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Oitos noites em Veneza

Do livro Oitos noites em Veneza

Solange Rebuzzi

Li que Ezra Pound morreu em Veneza no dia primeiro de novembro de 1972. Eu nunca soube. Ele estava com 87 anos. Um grande poeta que se dizia doente e apontava para o coração. Pound foi muitas vezes a Veneza. Ele se interessou pela música veneziana. Ouvia muito Vivaldi. E morreu dormindo. Abençoado, com certeza!

Contam que Pound chegou em Veneza pela primeira vez acompanhado de uma tia em 1898. Desde este primeiro momento, Pound parece ter se ligado a Veneza de forma definitiva. Escreveu no Canto III: “Je restais assis sur les marches de la Dogana”/ “Eu permanecia sentado nos degraus da Dogana” (e o tempo do verbo não está usado no passado, mas na constância do imperfeito).

Nesta mesma ocasião Rilke habitava Veneza. Pound escrevia em Os Cantos “um poema sem fim” (…) que ele mesmo reconhecia ter escrito “ameaçado pelo vento, as marés e o esquecimento” conforme disse em carta a Joyce em 1915.

Alguns comentam que Rilke visitou Veneza antes um pouco de conhecer Lou Andreas Salomé com quem se envolveu. Mas, Rilke foi uma dezena de vezes a Veneza.

 

Wagner também morreu em Veneza.

No ano de 1880, ele havia tido um sonho que nomeou como profético. Li:

 

Ele acompanhava Minna, sua primeira mulher, quando, de repente, se produziram enigmáticas mudanças no céu.

     Cito: “Uma lua se transforma em sol, depois um segundo sol apareceu e escutou uma voz que dizia: Há treze sóis.”

(Alyn, Marc. Le piéton de Venise, p.179)

 

No dia 17 de fevereiro, Veneza prestou sua última homenagem ao grande compositor. Ele havia morrido de um ataque cardíaco, no dia 13 de fevereiro de 1883, enquanto estava sozinho no seu escritório. Seu corpo foi transportado através do Grande Canal. O escritor Gabriele D`Annunzio estava presente. E escreveu depois: ”ninguém disse uma palavra” naquela hora, enquanto seis companheiros levaram o corpo de  Wagner sob os ombros até o furgão que esperava na linha férrea.

Eles o transportaram para a Alemanha, mas dizem que Richard Wagner permanece em Veneza com sua presença viva.

 

*

 

Fomos a um concerto no Teatro La Fenice Venezia. No sábado, dia quatro de abril, o teatro estava cheio, praticamente lotado. Com os bilhetes comprados do Brasil, pagamos 77 euros por cada um deles (com as taxas incluídas).

Entramos com bilhetes impressos na internet. Sentamos nas poltronas 13 e 14, acomodados junto a um maestro italiano e sua esposa, também professora de música. Eles se apresentaram a nós antes do início do espetáculo, surpresos por sermos brasileiros e estarmos ali. O jovem e belo pianista Yuri Temirkanov fez uma apresentação irretocável. E, no final, nos brindou com um bis tocando Schumann.

Ninguém entendeu quando me perdi no teatro, depois de ter ido ao toalete, no intervalo. Nem eu mesma. Mas, já no Brasil, escrevendo sobre o episódio, reflito: para onde olhavam meus pensamentos que voaram no pequeno trajeto a ser feito quase em linha reta?

 

 

Foto: José Eduardo Barros


 Sobre Solange Rebuzzi

Escritora e psicanalista. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Passou a infância em Manaus, e a adolescência em Ipanema. Estudou psicologia, filosofia e literatura. Escreve poesia e prosa. Traduziu Francis Ponge em Nioque antes da primavera durante um Posdoc na UFF, Lumme editor. Publicou o romance A bordo do Clementina e depois. E os diários escritos durante a pandemia: Diário de um tempo indeterminado e Caligrafias. Todos pela 7Letras entre muitos outros.