Entrevista de Charles Bernstein
à revista Evening Will Come: A Monthly Journal of Poetics1
Se você disser que eu desafino amor
Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados têm o ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que Deus me deu
Você insiste em classificar
Meu comportamento de antimusical
Newton Mendonça / Tom Jobim (1958)
EWC: Quais são os objetivos do crítico de poesia?
CB: Em meu universo paralelo, os objetivos do crítico de poesia consistem em descobrir e apresentar poesia que tenha o máximo de ressonância, que transforme enquanto arte da poesia o momento contemporâneo sempre transitório, que ligue o seu trabalho a outros trabalhos, históricos e contemporâneos (nenhum poema é, inteiramente de per si, um paraíso ou um purgatório), que articule os valores e as tramas (reais e imaginários) como particulares e contestáveis antes do que como universais e aceitos por todos. E, ainda, desafiar o complacente e o simplesmente competente e encorajar quem ainda não foi provado, o radical, o inesperado, o esquisito e o cacográfico (incoerente).
Nunca subestimar o valor da invenção perturbadora ou do refinamento assimilatório.
EWC: O que (se) ganha com todas as resenhas positivas que se escrevem para os novos livros de poesia? É uma falha? Deveria haver mais resenhas negativas?
CB: Incomoda-me a falta de contexto na reiteração rotineira desta pergunta, o que assume um odor disciplinário. Eu receberia bem mais comentários negativos para o que o merece, e vice-versa.
EWC: Só que isso não costuma acontecer, não é?
CB: Meu mote permanece sendo “você nunca deveria dizer ‘deveria’”, deveria você?
Eu recebi muitas críticas elogiosas e as prefiro às negativas. Algumas críticas negativas têm sido substanciais, relacionadas que estiveram com problemas criados por meu trabalho ou devido aos seus inúmeros defeitos. Mas, o mais comum é elas terem partido da premissa de que meu trabalho não é poesia, mas ruído, e fundamentalmente não válido, quando não fraudulento ou hipócrita.
Às vezes parece que os impositores da cultura em verso oficiais (ICVOs) têm como seu modus operandi ir atrás de qualquer corpo (de trabalho) achado vivo e chutá-lo:
os mortos-vivos detestam qualquer resistência
Porém, os ICVOs dos quais ter medo não são os que estão aí para apanhar-nos, mas os que estão dentro de nós.
O VERSO CONTROVERSO provoca controvérsia mais do que o Verso Conformado (Conformante – tenha em mente que o que é controverso no começo se torna logo conformado, em seguida).
A maioria dos debates sobre a falta de resenhas negativas é sintoma do desejo da cultura conformista de impor conformidade.
O que é contrário provoca controvérsia, todavia a tabloidização dos “jornais [notícias – novidades] de poesia” tem o mesmo problema de qualquer outro tipo de coisa transformado em tabloide (podemos gostar dele no começo, mas somos deixados com fome e sem respeito) na manhã seguinte.
O problema de muitas resenhas de poesia não é o fato de elas serem positivas ou negativas, mas de elas não terem consciência do que afirmam (não naturalizam [= tornam naturais] suas afirmações); são escritas como se o estilo e a forma da resenha fossem menos significativos do que o estilo ou a forma de um poema, e desejam dizer muito pouco.
EWC: O que você acha daquilo que muitos consideram um excesso (uma orgia, um entupimento devido ao excesso de comida) de poesia contemporânea e como você lida com isso?
CB: Não pode haver nunca excesso de poesia; há excesso de prosa? excesso de música? Mas o que há é um excesso de artigos dizendo que há (ou alegando ou refutando alegações de que a poesia já não é tão boa quanto era antes). Ao mesmo tempo, há sempre uma carestia de poesia que vá além do que é dado, poesia que mude os termos do que é poesia ou daquilo que ela poderia ser ao abrir novos aspectos (horizontes) da consciência para leitores e não leitores (vou dizer a você do que há excesso: de pobreza, de presos, de republicanos).
EWC: Qual conselho você daria a críticos e poetas que ainda não escreveram resenhas, mas que gostariam de iniciar-se como resenhistas?
CB: Não torne a dizer em prosa medíocre o que já foi dito em boa poesia.