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Sobre Mulholland Dr. (Cidade dos sonhos), de David Lynch

I. da(s) tarefa(s) do espectador

Gracián uses a number of related terms to refer to and describe this special beauty, the chief is correspondencia, correspondence. Others are concordancia, correlación, conformidad, conveniencia, proporción. What they all have in common is that they involve the idea of pleasing mutual relationship between different elements.
Wit involves a kind of fit or match.
Michael J. Woods, Gracián meets Góngora

A tarefa inicial do espectador de Mulholland Dr., de David Lynch, é encontrar uma forma de lidar com a aparente confusão da narrativa, principalmente depois das mudanças abruptas que ocorrem no último terço do filme. Depois da estranha cena do clube Silêncio, o filme parece entrar em convulsão: as personagens subitamente trocam de nome e mesmo o estilo da narrativa, até então linear e organizado cronologicamente, sofre uma transformação e se torna extremamente fragmentado e com marcação cronológica imprecisa.

Naomi WattsNo entanto, um espectador atento não teria muita dificuldade em encontrar uma explicação para essas mudanças repentinas, já que estão explícitas no filme várias pistas que permitem entender que a história de Betty Elms, a que vínhamos assistindo durante duas horas, seria, na verdade, um sonho de Diane Selwyn e, portanto, uma narrativa subsidiária enquadrada por uma narrativa superior. Afinal, a aparente confusão pode ser desfeita e atribuída à mudança de foco de uma narrativa para a outra.
O recurso certamente não é original, mas sua utilização em Mulholland Dr. não deixa, por isso, de ser intrigante, dado que o filme não se esgota com a solução do truque. Ao contrário, é só depois da descoberta do enquadramento de uma história pela outra que o filme realmente revela a sua complexidade, que se dá justamente no modo como se relacionam as duas narrativas concorrentes, a de Betty e a de Diane. As duas histórias, a sonhada e a “real”, apresentam-se como antípodas: uma descreve um mundo a ser explorado e cheio de potencialidades e a outra, um mundo de fracasso absoluto, cuja única saída é o suicídio.

Uma vez descoberto o truque, o que o espectador deve fazer é cotejar elementos diversos desses dois mundos incompatíveis e surpreender relações entre eles. O filme se torna um conceito agudo, à maneira de Gracián, “un acto de entendimiento, que exprime la correspondencia que se halla entre los objectos”. (A propósito, na classificação de Gracián, o filme se enquadraria na categoria de “agudeza composta”.) A operação interpretativa que o filme exige do espectador consiste no estabelecimento de uma lógica de equivalência entre as duas narrativas; o espectador, grosso modo, deve flagrar figurações e indícios do final trágico “real” no início promissor imaginado, e vice-versa.

 

II. da finalização aguda do inacabado

Si el percibir la agudeza acreditada de águila, el producirla empeñará en ángel; empleo de querubines, y elevación de hombres, que nos remonta a extravagante jerarquía.
Gracián, Agudeza y arte de ingenio

Mulholland Dr. seria originalmente uma série que estrearia na temporada de 1999 de uma TV americana. A emissora, depois de ter financiado a filmagem do episódio-piloto da série, abortou o projeto sem dar muitas explicações. A ideia parecia abandonada de uma vez por todas quando, no ano seguinte, Alain Sarde, da produtora francesa Le Studio Canal + (que já tinha trabalhado com Lynch em Straight Story), mostrou-se interessado na empreitada abortada precocemente. O produtor convenceu Lynch a finalizar o piloto e lançá-lo como filme. Depois de difíceis negociações, a Studio Canal + conseguiu adquirir os direitos sobre o material já filmado e, pelo menos no âmbito legal, não havia mais impedimentos para que o projeto continuasse. Porém, havia ainda todo tipo de dificuldades de ordem prática decorrente da retomada de uma produção cinematográfica paralisada durante dois anos: localizar e mesmo refazer figurinos e cenários, recontratar atores, encontrar uma agenda comum etc.

Contudo, a maior dificuldade certamente era mesmo de ordem artística. O episódio-piloto, como era de esperar, não tinha uma conclusão e deixava sem resolução várias intrigas que provavelmente seriam exploradas no decorrer da série caso ela tivesse sido realizada. Lynch alega que, quando retomou a produção, não sabia como transformar o piloto em filme [1]. Verdade ou mentira, o fato é que Lynch já tinha enfrentado um problema parecido, ainda que em situação bastante distinta, na época de Twin Peaks. Por causa do sucesso da série, e com o objetivo de disponibilizar no mercado mais um produto relacionado a ela, os produtores obrigaram Lynch a transformar o episódio-piloto de Twin Peaks em um filme que seria comercializado na Europa e no Japão. Sem muita alternativa, Lynch acabou por remendar um final qualquer que resolvia, um pouco às pressas, a intriga básica esboçada ali, revelando, sem delongas, quem era o assassino de Laura Palmer, cujo cadáver tinha sido descoberto há pouco (a propósito, o autor do crime segundo o piloto transformado em filme não é o mesmo que foi revelado no decorrer da série ou no outro filme, Twin Peaks: fire walk with me, feito posteriormente).

O episódio-piloto original de Mulholland Dr. nunca foi comercializado. No entanto, é possível reconstituí-lo com alguma segurança porque o roteiro usado durante as gravações pode ser facilmente encontrado online [2]. Grosso modo, pode-se dizer que o piloto corresponde às primeiras duas horas de filme e contém apenas a história de Betty, enquadrado como um sonho na versão final. No piloto não há nem a sequência do clube Silêncio nem a reviravolta tão desconcertante que ocorre em seguida. Tampouco há o envolvimento sexual entre as duas protagonistas; não há sequer Diane e Camila, de quem Betty e Rita são refacções depuradas segundo a versão final do filme. Para finalizar o piloto, Lynch poderia ter adotado uma solução similar àquela utilizada para finalizar o piloto de Twin Peaks, resolvendo, por exemplo, o mistério de Rita. Não foi essa, porém, a solução adotada. Os vinte minutos adicionados ao piloto não apenas continuam a história de onde ela tinha parado, mas fazem, guardadas as devidas proporções, o que a adição do Novo Testamento fez ao Pentateuco: o suplementado deve ser lido em função do suplemento, que antecipa ou profetiza. O que é particularmente interessante na gênese de Mulholland Dr. é que, ao transformar toda a história anterior em um sonho, Lynch, mais do que solucionar o problema da transformação do piloto em filme, aplicou de maneira totalmente radical alguns princípios fundamentais que alicerçam o resto de sua obra e, provavelmente, tenha feito seu melhor filme [3].

 

III. do princípio da redução perversa

Freud does something which seems to me immensely wrong. He gives what he calls an interpretation of dreams. In his book The Interpretation of Dreams he describes one dream he calls a “beautiful dream” […] A patient, after saying she had had a beautiful dream, described a dream in which she descended from a height, saw flowers and shrubs, broke off the branches of a tree, etc. Freud shows what he calls the “meaning” of the dream. The coarsest sexual stuff, bawdy of the worst kind – if you wish to call that – bawdy from A to Z […] Freud called this dream “beautiful”, putting “beautiful” in inverted commas. But wasn’t the dream beautiful? […]
Why did Freud give this explanation at all? Two things people might say:

  1. He wishes to explain everything nice in a nasty way,
  2. meaning almost he is fond of bawdy. This is obviously not the case.

(2) The connections he makes interest people. They have charm […]
“If we boil Redpath [4] at 200 ºC all that is left when the water vapor
is gone is some ashes, etc. This is all Redpath really is.”
Saying this might have a certain charm, but would be misleading to say the least.
Wittgenstein, “Lectures on Aesthetics”

Desde as suas primeiras obras, Lynch revelou possuir um talento bastante específico: a capacidade de aferição da potencialidade do mal, a habilidade de surpreender o mal em lugares ou situações inesperadas. Em um de seus primeiros curtas, The Alphabet (1967), de apenas quatro minutos, Lynch procura explorar a potencialidade do mal em algo insuspeito, na alfabetização. Ao som da canção em inglês que as crianças usam para decorar o alfabeto, uma garota na cama se contorce e vomita sangue. Se é consenso pedagógico acreditar no caráter emancipador da alfabetização e da educação em geral, Lynch insiste no trauma da aprendizagem. O alfabeto aqui é instrumento de tortura psicológica. Algo equivalente vê-se em Eraserhead, seu primeiro longa, no qual a paternidade é apresentada como fardo impossível de carregar e o rebento é um monstro. Em Twin Peaks, o misterioso assassinato da rainha da formatura do colégio local acaba por revelar outra face da pacata cidade que parecia até então perfeita – espancamento, possessões demoníacas, incesto, prostituição, tráfico de drogas.

A mesma capacidade de aferir a potencialidade do mal foi posta a serviço da transformação do piloto da série Mulholland Dr. em filme. Aplicada à história de Betty, tal capacidade opera de maneira bastante específica, buscando imaginar qual seria a pior circunstância possível em que essa história pudesse ser imaginada. A redução perversa se dá aqui por meio da vinculação da história já existente a uma situação que a produziria de modo a anular-lhe o que teria de bom ou positivo. Uma vez perversamente estabelecida sua circunstância de produção, a história de Betty é submetida então a um esquema de leitura guiado pela descoberta de elementos cifrados acerca da sua gênese. A atriz promissora, recém-chegada a Los Angeles e cujo talento e beleza todos apreciam, é a versão positiva feita de si mesma, momentos antes do suicídio, da atriz fracassada sentimental e profissionalmente. A misteriosa e desmemoriada Rita é a versão domesticada, frágil e dependente da amante Camila, sob cuja sombra vivia Diane. Nem mesmo elementos aparentemente acessórios escapam da máquina de redução perversa: o casal de velhinhos que veio ao lado de Betty no voo que a trouxe a Los Angeles será reduzido aos fantasmas que aterrorizam Diane no surto psicótico que antecipa ou produz seu suicídio – em uma narrativa o casal de velhos a acompanha à fama e ao sucesso certos; na outra, a conduz ao fracasso final.

altCom relação aos elementos do mundo de Betty nos quais já havia algo de maléfico ou terrível, o procedimento de Lynch é o de recolher o mal disperso e reatribuí-lo. No mundo de Betty, não é possível indicar a responsabilidade pelo mal, que parece surgir de maneira misteriosa ou mesmo fantástica. As circunstâncias do acidente de Rita têm origem suspeita mas desconhecida (sabemos apenas que foi uma tentativa de assassinato interrompida por um acidente automobilístico). A sensação terrível que sente Dan, o rapaz que reporta um sonho a um interlocutor em um café, é produzido misteriosamente pela aterrorizadora figura do mendigo que mora atrás do estabelecimento ([…] “and then I realize what it is – there’s a man… in back of this place. He’s the one… he’s the one that’s doing it). Quando todo esse material é submetido ao processo de redução perversa, não só é indicada claramente a origem do mal, mas é também elucidada a razão da dissipação sistemática da responsabilidade: é Diane quem manda matar a amante Camila e o lugar onde encomenda a sua morte é o mesmo café em que se esconde a figura misteriosa. Assim, tudo o que há de misterioso na história de Betty pode ser entendido como tentativa de expiação da culpa de Diane, autora e mandante da morte de Camila, ao tentar reinventar sua própria história de maneira a livrar-se da responsabilidade pelo crime.

A maior perversão de Lynch, porém, não se encontra em nenhum dos elementos do enredo original do piloto reduzidos para arrematar o filme. A versão final de Mulholland Dr. é construída de modo a exigir que o espectador, a fim de entender o filme e fruí-lo, faça ele próprio o mesmo movimento de redução perversa realizado por Lynch quando planejava a finalização da obra. A possibilidade de deleite estético do filme advém, em grande parte, da descoberta de sinais do desgraçado destino de Diane cifrados na história de Betty. A capacidade de imaginar o pior é também a capacidade de gozar o filme e entender sua intrincada construção narrativa; prazer estético e intelectual pode ser obtido ali quanto mais mal se encontra.

 

VI. do princípio de compartimentalização

After analyzing the underlying problem of explaining irrationality, I conclude that any satisfactory view must embrace some of Freud’s most important theses, and when these theses are stated in a sufficiently broad way, they are free from conceptual confusion. […] The three elements of psychoanalytic theory on which I have concentrated, the partitioning of the mind, the existence of a considerable structure in each quasi-autonomous part, and non-logical casual relations between the parts; these elements combine to provide the basis for a coherent way of describing and explaining important kinds of irrationality. They also account for, and justify, Freud’s mixture of standard reason explanations more like those of the natural sciences, interactions in which reason does not play its usual normative and rationalizing style.
Donald Davidson, “Paradoxes of Irrationality”.

A sequência inicial de Veludo azul é paradigmática do modo como o cinema de Lynch faz coabitar mundos quase autônomos e com valores opostos: um belo gramado americano, cerquinha branca, rosas vermelhas, céu azul; mas, sob a grama, descobrimos, à medida que a câmera se aproxima, monstruosas formigas dilacerando ferozmente pedaços de vegetação. Quem vê apenas o gramado dificilmente suspeitaria da existência do mundo latente e horrível dos monstros escondidos sob ele. O princípio da redução perversa é o que preside a leitura denunciadora do âmbito supostamente insuspeito. Mas é outro princípio, o da compartimentalização, que comanda o modo como o ponto de partida e o de chegada do processo de redução serão apresentados simultaneamente. Diferentemente do que faria Freud segundo Wittgenstein, Lynch apresentaria ao mesmo tempo Redpath e as cinzas de Redpath e diria, mostrando ambos, “isso é Redpath”. O sonho da paciente seria belo com e sem aspas simultaneamente.

O movimento geral de Mulholland Dr. não é muito diferente daquele apresentado na primeira cena de Veludo azul; porém, o mergulho que acompanhamos não é em um gramado, mas na personagem principal. Os dois âmbitos de valores opostos são aqui compartimentos psíquicos da mesma personagem, e é a apresentação praticamente em sequência dos dois que permite caracterizar sua situação delicada e perigosa. O interessante é que, assim como ocorre com o princípio da redução perversa, o princípio da compartimentalização, que informava elementos temáticos e motivos em outros filmes, aqui é alçado à categoria de princípio de composição da obra, fundamentando tanto a caracterização da personagem quanto a construção da narrativa.

A compartimentalização opera aqui de forma a permitir a apreensão da totalidade da personagem apenas quando os dois âmbitos justapostos que a compõem são considerados simultaneamente. Para perceber essa operação, entretanto, deve-se notar que o segmento da narrativa que não está incluída no sonho não seria simplesmente a versão real dos elementos desfigurados por ele; o que está fora do sonho seria tão fictício e artificioso quanto o próprio sonho. Toda a parte final do filme recapitula a história de Diane momentos antes de seu suicídio. Explicitamente, essa recapitulação se dá por meio de uma sequência um pouco caótica de flashbacks desencadeada sobretudo a partir de associações um pouco livres entre objetos diversos. Por exemplo, a caneca de café que Diane acabou de preparar retoma o copo de uísque usado na noite em que Camila conta à amante sua intenção de terminar o caso. A explicitação dos objetos detonadores da cadeia de flashbacks que recapitulam a história de Diane chama a atenção para o fato de essa recapitulação ter estatuto diegético similar àquele do sonho no qual se desenvolve a narrativa de Rita. Tanto o sonho quanto a recapitulação são histórias narradas sob a perspectiva particular da personagem. Mas, se, no sonho, a personagem projeta desejos e tenta articular uma versão positiva da sua trajetória, na cadeia de lembranças ela tenta reconstituir seu passado a partir das impressões negativas deixadas por ele – se, de um lado, tem-se wishful thinking, do outro, observa-se delusão persecutória. Isso fica bastante evidente na cena do jantar em que Adam e Camila anunciam seu casamento. Todo o jantar é apresentado como uma encenação detalhadamente planejada mas mal dissimulada por ambos os anfitriões com o objetivo de agredir Diane e produzir ciúmes nela.

Ao espectador, só há o acesso a Betty/Diane cindida em suas duas narrativas incompatíveis: em uma, a personagem tenta refazer sua história de modo positivo, dissipando a culpa e a responsabilidade pelo crime; na outra, rememora eventos pregressos, acentuando os percalços que poderiam servir de justificativa para o crime. O conflito da personagem que a leva ao suicídio decorre da incompatibilidade entre esses dois âmbitos. Certamente, uma narrativa linear e unitária não daria conta da complexidade do conflito, no qual aspectos positivos e negativos da personagem se confrontam em uma tentativa fracassada de fazer com que sua trajetória tenha algum sentido.

 

IV. da rua como análogo

[…] once you are beyond the mountain, a city ten times larger hits you. You will never have encountered anything that stretches as far as this before. Even the sea cannot match it, since it is not divided up geometrically. The irregular, scattered flickering of European cities does not produce the same parallel lines, the same vanishing points, the same aerial perspectives either. […] This one condenses by night the entire future geometry of the networks of human relations, gleaming in their abstraction, luminous in their extension, astral in their reproduction to infinity. Mulholland Drive by night is an extraterrestrial’s vantage-point on earth, or conversely,
an earth-dweller’s vantage-point on the Galatic metropolis.
Jean Baudrillard, America

As duas narrativas que compõem o filme se movimentam em direções opostas. Mas elas não são independentes uma da outra durante esse movimento e estão constantemente em atrito. Em entrevistas na época do lançamento do filme, Lynch disse que há tempos tinha o projeto de realizar um filme que produzisse as sensações que ele sente quando passa por Mulholland Dr., rua estreita e sinuosa que atravessa a serra de Santa Mônica. Quem tem certa familiaridade com a obra de Lynch não estranha a ideia de que o traçado de uma rua possa servir de inspiração ou modelo para um filme. É comum na obra do diretor que ruas e estradas sejam tratadas como motivo central ou mesmo como símiles dos próprios filmes. Os exemplos incluiriam tanto Coração selvagem quanto os dois filmes imediatamente anteriores a Mulholand Dr., Estrada perdida e História real, que poderiam formar uma espécie de trilogia da estrada, um pouco à maneira da trilogia do apartamento de Roman Polanksi.
Nas entrevistas, Lynch se referia ao aspecto escuro de Mulholland Dr. e a seu traçado perigosamente sinuoso. Mas a rua pode ser pensada como análogo não apenas do tom e do clima geral do filme, mas também da sua própria estrutura narrativa. Trata-se de uma rua de mão dupla, estreita e sem os canteiros centrais que evitam colisões de automóveis que vêm em direções opostas. Quando vista no seu contexto urbano, a rua é ao mesmo tempo uma exceção à regularidade plana e retilínea de Los Angeles e um ponto de observação privilegiado da cidade. Não parece ser à toa que o filme que leva o nome dessa rua especial seja uma investigação de uma faceta pouco conhecida da quase mítica cidade dos sonhos, que também inspira pesadelos.

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Notas:

[1] Lynch continua insistindo que não sabia como terminar Mulholland Dr. na época da retomada do projeto. Até agora ele já deu ao menos duas versões diferentes sobre a gênese da ideia utilizada para terminar o filme. Na época do lançamento, Lynch, em mais de uma ocasião, disse que a ideia do sonho e das duas narrativas sobrepostas ocorreu-lhe quando ouvia Rebecca del Rio cantando a versão hispana de Crying, de Roy Orbison, que acabou por fazer parte do filme. Recentemente, no livro Catching the Big Fish: meditation, consciousness, and creativity, em que trata de seus processos criativos e de sua experiência com a meditação transcendental, afirma que a ideia surgiu enquanto meditava.

[2] Referência à versão pirata.

[3] Lynch gostou tanto do resultado que, durante o processo de criação de seu último filme, decidiu tornar sistemático e deliberado o que na produção de Mulholland Dr. foi apenas contingente. Para Inland Empire, Lynch não escreveu um roteiro prévio e completo. Ao longo de mais de dois anos, o filme foi sendo escrito e filmado cena a cena, de modo que cada uma delas completasse a anterior de uma maneira específica. O resultado é algo ainda mais complexo e muito mais experimental que Mulholland Dr. O enquadramento de uma narrativa por outra é utilizado em uma profusão tamanha que, já nos primeiros minutos do filme, já não se sabe mais com certeza que segmentos enquadram e quais são enquadrados, já que quase todos parecem realizar ambas as funções.

[4] Referência a Theodore Redpath, um dos alunos de Wittgenstein que assistiram às aulas cujas notas serviram de base para a publicação de Lectures & Conversations on Aesthetics, Psychology and Religious Belief.

 

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Assista aos vídeos:

Trailer de Mulholland Drive

http://www.youtube.com/watch?v=96R9MG0DxLc

 

Llorando, uma cena do filme

http://www.youtube.com/watch?v=oddg6dCB7FE

 

Mulholand Drive foi eleito o melhor filme da década. Confira em

http://www.lafca.net/decade.html


 Sobre Marcelo Moreschi

(Unicamp/Fapesp) Atualmente conduz pesquisa a respeito dos escritos de Flávio de Carvalho, na Universidade Estadual de Campinas com bolsa de pós-doutorado da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Doutor em Literatura Luso-Brasileira pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara.