Como poderia ser um jogo de espelhos, images/stories fugidias numa superfície onírica, como podemos conceber que percebemos um só vislumbre do multifacetado universo das images/stories multiplicadas, se tudo é tão claro e objetivamente formal ? E, no entanto, persiste a sensação de que a superfície que contemplamos encerra outras virtualidades pois desperta formas esquecidas.
Uma larga fita branca que se enovela em um nó.
Uma extensão preta, cujo desenho projeta-se no espaço, ferida de inscrições brancas. Uma extensão branca, cujo desenho projeta-se no espaço, marcada por inscrições pretas.
Esferas planas que se transformam em superfícies cromaticamente matizadas; em superfícies de geometria fractal; em conjuntos dinâmicos de relevos; em ritmos modulados de inesperados sistemas de cortes, vazios e ressaltos; em registros monocromáticos associados ao céu e ao mar.
Estruturas cilíndricas, verticais, em movimento ascendente.
Sistemas lineares contidos em amarrações, feixes, ramas.
Sempre estas linhas, fios, planos, que se transmutam em linguagem e evocações.
Certamente estamos diante de objetos escultóricos, caracterizados por três dimensões e emanando um complexo movimento de sombras e posições topológicas. E estes objetos contemporâneos têm a lógica da nossa época, pois são livres, despidos da necessidade de registrar a aparência das coisas e, ao contrário, estão comprometidos em ser invenções. E esta busca de originalidade se dá a partir do mais simples, de linhas, fios e pontos, elementos que acreditamos terem formado o mundo das aparências. O universo e o ateliê se expandem a partir do ponto.
Não é por acaso que estes objetos escultóricos despertam memórias de formas ancestrais, como o “nó” , que liga o humano ao divino; a mandala e a sua representação da totalidade; as formas arquitetônicas piramidais de milenares templos de iniciação; relações geométricas pintadas e em relevo e as tradicionais configurações do pensamento metafísico.
As formas de Miriam Rigout são enganadoramente simples. Talvez contribua para isto a maneira despojada de sua exposição, penduradas em paredes, às vezes presas no alto. De tal maneira se integram ao ambiente que podem ser confundidas com ele. As esculturas parecem que sempre estiveram ali. Há uma atmosfera de naturalidade.
E, também, as formas de Rigout são desconcertantes na sua concepção inicial, por não pretenderam, em nenhum momento, criar uma estratégia para modificar a percepção do espectador, do visitante, do contemplador. Elas se apresentam como são, não-ideológicas, na vontade de existir. A arte é suficiente.
A matéria prima das formas escultóricas de Miriam Rigout é o papel reciclado, misturado, tratado, esterilizado e, maleável, tornado em superfícies rugosas rígidas. Esta utilização do papel, ainda que um dos mais antigos e duradouros suportes da arte, mesmo transformado em matéria nobre, oferece um elemento de dúvida, pois tem a sua imagem impregnada do seu uso em artesanato.
E, sem exaurir o assunto, resta a dúvida sobre a técnica, já que a pintura e a escultura fazem parte da forma, são inseparáveis ao olhar perceptivo. Estas formas tridimensionais são enriquecidas na sua superfície por procedimentos pictóricos que oferecem novas possibilidades de fruição. A ambigüidade da forma e de sua função. Uma qualidade da arte de Rigout.
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