” Writer’s Chronicle 38, no. 6 (May/Summer 2006). Cito a partir das pp. 3, 4, e 8.  Tive ocasião de falar na convenção da AWP (Arctic Warfare Police ) apenas uma vez, e lá apresentei uma recapitulação paródica do Recantorium”, com referência ao discurso inaugural de Fenza: jacket2.org/commentary/recantorium-adapted-2013-awp-convention.

[64] O ensaio de  Creeley encontra-se nesse livro. Fenza ficou ofendido por meu reparo que diz que Creeley  oferece “a bulwark against poetic uniformitarianism and complacency.”( um baluarte contra o uniformitarismo e a complacência poética).

[65] Counter-revolution of the Word (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2007), p205–7. Eu

discuto este livro em  “Anything Goes” , em Attack of the Difficult Poems. A  desumanização é uma das matérias primas para os ataques contra  Barack Obama. No verão de  2010, no calor da campanha presidencial, Ted Nuges evocou o  “perfeito exército… de macacos” de Poe: “ Eu, evidentemente, falhei em galvanizar e cutucar , que isto não envergonhe, um número suficiente de  americanos  para não permitir que o comunista criado em Chicago e educado no comunismo, alimentado pelo comunismo, no viralata subumano como é o gangster, organizador da comunidade ACORN [Association of Community Organizations for Reform Now], Barack Hussein Obama abra sorrateiramente seu caminho até o mais alto posto da autoridade dos Estados Unidos da América”. Não há dúvidas que  ele estava piscando o olho, mas , mesmo assim, ele enfrentou dificuldades, mesmo que “ viralata “(mongrel) seja um dos possíveis reversos de pataquérico, e tenha sido usado pelo próprio Obama nesse sentido( embora suscitando controvérsias quando o fez).Cf. Charles Blow, “Accommodating  Divisiveness,” no  New York Times, 21 de fevereiro de  2014, A19. Cf. também “President Obama Calls African-Americans a ‘Mongrel People,’” The Hill, 29 de julho de 2010, thehill.com/homenews/administration/111611-obama-calls-african-americans-a-mongrel-people-. No show da TV The View (July 29, 2010). Veja-se o que Obama disse dos afro-americanos: “Nós somos uma espécie de  gente viralata. Quero dizer, somos todos misturados. Isso é verdade para os brancos também, nós apenas sabemos mais sobre isso. “ Ao mesmo tempo que   mongrel sugere ameaçador e bárbaro, insect  sugere algo mais fundamentalmente estranho. Rush Limbaugh acusou Obama de querer infectar a América com o vírus mortal do Ebola, e Michael Savage apelidou Obama de “presidente Ebola” (www.npr.org/2014/10/09/354890869/in-u-s-ebola-turns-from-a-public-health-issue-to-a-political-one). Isso está relacionado com o estigma do negro revoltado como sendo um “ele” demoníaco, tal como ocorreu em 16 de setembro de 2014, quando o grande júri foi reunido  em Ferguson,Missouri, por ocasião do assassinato do [jovem negro] Michael Brown Jr.[ cometido por Darren Wilson, um policial branco] e ouviu-se da testemunha :” A única maneira em que posso descrevê-lo é que ele se parece com um demônio, de  tão revoltado ele parece, de tão revoltado ele parecia”.  (documentcloud.org/documents/1370494-grand-jury-volume-5.html).

[66] Citado por Amy Paeth em State Verse Culture: American Poets Laureate, 1945-2015, Tese de Doutorado, University of Pennsylvania, 2015. O relatório de Fenza encontra-se em awpwriter.org/application/public/pdf/AWPAnnualReport13.pdf. Lippman é citado apud Preface to Politics (New York: Mitchell-Kennerley, 1914), 189.

[67] Robert Frost, “The Gift Outright,” poetryfoundation.org/poem/237942. Bob Perelman e Derek Walcott discutem o poema em  MAPS, english.illinois.edu/maps/poets/a_f/frost/gift.htm. Cf. também Susan Howe, The Birth-Mark: Unsettling the Wilderness in American Literary History (Middletown: Wesleyan University Press, 1993) e “Artifice of Absorption” em  A Poetics.

[68] Em “Towards a Translation Culture” (2011), Lawrence Venuti interpret-o  como sendo uma preferência   institucional  por traduces “beletrísticas” que resistem a permitir  refletir sobre sua poética. M-Dash, mdash-ahb.org/the-translation-forum/1-towards-a-translation-culture.

[69] E. Y. (Yip) Harburg  apud The Wizard of Oz (1939); um modernista de segunda vaga, nascido  Isidore Hochberg (1896–1981).

[70] Rachel Denaadio, “The Closest Reader,” New York Times Book Review, 10 de dezembro de  2006.  Este artigo fornece a data do encontro de Vendler com o  New Yorker . Leonard está falando mais de sua agenda pessoal do que de programas estéticos, mas a retórica tipo Guerra Fria em proclamar-se livre de programações é mais impressionante pois ela reprime  certo tipo de  propaganda que diz que vai acontecer algo que – na verdade – não acontece.

[71] Helen Vendler, review of America: A Prophecy, ed. Jerome Rothenberg e George Quasha, New York Times Book Review, 30 de dezembro de 1973, e  Jerome Rothenberg, Book Review carta ao editor, 27 de Janeiro de 1974.Revelação: Vendler inclue-me no rol dos ininteligíveis numa resenha de 12 de junnho de 2008, dolivro de   Jorie Graham, “A Powerful, Strong Torrent”: “E Graham, diferentemente de poetas do grupo Language  como Charles Bernstein e Susan Howe ( cujo momento parece haver expirado), consegue sempre escrever coisas com sentido, apesar de suas acrobacias.” (Nem o trabalho de  Howe, de Rothenberg, ou o meu, jamais foram resenhados  pelo NYRB.)

[72] Vendler resenhou negativamente o trabalho de  Rita Dove  Penguin Anthology of American Poetry na New York Review of Books (24 de novembro de 2011) e isso deu origem a  uma  corrente de invectivas sem precedentes  contra Vendler. Deve ser notado, entretanto que  Vendler era um proeminente proponente de  Dove e que  Dove, em sua antologia, acompanha muito as proscrições de  Vendler tais como aparecem na resenha mencionada: apenas 3 desse poetas ridicularizados comparecem (H.D., Olson, e Duncan) . Para uma síntese da apreciação canônica de Dove por Vendler, vinda de um escritor simpático a ela, cf.  thenewyorkerandme.blogspot.com/2011/12/rita-dove-plays-race-card.html.

[73] Motika Rich, “Pulitzer Winner to Take Over as New Yorker’s Poetry Editor,” New York Times, 20 de Setembro de 2007, E3.

[74]Collected Prose, ed. Donald Allen and Benjamin Friedlander (Berkeley: University of California Press, 1997), 241. Olson understood dogma as the “firm persuasion” of the animate voice (417), which, rhetorically, can be contrasted that with the prototypical deanimated New Yorker poem.

[75] Introduction to Olson’s Collected Prose, xv. I quote the subtitles to Stevens’s “Notes toward a Supreme Fiction.”

[76] Charles Simic, “Getting the World into Poems,” New York Review of Books, 24 de junho de  2010. Simic aparece como sendo o crítico de poesia designado pelo NYRB , embora Vendler continue a colaborar.

[77] New British Poetry (Minneapolis: Graywolf, 2004).

[78] www.graywolfpress.org/books/new-british-poetry.

[79] O prestígio dos prêmios, tal como a importância cultural do New Yorker e do  NYRB  não se limita à  poesia; tanto os troféus quanto as revistas não apoiariam a indicação  a um prêmio baseados em seus registros históricos ou  suas preferências poéticas, mas

 

é porque  isso não  é significativo para essas organizações, para as quais a poesia  é líder fadado a perder, um tufo colorido de lanugem, ou – novamente – um bocado da fibra moral, papel de embrulho dos atos  que mais importam, sejam eles, jornalismo, história, artes visuais, ficção, desenho animado. Ma aí, se tudo o que você sabe a respeito da poesia é relegado a quem ganha os melhores prêmios e àquilo que essas publicações apresentam, o que mais você poderia pensar?

 

[80] Edgar Allan Poe, “The Tell-Tale Heart” (1843), www.eapoe.org/works/reading/pt043r1.htm. Cf, antes, nesse livro,   de Thomas McEvilley “hideous flowers of the grave,” que ecoa “ As flores do mal” de  Baudelaire. Em  Simulcast: Four Experiments in Criticism (Tuscaloosa: University of Alabama Press, 2004), Benjamin Friedlander reformula  resenhas sobre a obra de  Poe com assuntos literários contemporâneos.

[81] (Palmyra, NY: theenk Boooks, 2014), 11. Cf. o prefácio de  Bartlett  Beauty Is a Verb: The New Poetry of Disability (El Paso, TX: Cinco Puntos, 2011) e a entrevista com ela em Jacket 2: jacket2.0rg/?q=commentary/jennifer-bartlett-conversation-jane-joritz-nakagawa.

[82] Cf. O concerto arrebatador de  Michael Davidson Concerto for Left Hand: Disability and the Defamiliar Body (Ann Arbor: University of Michigan Press, 2008).

[83] www.youtube.com/watch?v=JnylM1hI2jc.O vídeo recebeu mais de um milhão de visitas  Cf. também, de David Wolman, “The Truth about Autism: Scientists Reconsider What They Think They Know,” Wired 16.03 (25 de Fevereiro de 2008), archive.wired.com/medtech/health/magazine/16-03/ff_autism?currentPage=all.

[84] abaggs.blogspot.com.

[85] “The age demanded an image / Of its accelerated grimace . . . / Not, not certainly, the obscure reveries / Of the inward gaze; / Better mendacities / Than the classics in paraphrase! . . . / A prose kinema.” Ezra Pound, “Hugh Selwyn Mauberly” (1920), EPC Digital Library, writing.upenn.edu/library/Pound_Ezra_Hugh_Selwyn_Mauberly.html. “Tamed by Miltown” é retirado da obra de  Robert Lowell “Man and Wife,” em Collected Poems (New York: Farrar, Straus and Giroux, 2007).

[86] Collected Poems, vol. 1, 64. Williams termina o poema com o imperativo pataquérico: “No one / will believe this / of vast import to the nation.” Only this and nothing more. Ele volta à ontologia do voyeurismo em “The Young Housewife.”

[87]  A máquina de solteiro de Duchamp, “Étant donnés” devolve o olhar  ao olhar. Cf. também, “ Reznikoff’s Nearness” em  My Way: Speeches and Poems.

[88] “‘Mas você não pode certamente negar que, por exemplo, ao recordar, ocorre um processo interior’ – O que dá a impressão que nós queiramos negar alguma coisa? Quando alguém diz: ‘ Mesmo assim, um processo interior está ocorrendo aqui’ – esse mesmo alguém quer acrescentar : ‘ No final das contas, você o está vendo.’ E é este processo interior ao qual se alude por meio da palavra ‘ recordar’.- A impressão de que nós queríamos negar alguma coisa surge do fato de nós colocarmos nossos rostos

Encostados  no quadro do ‘ processo interior’. O que nós negamos é que o quadro do processo interior nós dê uma ideia correta do uso da palavra ‘ recordar’. Dizemos que esse quadro , com suas ramificações  obstrui o caminho  de  nós vermos o uso da palavra tal como ela é .”  (§305, Anscombe trad.)

 

[89] North of Invention: A Canadian Poetry Festival, University of Pennsylvania, January 21, 2011, writing.upenn.edu/pennsound/x/North-Of-Invention.php.

[90] (Toronto: Coach House Press, 2008).

[91] Robert Alter, The Book of Psalms: A Translation with Commentary (New York: W. W. Norton, 2009), 72.

[92] Ecclesiasticus 13:1, King James Bible (1611). Ben Sira is the second century BCE author of the Hebrew “Book of Ecclesiasticus.”

[93] Oliver Goldsmith, “The Deserted Village” (1770): www.poetryfoundation.org/poem/173557

[94] #556.

[95] Oscar Wilde, “The Battle of Reading Gaol” (1897), 4 linhas finais de sec. 4, RPO, rpo.library.utoronto.ca/poems/ballad-reading-gaol. Essas linhas são o epitáfio de Wilde, no cemitério de Père Lachaise. Sua assombrada elegia vê a sociedade do lugar ‘ vantajoso’ da cela de uma prisão; ele pranteia os prisioneiros /proscritos . Nesse poema a tristeza é um princípio estético que cria uma obra de arte autônoma: um poema de, por e para a tristeza, a tristeza pela tristeza.

[96] Wittgenstein to G. E. Moore, 1946, em Wittgenstein in Cambridge, carta no. 353, p. 400.

[97] Larry Eigner, Selected Poems (Tuscaloosa: University of Alabama Press, in press), no. f9, September 1954.

[98] A Biblioteca do Congresso tem uma gravação de  1921 de Brice apresentando “I’m an Indian,” www.loc.gov/jukebox/recordings/detail/id/8288/, lyrics by Blanche Merrill, música de Leo Edwards. Esta canção não deve ser confundida, mas sim comparada com a canção que é apresentada no filme Annie Get Your Gun (1946), “I’m an Indian Too,” que foi criticada como sendo racista.  Para

“Mrs Cohen at the Beach,” cf. o arquivo.org/details/FannyBriceCollection1927-1930Complete.  Cf. uma discussão  ulterior sobre esse tópico em “Objectivist Blues: Scoring Speech in Second Wave Modernist Poetry and Lyrics” em  Attack of the Difficult Poems.

[99] Herbert G. Goldman, Fanny Brice: The Original Funny Girl (New York: Oxford University Press, 1992).

[100] Líricas de  Ballard MacDonald e  Billy Rose (nascido William Rosenberg , em  1899),  que também havia escrito“Mrs. Cohen at the Beach.” Full lyric and sound file at jacket2.0rg/commentary/song-sewing-machine.

[101] “Let America Be America to Me,” em  The Collected Poems of Langton Hughes, ed. Arnold Rampersand (New York: Alfred A. Knopf, 1994), 189.

[102] jacket2.0rg/commentary/michael-mcclure-reads-lions.

[103] É isso que diz a Bela quando fica sabendo da morte de sua Besta no filme de Jean Cocteau (1948)  La Belle et la Bête.

[104] Kuchar usa este termo em um de seus últimos filmes, Lingo of the Lost (2010).

[105] Herny David Throeau, A Week on the Concord and Merrrimack Rivers (Boston: James R. Osgood, 1873), 344- 45.


 Sobre Charles Bernstein

Poeta e professor, nascido em 1950 em Nova Iorque, onde vive, é uma das principais forças das letras norte-americanas. Autor de vários livros de poesia e de crítica literária, é o co-fundador e co-editor de PennSound, o maior arquivo de leituras de poetas do mundo todo e do pioneiro Electronic Poetry Center. No Brasil, publicou o livro Histórias da guerra em 2008. Para ele, “a poesia é alguma coisa em longo prazo”. Nome de alcance mundial, ele afirma que o melhor suporte para sua poesia é o diálogo: “Tenho tido a sorte, desde quase o primeiro momento, de contar com bons companheiros”.