Se existe uma espécie de comentário que me deixa irritado é aquele do tipo: “fulano é o nosso Marc Chagall”, “sicrano é o nosso Picasso”, “beltrana é a nossa Marie Laurencin” “fulano é a nossa Frida Khalo” etc. Isto me incomoda porque, a meu ver, cada artista é um (ou uma), apesar de todos os plausíveis pontos de contato. Foi por esta razão que fiquei um tanto assustado quando, ao rever alguns dos trabalhos de Ester Grinspum reproduzidos neste livro, concluí: “Ester é a nossa Nara Leão”. Sim, Nara Leão, a cantora. “Ester é a Nara Leão das artes visuais”, repeti para mim, a fim de tentar entender o significado dessa ideia/imagem/som que me assolou de repente.
Nara possuía a voz discreta, mas, ao mesmo tempo, firme, contundente, ocupando o espaço sonoro como poucas. Ester, por sua vez, é uma construtora discreta de formas, uma artista que consegue ressignificar o espaço onde suas intervenções se instalam (no universo tridimensional) ou se inscrevem (nos desenhos). Ela ressignifica o espaço transformando-o em lugar, assim como, com a voz, Nara ressignificava a poesia, imprimindo-lhe uma potência que a transformava em algo quase concreto.
Para ficar nessas analogias com a música: o leitor e a leitora, ao abrirem as páginas deste livro, entrarão em contato não apenas com as obras de “nossa” Nara (“nossa” porque é das artes visuais); vocês também serão brindados om o texto sobre a artista, escrito pela psicanalista Mírian Chnaiderman – o ensaio, uma espécie de cantata erudita –, que situa a obra de Ester no contexto do pensamento estético ocidental (mas não apenas). Por sua vez, os leitores e leitoras, deliciados, marcarão o compasso do dueto entre a artista e o poeta Régis Bonvicino: uma entrevista que, às vezes, remete àquelas canções de Chico Buarque, interpretadas por ele e Nara, mas que, em certos momentos, lembra uma embolada saborosa, executada por dois expoentes, quando o assunto diz respeito à poesia e arte.
Ester Grinspum. Arte, trabalho e ideal é, portanto, um livro que, além de trazer imagens de obras fundamentais para a compreensão da poética de Ester, oferece ao público a oportunidade de entrar em contato com o pensamento sofisticado – e às vezes brilhante – dessa artista e desses intelectuais tão afinados. O que é sempre um prazer.
Tadeu Chiarelli
As Edições Sesc São Paulo lançam o livro Ester Grinspum, organizado por Fabiana de Barros, Michel Favre e Marcia Zoladz. Ester é uma das expoentes da chamada “Geração 80” das artes brasileiras, que injetou novo ânimo na cultura no período de redemocratização. Com trabalho brilhante até hoje. Além de imagens de suas obras mais representativas, o volume traz uma introdução dos organizadores da coleção “Arte, Trabalho e Ideal”, um texto crítico da psicanalista Miriam Chnaiderman, além de uma entrevista da artista concedida ao poeta Régis Bonvicino.
SOBRE A ARTISTA
Ester Grinspum, formada em Arquitetura e Urbanismo, trabalha principalmente com desenho e escultura. Fez sua primeira exposição individual na Pinacoteca do Estado de São Paulo (1981), ano em que ganhou vários prêmios em salões de arte. Em 1983 expôs no MAC-USP. A partir de 1984, começou a expor em galerias comerciais. Nesse ano, participou da exposição Como vai você, Geração 80?. Entre 1984 e 1986, participou da I e da II Bienal de Havana, em Cuba. Em 1989, expôs na XX Bienal Internacional de São Paulo. Nos anos 90, destacam-se exposições em Bienne, Suíça (1991), Estocolmo (1991), Washington (1993) e Nova York (1995). Em 1992-93 fez residência no Centre Pompidou (Paris), pesquisando a obra de Constantin Brancusi. Atualmente é representada pela galeria Raquel Arnaud e tem obras na Pinacoteca de São Paulo, no MAC-USP, no MAM São Paulo, no Brooklyn Museum (Nova York), no Fonds National D’Art Contemporain (Paris), no Museo Reina Sofia (Madri) e na Coleção Patricia Phelps de Cisneros.