1. Scherazade escuta e embosca
Quase um thriller, na tensão espessa entre narrador e narratário, Meu tio o Iauaretê instaura o jogo, a negaça e o blefe em sua economia interna tanto quanto em sua relação com o leitor. O narrador, Tonho Tigreiro (ou Macuncôzo, ou Antonho de Eiesús) e o narratário anônimo se tateiam, se intimidam, se aplacam, se descrêem mutuamente, e o leitor é conduzido a partilhar dessa suspeita. O diálogo semi-velado, ao omitir a fala do narratário, atualiza a “informação nula” benjaminiana, que tanto rende a uma história em interesse e profundidade (Benjamin 1991:273-274). No conto nada pode ser tido por certo, tudo pode ser o avesso do que é. Do unreliable narrator, o que se pode afirmar com alguma segurança é seu prazer muito vivo em intimidar e seduzir seu ouvinte e hóspede de uma noite:
Quando tou de barriga cheia não gosto de ver gente, não, gosto de lembrar de ninguém: fico com raiva. Parece que eu tenho de falar com a lembrança deles. Quero não. Tou bom, tou calado. Antes, de primeiro, eu gostava de gente. Agora eu gosto é só de onça. Eu apreceio o bafo delas… Maria-Maria – onça bonita, cangussú boa-bonita.
(…) O mais bonito que tem é onça Maria-Maria esparramada no chão, bebendo água. Quando eu chamo, ela acode. Cê quer ver? Mecê tá tremendo, eu sei. Tem medo não, ela não vem não, vem só se eu chamar. Se eu não chamar, ela não vem. Ela tem medo de mim também, feito mecê…
Eh, este mundo de gerais é terra minha, eh, isto aqui – tudo meu. Minha mãe havêra de gostar… Quero todo mundo com medo de mim…? (Meu tio o Iauaretê, In Rosa 2001:203)[1]
Nesse ponto da narrativa, já se percebe que quase todas as pessoas mencionadas pelo narrador estão mortas. “De doença”, “de verdade”, “tou falando de verdade” (p.192,199), ele garante. Mas cotejados com a estética sangrenta das anedotas “oncescas”, com o isolamento do narrador e sua decantada aproximação com as onças, os protestos de sinceridade parecem um tanto suspeitos. Quando narratário e leitor se deparam com uma passagem como esta: “Aqui, roda a roda, só tem eu e onça. O resto é comida pra nós.” (p.201), eles podem, sem esforço fantasioso, colecionar as evidências e interpretar as ambigüidades: a “gente” que tanto repugna ao narrador pode muito bem estar encerrada nesse “resto” – não-eu e não-onça – que é comida certa, e na barriga cheia que evoca a lembrança incômoda “deles”, anáfora de “gente”…
O narrador parece mostrar as presas, enfunar o peito, marcar território. Mais do que dizer o seu parentesco, o tigreiro encena, na própria enunciação, sua natureza de grande felino… Num capricho de ostentação do próprio poder, ele ainda se permite humilhar seu hóspede, brincando de amedrontá-lo, “decretando-o” covarde. … Para logo chamá-lo amigo, reafirmar o pacto cooperativo do diálogo:
Mecê não, mecê é meu amigo… Tenho outro amigo nenhum. Tenho algum? Hum. Hum, hum… Nhem? Aqui mais perto tinha só três homens, geralistas, uma vez, beira da chapada. Aqueles eram criminosos fugidos, jababora, vieram viver escondidos aqui. Nhem? Como é que eles se chamavam? Pra quê é que mecê carece de saber? Eles eram seus parentes? Axi! (p.203)
Único amigo, um desconhecido, hóspede de uma noite?… Para que se continue o diálogo, o narratário não precisa senão fingir crer… As marcas, os ecos de suas perguntas no discurso do tigreiro mostram que quer ouvir mais, saber mais. No mínimo ele mantém um anfitrião perigoso ocupado, e o retém enquanto pode nas malhas do princípio cooperativo da interlocução… Uma Scherazade às avessas, para ele, continuar vivo depende não de narrar mais, mas de ouvir mais. Seu interesse, no entanto, parece ir além da própria sobrevivência. O puro prazer (malgrado a tensão) que há de ter nas histórias ou a estratégia de ganhar tempo explicariam a curiosidade pelos nomes? A suposição de intenções veladas não escapa ao onceiro, que as deixa passar e se enleia na própria volúpia de narrar.
O narratário não demora a evocar de novo o assunto “onça”:
“Nhem? Os geralistas Sabiam caçar onça não. Não falei? Tinham medo, muito.” E logo ouve que “morreram, eles três, morreu tudo, tudo – cuéra. Morreram de doença, eh, eh. De verdade. Tou falando de verdade, tou brabo!” (p.203).
Se o objetivo era estender a narração, perguntando do assunto preferido do onceiro, a estratégia funcionou… Mas a resposta o narratário já podia adivinhar, a essa altura – o anfitrião é um bravo entre os fracos, é o senhor da jaguaretama (“Jaguaretama, terra das onças”, p.211) todo “o resto é comida de onça”… O narratário, por outro lado, poderia estar buscando, perlocutoriamente, confirmar a morte já suposta dos geralistas… É o que acontece. Obtém a mesma explicação que ouvira para as outras mortes – do preto Bijibo, da família inteira de seu Rauremiro (pp.192, 199)… “Elementar, meu caro narratário”, parecem clamar as evidências…
Se o narrador se enfurece por perder o controle de seu discurso ou por perceber a descrença do ouvinte em sua explicação, não se pode dizer – dúvida, informação lacunar são, aliás, o que impele narratário e leitor a desbravar a narrativa… O fato é que, juntando-se as pistas, o narratário parece revelar um comportamento que ultrapassa de longe o defensivo:
Maria-Maria é bonita, mecê devia de ver! Bonita mais do que alguma mulher. Ela cheira à flor de pau-d’ alho na chuva. (…) Uma pintinha em cada canto da boca, outras atrás das orelhinhas… Dentro das orelhas, é branquinho, algodão espuxado. Barriga também. Barriga e por debaixo do pescoço, e no por dentro das pernas. Eu posso fazer festa, tempão, ela aprecêia…(…)
Nhem? Ela ter macho, Maria-Maria?! Ela tem macho não. Xô! Pá! Atimbora! Se algum macho vier, eu mato, mato, mato, pode ser meu parente o que for!
A’ bom, mas agora mecê carece de dormir. Eu também. Ói: muito tarde Sejuçú [2] já tá alto, olha as estrelinhas dele… Eu vou dormir não, tá quage em hora d’ eu sair por aí, todo dia eu levanto cedo, muito em antes do romper da aurora. Mecê dorme. Por que é que não deita? – fica só acordado me preguntando coisas, despois eu respondo, despois cê pregunta outra vez outras coisas? Pra que? Daí, eh, eu bebo sua cachaça toda. Hum, hum, fico bêbado não. Fico bêbado só quando eu bebo muito, muito sangue… Cê pode dormir sossegado, eu tomo conta, sei ter olho em tudo. Tou vendo, cê tá com sono. Ói, se eu quero, eu risco dois redondos no chão – pra ser seus olhos de mecê – despois piso em riba, cê dorme de repente… Ei, mas mecê também é corajoso capaz de encarar homem. Mecê tem olho forte. Podia até caçar onça… fica quieto. Mecê é meu amigo. (p.206)
Aqui, ao perguntar dos machos de Maria-Maria, o hóspede parece deliberadamente provocar a ira do anfitrião, que já havia descrito (longamente, amorosamente, possessivamente) a onça-fêmea. A raiva do tigreiro parece se diluir de repente, e ele se lembra de mandar seu visitante dormir (como faz, entre irritado e solícito, de quando em quando – p.198, 212, 213, 214, 224), queixa-se do excesso de perguntas, indaga o porquê… A menção à cachaça sugere uma intervenção do narratário, oferecendo de sua bebida, como é recorrente na narrativa em passagens onde a ameaça é patente (p. 192, 193, 195-6, 198, 200, 205, 213, 214, 227 …). O que poderia ser solicitude de anfitrião e hóspede – oferta de dormida e bebida – é na verdade a partilha de uma mesma estratégia traiçoeira: fazer o outro dormir. O tigreiro aceita a cachaça, mas se recusa a dormir, demonstra entender o ardil, ameaça pesado, diz que só se embebeda de sangue. E se o hóspede não dorme por vontade, é à força que dormirá, por arte de feitiço… A súbita mudança, de ameaça a afabilidade sugere que algo se passa por trás do texto. O visitante não se acua, tem sua arma. Possivelmente fez menção de usá-la, como em várias outras passagens em que a tensão beira o embate (p. 214, 217, 227…).
O duelo de força e astúcia e a isotopia animal reclamam o intertexto da fábula e da “história de trancoso”. Há mesmo um conto popular brasileiro – A onça e o bode – que ainda inclui o elemento huis clos e a sugestão de canibalismo. Um bode e uma onça se vêem morando numa mesma casa, em aparente harmonia. A tensão predatória se instalando, um passa a intimidar o outro, dizem-se os dois muito irritáveis e dão prova disso: a onça traz um bode morto para o jantar, no dia seguinte o bode traz uma onça. À força de se assustarem mutuamente, os dois terminam por fugir (In Romero 1954: 327-329). A semelhança é patente com Meu tio o Iauaretê, inclusive a partilha do teto e a oferta de comida suspeita por parte do tigreiro (pp.193, 194), que brinca de se revelar comensal de onça e logo negaceia o canibalismo implicado.
Os mesmos elementos se encontram no mito de Lycaon, que a ira indignada de Zeus transformou em lobo – Lycaon, anfitrião de Zeus por uma noite, depois de lhe ter servido à mesa a carne de um refém, planejara assassinar o deus quando este adormecesse (cf. Cascudo 1983:145-146; Ovídio 1955: 35). A ligação com a mitologia grega não somente sublinha a analogia do grande predador europeu com o brasileiro, mas também sugere que o homem-onça pode ter encontrado um rival à altura.
O visitante preso na cova do jaguar não é uma presa acuada, tentando esquivar-se, mas um predador ele mesmo, que usa de sutileza – com seu ardil scherazádico de estender a narração para retardar o ataque – mas também pode recorrer à força, como nas várias vezes em que ameaça usar o revólver. O texto dá pistas de que ele tenha vindo com esse intuito mesmo, seja como um vingador, seja como um jaguariara (p.199), um caçador de onça[3] – para desafiar Tonho Tigreiro, duelar pelo posto de onceiro que este abandonara, o que explicaria sua curiosidade pelos detalhes sobre os costumes e moradas das onças:
Nhem?? Hum, hum, Maria-Maria eu falo adonde ela mora não. Sei lá se mecê quer matar?! Sei lá de nada… (p.212)
Que a pergunta incida sobre o objeto mesmo do amor do onceiro soa ainda mais provocador, e Tonho Tigreiro o pressente:
Nhem? Cê quer saber donde é que Maria-Maria dorme de dia, hã? Pra quê quer saber? Pra quê? Lugar dela é no alecrim-da-crôa, no furado do matinho, aqui mesmo perto, pronto! Quê que adiantou? Cê não sabe adonde que é, eh-eh-eh… Se mecê topar com Maria-Maria, não vale nada ela ser a onça mais bonita – mecê morre de medo dela. Ói: abre os olhos: ela vem, vem, vem, com a boca meio aberta, língua lá dentro mexendo (…). Eh, bota as mãos pra frente, abre os dedos – põe pra fora cada unha maior que seu dedo mindinho de mecê. Aí, me olha, me olha… Ela gosta de mim. Se eu der mecê pra ela comer, ela come…
Mecê espia cá fora. Lua tá redonda. Tou falando nada. Lua meu compadre não. Bobagem. Mecê não bebe eu me avexo, bebendo sozinho, tou acabando sua cachaça toda. (p.220-221)
O tigreiro aceita o desafio com sarcasmo e replica com violência redobrada. A beleza feroz de Maria-Maria é cantada em advertência hostil, como em outras passagens, mas desta vez a ameaça é direta e inequívoca – “Se eu der mecê pra ela comer, ela come…”
O duelo verbal é encarniçado. Vê-se que o narratário não luta a batalha perdida da presa contra o predador. Ele tem chance real de vencer, ele “tem olho forte” (p.206), ele “é lobo gordo” (p.192), como reconhece o próprio onceiro-onça.[4]
Eis que se defrontam onça e lobo, os dois grandes predadores do fabulário ocidental, que nos chegaram, um do Novo e um do Velho Mundo. Simetrizam-se, gêmeos de astúcia, estratégia e força. E a alusão ao compadrio da Lua sugere essa relação gemelar: na mitologia de vários povos indígenas brasileiros, figura o par de irmãos gêmeos míticos, muitas vezes identificados ao Sol e à Lua. Entre os Borôro, acrescenta-se mesmo outro par, “filhos do jaguar e de uma mulher” (Melatti, 1970: 130-131)… Narratário e narrador, lobo e jaguar, são equivalentes, análogos, irmãos, e a fala final confirma esse parentesco:
Hé… Aar-rrã… Aaãh… Cê me arrhoôu… Remuaci… Rêiucàanacê… Araaã… Ui… Ui… Uh… uh… êeêê… êê… ê… ê… (p.235)
A clave de interpretação mítica se confirma nas montagens em tupi, como “remuaci” e “reiucanacê”, onde Haroldo de Campos vê, respectivamente, os elementos “amigo” + “meio-irmão” e “amigo + matar + quase parente” (Campos In Coutinho 1983:578). E talvez o leitor não incorra em pecado de superinterpretação se encontrar a lua (“îasy”) em “aci”, o sol (“ara”) no gemer rugido “arã”, ou um eco de profecia no “re”, que pode tanto significar deve ser, há de ser, quanto o pronome agente tu (Barbosa 1956).
A sucessão ou luta pela precedência, como assassinato ou combate final, é tema mítico comum, seja como embate pai-filho (Laio-Édipo, Cronos-Zeus), seja como embate entre irmãos (Caim-Abel, Rômulo-Remo, Osíris-Set). A história minguando junto com a noite, o Sol prestes a emboscar a Lua, teria o onça-onceiro sido morto pelo visitante lobo-gordo, irmão-inimigo e sucessor seu? O texto finda a ação com o disparo do narratário e os protestos do narrador. Como o fim do texto não é o fim da fabula, é possível interpretar as palavras finais não como um estertor de morte, mas como as marcas de uma luta que ainda se pode ganhar:
(…)Debaixo da zagaia, ela escorrega, ciririca, forceja. Onça é onça – feito cobra… Revira pra todo o lado, mecê pensa que ela é muitas, tá virando outras. Eh, até o rabo dá pancada. Ela enrosca, enrola, cambalhota, eh, dobra toda, destorce, encolhe… Mecê não tá acostumado, nem não vê, não é capaz, resvala… A força dela, mecê não sabe! Escancara a boca, escarra medonho, tá rouca, tá rouca. Ligeireza dela é dôida. Puxa mecê pra baixo. Ai, ai, ai. Às vez inda foge, escapa, some no bamburral, danada. Já tá na derradeira, e inda mata, vai matando… Mata mais ligeiro que tudo. Cachorro descuidou, mão de onça pegou ele por detrás, rasgou a roupa dele toda. Apê! Bom, bonito. Eu sou onça… Eu – onça! (p.204)
A descrição da luta da onça ferida evoca con brio – numa exuberância cinética que lembra os quadros futuristas de Boccioni ou Carrà – o esforço, a pressão sobre o corpo (no forcejar, enroscar, dobrar, destorcer, encolher), a profusão de movimentos bruscos (“revira pra todo lado”, “enrosca, enrola, cambalhota”) que exprimem a urgência de sobreviver, o instinto de zelar pela própria carne… O trecho do cachorro com a roupa rasgada opera o impossível : exsudar ternura e sorriso (por onça e cão, mas também, e quase sobretudo, pelo bem-achado da imagem, pelo narrador que a detém) de uma “cena” que exige um pathos muito mais sério e doído… de modo que o leitor se compraz, se deleita, não se afasta muito do prazer bestial do narrador – “é bom, bonito”.
Mas nosso ponto aqui é que a passagem citada, como outra semelhante, na página 199, prenuncia uma luta final cruenta, cujo resultado é imprevisível. Elas sugerem que o descer das cortinas in media res, durante a queda do homem-onça após o disparo do revólver, pode omitir a morte de um, como do outro, como dos dois – e qualquer que seja o desfecho, será mais uma vez cometido o assassinato do parente, que é sugerido em relação a onça e gente ao longo da narrativa.
Não são narrados os golpes, a fúria, o desespero, o despedaçar dos corpos no combate narrador-narratário – eles são prefigurados, somente, nesses embates entre onça e cão. Esses combates animais são significativos aqui – primeiramente porque os cachorros onceiros são a contraparte tropical do lobo, mas também, talvez, porque a luta entre as bestas[5], motivo recorrente na iconografia mundial, tem uma espécie de força cósmica, parece representar o eterno estado de “âgon” do mundo.
Há outra luta mortal, entre onça e homens, protagonizada pelo narrador. Nele a onça morre, agarrada a Tonho Tigreiro, que escapa muito ferido. Como prefiguração, o final que antecipa é tão dúbio quanto os outros, graças à natureza híbrida do vencedor do combate – afinal, Tonho Tigreiro é homem e onça ao mesmo tempo…
2. A onça rajada de grego
“Eu-onça!” é uma espécie de refrão do narrador. Declarar-se onça é sê-la já – marcar o território, intimidar rival e presa. É também esmagar as identidades que já não lhe servem – Bacuriquirepa, nome que lhe dera sua mãe índia; Beró/Breó, corruptela tupi do português Pero (Barbosa 1956: 385), correspondendo a sua face cabocla; Macuncôzo, nome de sabor africano, os negros sendo vítimas favoritas de onça[6]; Antonho de Eiésus, o nome de batismo, que lhe deu o pai branco, cristão. A rejeição de todos esses nomes e identidades opera a dupla ancoragem da história em duas dimensões de verdade, a mítico-literária e a realista, sendo índice do terceiro termo da tríade bom-belo-verdadeiro, uma das isotopias estruturais do conto.
Despojando-se dos nomes, o tigreiro abdica de ser indivíduo, assume a identidade geral e eterna dos bichos, das fábulas e dos mitos. De fato, o conto, como já vimos, reencena o tema da violência e presunção dos grandes predadores do fabulário ocidental – o lobo e o leão, nas fábulas de Esopo, o Ysengrin nas histórias do ciclo do Roman de Renard (contrapartes da onça das fábulas brasileiras). Mas ao intertexto mítico-literário europeu junta-se o mestiço, das lendas populares que entremeiam a narrativa.
Há, naturalmente, a analogia com o lobisomem, lenda européia implantada na América. Depois de conhecer Maria-Maria, em crise moral por ter matado tantas onças, agora reconhecidas como parentes, o narrador inquieta-se, deseja loucamente tornar-se uma: ele sai uma noite e se deita num covil que ainda cheira à onça que matara recentemente; depois de um acesso, uma câimbra, um violento tremor, Tonho Tigreiro volta a si “de pé e mão no chão, danado pra querer caminhar” (p.223). Ora, diz a tradição que quem queira se encantar em lobisomem deve espolinhar-se num espojadouro de animais; após sacudir o corpo em movimentos bruscos, ergue-se lobisomem já, e “parte em desabalada carreira” (Cascudo 1983: 158).
Duas outras lendas, estas bem brasileiras, são incorporadas aos “causos” de Tonho Tigreiro: a Onça-boi e a Onça Maneta. A Onça-boi é uma malhada que se distingue por ter cascos de boi, e nem os caçadores veteranos ousam seguir seu rastro redondo, porque de seu ataque ninguém escapa (Cascudo, 1983: 291). Pois escapou Tonho Tigreiro. Ele fala de uma onça Pé de Panela, uma jaguarapinima (“pintada”, do tupi “piníma”), que um sitiante rastreou para vingar a morte do filho pequeno. Se o homem foi morto brutalmente pelo bicho, é Tigreiro, o caçador imbatível, o marupiara, que vai dar fim ao monstro (p.218-219). Da outra, a Maneta, ele diz que só se vê o rastro de três pés, só se sabe dos animais e pessoas que devora: depois do episódio em que perdeu uma das patas dianteiras, ela “sumiu por este mundo. Assombra” (p.220). É essa mesma fama que guarda (ou guardava, que o mundo tem se desencantado depressa) a lendária Onça Maneta de São Paulo e Minas Gerais (Cascudo 1983: 292).
No que tange à idéia de verdadeiro tal como construída no texto, a incorporação das lendas tem duas implicações. Se efetuada pelo autor implícito, pode instaurar no conto a verdade metafórica (a natureza acossando o corpo e a alma do homem, talvez) que encerram literatura e mito quando fruídos num pacto de interpretação, digamos, séria; ou simplesmente conduzir o scherzo da literatura e dos mitos numa prática de fruição ligeira, onde a “invenção” não aspira muito mais do que a divertir – a imagem da fera integrando, com o mistério da metamorfose e o perigo das emboscadas, a mecânica das peripécias, sem pretensão a encriptar uma “verdade”.[7]
A ancoragem realista recupera o indivíduo Tonho Tigreiro, instalando-o na encruzilhada entre branco, preto, índio e mestiço. Seu isolamento, quase um exílio, é índice do não-lugar em que o lança esse hibridismo. Externamente ao personagem, essa constelação de identidades se apresenta nos humanos que integram sua história: ele tem pai branco, nasceu de índia Ticuna, viveu entre os Kra-hós; sua única menção a um amigo é ao mestiço Joaquim Pereira Xapudo; é negro o seu mestre zagaieiro, negros são as vítimas de quem fala com mais detalhe, e é com eles que se identifica em suas palavras finais (“Eu-Macuncôzo…”, p.235). Talvez porque o negro seja a identidade mais órfã, mais rejeitada… como Tonho Tigreiro, repelido por todas elas (p.222)…
E é amargando o exílio dos homens que Tigreiro tem uma epifania de ternura com a fera:
De madrugada, eu tava dormindo. Ela veio. Ela me acordou, tava me cheirando. Vi aqueles olhos bonitos, olho amarelo, com as pintinhas pretas bubuiando bom, adonde aquela luz.(…) Depois botou mãozona em riba do meu peito, com muita fineza. Pensei – agora eu tava morto: porque ela viu que meu coração tava ali. Mas ela só calcava de leve, com uma mão, afofado com a outra, de sossoca, queria me acordar. Eh, eh, eu fiquei sabendo… Onça que era onça – que ela gostava de mim, fiquei sabendo (…) Falei baixinho: “- Ei, Maria-Maria… Carece de caçar juízo, Maria-Maria…”Eh, ela rosneou e gostou, tornou a se esfregar em mim, mião-miã. Eh, ela falava comigo, jaguanhenhém, jaguanhém…. (…)Quando eu parava de falar, ela miava piado – jaguanhenhém… Tava de barriga cheia, lambia as patas, lambia o pescoço. Testa pintadinha, tiquira de aruvalhinho ao redor das ventas… Então deitou ao redor de mim, o rabo batia bonzinho na minha cara… (…) Vi que ela tava secando leite, vi o cinhim dos peitinhos. Filhotes dela tinham morrido, sei lá de quê. Mas, agora, ela vai ter filhote nunca mais, não, ara! – vai não… (p.208)
Quem seja com um gato em casa reconhece cada um desses maneirismos de dengo de Maria-Maria – o sovar amaciando, pata ante pata, o rosnar ronronado, o miado fininho de querer afago, a cauda distraída num carinho condescendente. Quem quer que seja gente demais pra atentar em bicho evoca agora nítido o que olhava sem ver – a toilettezinha zelosa, a estampazinha do corpo, o focinho porejando (feito criança com nariz escorrendo, será isso o que enternece?…), a fêmea ostentando sem pudor seus “sininhos”… O narrador é sequestrado por essa materialidade que se lhe impõe: não lhe resta senão olhar – é decifrar o corpo da fera, ou ser devorado. Essa é a intimidade impossível com o mundo em seu estado mais cru, a phusis, aquela entidade cuja forma e matéria encarnam seu próprio telos (Miller In Rowe et al. 2000: 321-323). O narrador se vê premido a partilhar a natureza bruta da onça. Mas como, se está preso na demasiadamente humana abstração da linguagem?
É aqui que o cratilismo recorrente na obra se insinua mais evidente, mais necessário. “Maria-Maria” não é nome imposto, arbitrário, ele exprime a própria relação do narrador com a onça – Maria é a idéia de Mulher feita nome no Ocidente cristianizado; Mar’Iara Maria era a mãe do narrador, primeira figura de fêmea; Maria-Maria é a segunda fêmea, despojada do traço, eminentemente humano, de dominação e propriedade, “iara” sendo o tupi para “senhora”; finalmente, a própria sonoridade do nome é um ronronar felino.[8] Entreouve-se ainda um miado amoroso na semi-onomatopéia – “jaguanhenhém, jaguanhém” (iagûara, “onça” + nheng, “falar”, como atesta Barbosa 1956: 67)…
É outra dimensão de verdade esta, a da preeminência da phusis e de seu telos. Ora, o telos da fera é manter-se viva, às custas da carne de não importa quem:
Mecê tem medo? Vou ensinar, hem; mecê vê do lado de donde não tá vindo o vento – aí mecê vigia, porque é daí que onça de repente pode aparecer, pular em mecê… Pula de lado, muda o repulo no ar. Pula em-cruz. É bom mecê aprender. É um pulo e um despulo. Orêlha dela repinica, cataca, um estalinho, feito chuva de pedra. Ela vem fazendo atalhos. Cê já viu cobra? Pois é, Apê! Poranga suú, suú, jucá-iucá… (p.199)
O narrador exalta a agilidade do bote com o duplo prazer de contemplar o espetáculo e amedrontar a vítima potencial que é seu hóspede. De um lado a mecânica do ataque é descrita em detalhe, com admiração, de outro o “mecê” dúbio, a um tempo pessoal e impessoal, lança o interlocutor nas garras da fera. Ao fim, o narrador se revela em sua estética da besta: poranga é “bonito” em tupi, suú é “morder”, iuká é “matar” (Barbosa 1956:49,158-159).
Emboscar, rasgar, comer, saciar-se – é a aretê da onça. Embora tenha vindo a significar virtude moral, como nos diálogos de Platão, em Homero o termo reveste outros sentidos. Encerra a idéia de habilidade e ímpeto guerreiro, mas também pode exprimir a qualidade de desempenhar seu telos da melhor maneira (Schiappa 2003:168-169), intersectando o agathos (o bom) e o kalon (o belo) aristotélico.[9] A ferocidade da onça cobrindo esses dois traços homéricos da aretê, a palavra tupi jaguaretê se matiza de cratilismo.
Iagûara é originalmente o tupi para onça. Quando os portugueses introduziram o cachorro entre os índios, a mesma palavra passou a designar o novo animal e, para evitar equívocos acrescentou-se o sufixo –été, “verdadeiro” (Barbosa 1956:387-388). Inoculada da astúcia roseana, a palavra torna-se refrão de uma como que paideia da besta – se o bom, o belo, o verdadeiro (aretê, –été) integram a phusis mesma da onça, a quem é gente só é dado aprender:
Sabia o que onça tava pensando, também. Mecê sabe o que é que onça pensa? Sabe não? Eh, então mecê aprende: onça pensa só uma coisa – é que tá tudo bonito, bom, bonito, bom, sem esbarrar. Pensa só isso, o tempo todo, comprido, sempre a mesma coisa só, e vai pensando assim, enquanto que tá andando, tá comendo, tá dormindo, tá fazendo o que fizer… Quando algũa coisa ruim acontece, então de repente ela ringe, urra, fica com raiva, mas nem não pensa nada: nessa horinha mesma ela esbarra de pensar. Daí, só quando tudo tornou a ficar quieto outra vez é que ela torna a pensar igual, feito em antes… (p.223)
O bom e o belo são a stasis no perpetuum mobile que é o pensamento da onça. Se o homem está preso no tempo, que suspende somente com a irrupção do sagrado, a onça vive o contrário: se move na eternidade, stasis ou perpetuum mobile, e não experimenta o tempo senão quando irrompe o perigo.
O bicho, como o Deus que se revelou a Moisés, É aquele que É. A eternidade incrustada no mundo.
3. Cave cave fera videt
Antes um perseguidor de onças, depois de sua epifania, o narrador torna-se um tigreiro de homens. Sua aretê agonística é a virtude que brande contra a akrasia dos homens, contra os excessos que os tornam fracos e feios:
Olhei pro preto Bijigo comendo, ele lá com aquela alegria dôida de comer, todo dia, todo dia, enchendo boca, enchendo barriga. Fiquei com raiva daquilo, raiva, raiva danada… Axé, axi! Preto Bijibo gostando tanto de comer, comendo de tudo bom, arado, e pobre da onça vinha vindo com fome, querendo comer preto Bijibo… (p.226)
Se o ato natural da obtenção de alimento fora uma face do belo no mundo da onça, aqui ele se mostra repugnante. É a incontinência pela boca, com sua avidez grotesca, deformando a figura humana. Como primeira cena de um painel à la Bosch, a gula anuncia ironicamente a sentença de Tonho Tigreiro para os sete pecados – a devoração pela fera.
Eh, mas Maria Quirinéia principiou a olhar pra mim de um jeito estúrdio, diferente mesmo: cada olho se brilhando, ela ria, abria as ventas, pegou em minha mão, alisou meu cabelo. Falou que eu era bonito, mais bonito. Eu – gostei. Mas aí ela queria me puxar pra a esteira, com ela, eh, uê, uê… Me deu uma raiva grande, tão grande, montão de raiva, eu queria matar Maria Quirinéia, dava pra a onça Tatacica, dava pra as onças todas! (p.232)
A repulsa raivosa de Tonho Tigreiro é contra a terceira Maria de sua vida, a adúltera Quirinéia, que mantém acorrentado o marido louco enquanto recebe homens em casa. Se todos os outros pecados – a gula de Bijibo, a ira de Riopôro, a inveja de Tiodoro, a preguiça de Gugué, a avareza de Antunias e sobretudo a soberba de “seo Rauremiro” – são punidos com a damnatio ad bestias, a luxúria de Maria Quirinéia é perdoada no último instante:
Eh, aí eu levantei, ia agarrar Maria Quirinéia na goela. Mas foi ela que falou: “Ói: sua mãe deve de ter sido muito bonita, muito boazinha muito boa, será?” Aquela mulher Maria Quirinéia muito boa, bonita, gosto dela muito, me alembro. Falei que todo o mundo tinha morrido comido de onça, que ela carecia de ir s’embora de mudada, naquela mesma hora, ir já, ir já, logo mesmo… (p.232-233)
Uma queixa ressentida de ter estado “sozinho”, “muito judiado”, “sem emparamento nenhum” entremeia a narração de Tigreiro. Parece que o único amor humano que experimentou foi o da mãe… É possível também – e o texto, se não o comprova, não o desmente[10] – que Tigreiro tenha matado a mãe, ou o pai, ou os dois, e esse seja o motivo de seu exílio, da rejeição maciça dos homens. Ao acordar em Tigreiro a ternura ou a culpa do filho, Maria Quirinéia escapa à fúria cega da besta. Aplacado por um instante, ele se apressa em mandá-la embora da região, talvez porque de uma próxima vez ela não fosse poupada.
É significativo que imediatamente após esse gesto de “humanidade”, Tigreiro leve seus sete trabalhos ao clímax:
Uê, uê, rodeei volta, despois cacei jeito, por detrás dos brejos: queria ver veredeiro seo Rauremiro não. Eu tava com fome, mas queria de-comer dele não – homem muito soberbo. Comi araticum e fava doce, em beira de cerrado eu descansei. Uma hora deu aquele frio, frio, aquele, torceu minha perna… Eh, despois, não sei, não: acordei – eu estava na casa do veredeiro, era de manhã cedinho. Eu tava em barro de sangue, unhas todas vermelhas de sangue. Veredeiro tava mordido morto, mulher do veredeiro, as filhas, menino pequeno… Eh, juca-jucá, atiê, atiúca! (p.233)
A punição de seo Rauremiro não vai ser delegada às onças, como aconteceu com as outras vítimas – sua soberba é castigada nos dentes do próprio Tigreiro “metamorfoseado”. Talvez porque a arrogância do veredeiro ferisse seus brios de grande felino, senhor da jaguaretama, reduzindo-o a mero animal doméstico:
Veredeiro seo Rauremiro, bom homem, mas chamava a gente por assovio, feito cachorro. Sou cachorro, sou? Seo Rauremiro falava: – Entra em quarto da gente não, fica pra lá, tu é bugre…” (p.228)
Talvez porque seu desprezo ecoasse a rejeição dos homens. Mas, deixando a clave realista, a soberba é sempre dos maiores agravos contra os deuses – esse foi o pecado de Lúcifer, de Adão, dos construtores de Babel, da humanidade pós-Prometeu… É o que leva o homem a se permitir todos os outros excessos, porque nada concebe de maior que sua vontade. E que pior humilhação para o soberbo que reduzir-se a coisa, a pasto para as feras, cuja fome não distingue um rei de um escravo?
No Império Romano, a damnatio ad bestias era reservada aos crimes sem perdão, e normalmente a estrangeiros, não a cidadãos romanos. De fato, é necessário que as possibilidades de identificação fossem mínimas para que a turba se regalasse com o espetáculo, que o fizesse motivo dos mosaicos decorativos de suas casas (Gilhus 2006:183)…
Tigreiro se afasta do mundo dos homens, a ponto de olhá-los sem compaixão, sem paixão mesmo:
Nhem? Preto tinha me ofendido não. Preto Bijibo muito bom, homem acomodado. Eu tinha mais raiva dele não. Nhem, não tava certo? Como é que mecê sabe? Cê não tava lá. Ã-hã, preto não era parente meu, não devia de ter querido vir comigo. Levei o preto pra a onça. Eu tava no meu costume (p.227)
A raiva que sente não decorre de ofensa pessoal – seja da avareza de Antunias, da brutalidade de seu Riopôro, da arrogância de seu Rauremiro – muito menos de indignação moral. Ela parece vir – nele que adota o quase divino perpetuum mobile do pensamento puro da onça – de uma náusea estética pela incontinência, pela akrasia grotesca do mundo humano.
O olho duro da fera vê, e vendo embosca, se assim decidir seu coração insondável, que não se dobra à vontade prepotente do homem.
4. A comédia de Hércules e Orfeu
Hércules, tendo massacrado mulher e filhos, é posto pelo oráculo a serviço do rei Euristeu, que, amedrontado pelo hóspede irascível, o incumbe dos doze trabalhos, todos envolvendo animais indomáveis (do leão da Neméia ao cão guardião dos Infernos). Tenha sido ou não um assassino dos pais (o que o associaria a outro homem feroz em torno do qual cirandam as bestas, o Saint Julien l’Hospitalier de Flaubert), Tigreiro reencena esse exílio e essa purgação no animal. Que ela represente a justiça cega de Deus ou do cosmos, a lição de humildade, o duelo iniciatório ou o vislumbre da divindade, o homem não escapa incólume à marca da besta.
A dualidade de Tigreiro pode de certo modo ser índice do trágico. “Desonçando” o mundo, purgando o mundo dos monstros tanto animais quanto humanos, ele purga de si mesmo a dupla ferocidade – a aretê inocente da fera e a akrasia culpada do homem – ao mesmo tempo em que a exerce, incorrendo numa falta sem fim. Mas é terror e piedade só o que ele inspira?
Empurrei! Empurrei, foi só um tiquinho, nem não foi com força: geralista seu Riopôro despencou no ar… Apê! Nhem-nhem o quê? Matei, eu matei? A’pois, matei não. Ele inda tava vivo, quando caiu lá em baixo, quando onça Porreteira começou a comer… Bom, bonito! Eh, p’s, eh, porá! Erê! Come esse, meu tio… (p.230)
A contemplação satisfeita do suplício dos incontinentes causaria horror contra Tigreiro? Talvez o leitor, inclinado a desprezar o Hércules bruto assassino dos parentes, seja surpreendido a enredar-se na prosa desse Orfeu caboclo encantador das bestas, com seu nhenhenhém[11] hipnótico?
Das vítimas vemos somente a deformação do caráter, a feiúra dos excessos – mais do que a falha moral em si. Mas a Tigreiro seguimos com um prazer ora enternecido, por sua aguda, quase dolorosa, quase bestial sensibilidade à beleza, ora divertido, por suas astúcias de trickster, por sua linguagem de que mareja o humor bruto, cru – da crueza do mundo dado que escandaliza o refinamento hipócrita do homem ultra-urbanizado, do homem que julga ter escapado da phusis, mas que é sempre emboscado, abocanhado por ela em algum momento.
Meu tio Iauaretê é comédia não somente pela graça sutil, rajada de agridoce, do narrador. Mas porque sua lógica é a lógica da besta. A besta mata ou morre sem que o mundo se despedace; após o alarme retorna o perpetuum mobile do bom-bonito, como é próprio da comédia. O mundo exerce sua aretê na âgon e é assim que tem de ser. Afinal, no zoológico ou na selva, a cascavel há de comer.
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Notas:
- A partir daqui, todas as citações do conto serão indicadas apenas pelo número da página ao lado dos excertos.
- Ou Seixu, o sete-estrelo, as Plêiades. BARBOSA, Pe. A. L. Curso de tupi antigo. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1956, p.439.
- Não como um “um visitante perdido na floresta” (SPERBER, S.F. A virtude do jaguar: mitologia grega e indígena no sertão roseano. Remate de males, Campinas, (12): 89,1992) ou como um passante “extraviado de seus camaradas” (CAMPOS, H. de, A linguagem do Iauaretê. In: COUTINHO, E. (ed.) Guimarães Rosa: seleção de textos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p.576)
- Esse hóspede que segura o revólver e solta pilhérias enquanto espera um bote do anfitrião está também no conto “Como ataca a sucuri”, em Tutaméia: terceiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, pp. 38-41. Mas aqui o leitor tem acesso ao discurso tanto ao do hóspede quanto ao do anfitrião.
- Em contraste com a luta entre indivíduos, que, novamente ensejaria uma explicação psicológica, sociológica, vide a menção de Suzi Frankl Sperber à luta entre opressor branco e o oprimido indígena – SPERBER, op.cit., p.93.
- “Onça gosta de carne de preto”, p. 224.
- De uma distinção semelhante fala Mircea Eliade, a propósito dos mitos de certos povos americanos e australianos em Mito e realidade, Editora Perspectiva: São Paulo, 1991, pp. 13-15.
- “Ela vem com o pêlo do lombo rupeiado, se esfregando em árvores, deita no chão, vira a barriga pra riba, aruê! É só arrú-arrú…arrarrúuuu…”, p.213.
- KRAUT, Richard, Aristotle’s Ethics, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2008 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = . Ver ainda SPERBER, S.F. 1992. A virtude do jaguar: mitologia grega e indígena no sertão roseano. Remate de males, Campinas, (12): 89-94
- O lamento recorrente por ter matado seus parentes-onça teria assim um fundo duplo, um par simétrico no mundo dos homens. Ganharia um novo sentido então o trecho já citado – “Me deixaram aqui sozinho, eu nhum. Me deixaram pra trabalhar de matar de tigreiro. Não deviam. Nhô Guede não devia. Não sabiam que eu era parente delas? Oh ho! Oh ho! Tou amaldiçoando, tô desgraçando, porque matei tanta onça, por que é que eu fiz isso?! (…) Quando tô de barriga cheia não gosto de ver gente, não, gosto de lembrar de ninguém: fico com raiva. Parece que eu tenho de falar com a lembrança deles.” (p.202)
- A brincadeira triplamente cratílica de Rosa perpassa toda a narrativa – o “Nhem?” do narrador é tanto o miado da onça quanto a marca da fala do narratário quanto o estender-se ad nauseam da narração.