João Cabral de Melo Neto e a Geração de 1927 da Espanha
- Introdução
Utilizarei em minha apresentação a ordem da aparição dos temas da cultura espanhola estabelecida por João Cabral de Melo Neto. A primeira que ele menciona é a pintura; a literatura vem depois; mais tarde, quando ele visita a Espanha, a paisagem (Castela e a Catalunha); os toureiros; o cante; a dança; em seguida a Andaluzia, e, finalmente e para sempre, Sevilha.
- A atração pictórica
Cabral fixa seu olhar na Espanha já em seu primeiro livro de poemas Pedra do Sono (1943), e dedica a ela uma “Homenagem a Picasso” em seis versos. A outra homenagem do livro é para André Masson, também pintor. Não se poderia esperar outra coisa de um poeta cujo primeiro verso anuncia “Meus olhos têm telescópios“, e em cujo primeiro poema (segundo do livro) significativamente intitulado, “Os Olhos”, reafirma que a capacidade de olhar é seu atributo poético dominante.
Cabral visita a Espanha pela primeira vez em 1947 e, a partir de Paisagens com figuras (1954-1955), começa a espelhar em sua poesia sua aventura vital pelas terras, as pessoas, a história e a realidade cotidiana.
Rapidamente, os telescópios de João Cabral se convertem, progressivamente, em microscópios que observam a nova realidade de forma cada vez mais aprofundada até seu último livro Andando Sevilha (1987-1989), exemplo maior de apropriação minuciosa de um espaço erotizado.
Do primeiro que lhe chamou a atenção, a pintura, nos deixou em sua poesia, além do citado “Homenagem a Picasso”, de seis versos; 16 versos sobre a pintura de Miró em “O sim contra o sim”; uma comparação pontual de Miró “Taquigrafou (como Miró)” com “Joaquim do Rego Monteiro, pintor”, e uma menção à vista do “Campo de Tarragona”, visível desde a casa de Miró. Sua admiração por Juan Gris nos legou outros 16 versos no mesmo poema para Miró. De sua amizade com Tapies não há, entretanto, testemunho em sua obra poética.
Por estranho que pareça, a atenção que Cabral presta à cultura pictórica espanhola não vai muito além dos cubistas (1) Picasso e Juan Gris, e depois Miró. Só existe uma menção a Velázquez (2) e outra a Zurbarán (3), pintores da luz, em toda a sua obra poética. Na pintura ele se interessa pelas imagens vanguardistas e, por isso, da enorme escola pictórica espanhola, Cabral menciona somente cinco pintores, três deles contemporâneos.
Entretanto, (com um modelo permanente, Joaquim Cardozo, poeta, engenheiro calculista e crítico de artes plásticas, a quem Cabral dedicou-lhe a maior quantidade de poemas dedicados a uma pessoa (quatro), as referências a poetas, pintores ou amadores de pintura, são percentualmente importantes: Brossa, Alberti, Rafael Santos Torroella, García Lorca; todos eles, à exceção de Brossa, ligados à geração de 1927.
- A atração literária
2.1. A “Geração de 1927”
Curiosamente, a segunda referência de Cabral à Espanha é um verso de Jorge Guillén “Riguroso horizonte” (5), utilizado como epígrafe do livro Psicologia da Composição (1946-1947). Cabral insiste no âmbito visual com “horizonte” e o utiliza como epíteto “riguroso”. A poesia de Guillén atraiu muito rapidamente a atenção de Cabral, porque, como a sua, era minimalista e construtivista, traçada “com régua e com esquadros”, dirá anos mais tarde em “Dois castelhanos em Sevilha”.
Cabral menciona por seus nomes, dentro de seus poemas, 12 escritores em espanhol, sete deles, mais da metade, pertencem à Geração de 1927. Refiro-me a Guillén, em Psicologia da Composição (6); a Miguel Hernández, em “Encontro com um Poeta”; Alberti (7), em “Fábula de Rafael Alberti”; Neruda, em “España en el corazón”; Joaquín Romero Murube, em “O Segredo de Sevilha”; Pedro Salinas, em “Dois castelhanos em Sevilha”, e García Lorca, em “Niña de los Peines”, uma cantaora flamenca.
Dos cinco que não pertencem à Geração do 1927, dois são medievais: Berceo, cujo “quiero que compongamos io e tú una prosa”, serve-lhe de epígrafe ao livro de poemas O Rio (1953), e a quem consagra posteriormente “Catecismo de Berceo”; e o “autor anônimo do Cantar de Mío Cid” citado em Medinaceli. Dois são catalães contemporâneos: “Fábula” de Joan Brossa e Eugenio D’Ors, mencionado em “Duas Paisagens”. Só um poeta clássico, Quevedo, merece um poema.
No horizonte referencial literário de Cabral se destaca, portanto, a Geração de 1927 e, dentro desta, Miguel Hernández e Rafael Alberti, para quem escreveu diversos poemas, os de maior extensão consagrados a poetas espanhóis de modo geral. “Encontro com um poeta” é o mais longo (48 versos). Nele atribui à poesia de Hernández os epítetos “arquitetura, voz métrica de pedra”, verdadeiras palavras chaves na poética minimalista, das “vinte palavras”, de Cabral (8). O segundo em extensão (44 versos) é a “Fábula de Rafael Alberti”, quem “foi da palavra à coisa”.
A “Geração de 1927”, ou talvez mais apropriadamente o “grupo de 1927”, é um grupo de artistas, não somente escritores, que se relacionam a partir da comemoração do terceiro centenário da morte de Góngora, celebrado neste ano no Ateneo de Sevilha. Os poetas mais importantes são Pedro Salinas, Jorge Guillén, Gerardo Diego, Damaso Alonso, Federico García Lorca, Vicente Aleixandre (posteriormente Prêmio Nobel), Rafael Alberti, Luis Cernuda, e Miguel Hernández.
Alguns membros do grupo cultivaram outras práticas artísticas: pintura (Salvador Dalí, Manuel Ángeles Ortiz, Benjamín Palencia, Gabriel García Maroto); música (o chamado “Grupo de los Ocho”); cinema (Luis Buñuel), toureiros (Ignacio Sánchez Mejías); bailaores (a Argentinita). Também a Geração de 1927 se diversificou por Madri, Granada, Sevilha, Málaga, Valladolid, Canárias, Catalunha e Galícia.
Seus membros estão próximos das vanguardas, mas sentem grande atração pelos clássicos: Cantar del Mío Cid, Berceo, Romancero, Marqués de Santillana, Jorge Manrique, Garcilaso, San Juan de la Cruz, Fray Luis de León, Cervantes, Lope de Vega, Quevedo e Góngora.
Utilizam estrofes tradicionais (romance, coplas), e clássicas (soneto, terceto). Também utilizam o verso livre e buscam o ritmo na repetição de palavras, esquemas sintáticos ou paralelismo de ideias.
Característica também comum aos poetas do 1927, ressaltada entre outros por Dámaso Alonso, é sua aproximação com Valéry. Alguns como Pedro Salinas e García Lorca (9) deixaram um registro claro, mas Guillén, além de ser um amigo próximo de Valéry, e de traduzir textos capitais para a poesia pura como “O cemitério marinho”, coincide com ele na ideia de uma simplificação que suprima do poema tudo o que não é poesia. Disse Jorge Guillén:
“O mesmo Valéry me repetia uma vez mais, certa manhã na rue de Villejuste. Poesia pura é tudo o que permanece no poema depois de se ter eliminado tudo o que não é poesia (10). Como afirma Leonel Alvarado: “O elemento que predomina é a construção formal, na qual impera o estático sobre o fluido e o temporal. Isto é, se tenta criar formas e estruturas fixas nas quais predomina a ordem e que não sejam alteradas nem sequer pelo passar do tempo”. (11)
É patente também em Cabral a influência de Paul Valéry, a quem consagra dois poemas, “A Paul Valéry” e “Debruçado sobre os cadernos de Paul Valéry”. Sua coincidência com Guillén se deve entender como produzida por duas leituras paralelas do poeta francês.
Fator comum a ambos é a admiração por sua rigorosa lucidez. Cabral vai um passo mais adiante e adota o ponto de vista do arquiteto-engenheiro ou do pintor. Entende seu trabalho como uma mescla de arquitetura (com modelo em Le Corbusier e Lincoln Pizzie), pintura (a Picasso se sucedem múltiplos modelos, quase sempre contemporâneos), e a pintura-poesia (com múltiplos exemplos e uma constante: Joaquim Cardozo).
Outro fator comum a ambos é Quevedo. Ainda que Guillén defenda sua tese de doutorado em 1925 sobre Góngora, seu verdadeiro interlocutor literário foi Quevedo, em um diálogo, ou melhor discussão, ininterrompida, que se estende desde os primeiros poemas de Cántico até os últimos poemas de senescência. A referência principal do 1927, Góngora, não figura na obra de Cabral, mas se destaca a presença de Quevedo com um poema consagrado. Quevedo, o grande interlocutor in absentia de Guillén, é precisamente o único dos autores espanhóis do barroco que merece um poema de Cabral. Na polêmica entre culteranismo, cujo expoente é Góngora, e o conceptismo, cujo expoente é Quevedo, Cabral se inclina pelo estilo breve e conciso, e pelo uso da metáfora, não com o objetivo de embelezar, como no culteranismo, mas para impressionar a inteligência.
- O medievalismo do 1927
Jorge Guillén é o expoente máximo da poesia pura da Geração de 1927; no extremo oposto, na poesia comprometida, também chamada de popularista ou neopopularista, se localizam Miguel Hernández, Rafael Alberti, García Lorca, e o chileno Pablo Neruda. Não somente os poetas professores do 1927: Guillén, Salinas, Dámaso Alonso voltam seus olhos para a Idade Média; também os poetas que dirigem sua voz ao povo buscam nos modelos tradicional e popular a inspiração e o método para abordar o homem comum. Se faz um passo do “eu” ao “nós”. “O poeta canta por todos”, diz Aleixandre.
Limitarei minha enumeração dos poetas do 1927 interessados pela literatura medieval espanhola àqueles citados por Cabral: Hernández, Alberti, Guillén, Lorca e Salinas se ocupam do Cid; Guillén, de Berceo, e quase todos do Romancero desde 1920, quando aparece o primeiro livro de Gerardo Diego Romancero de la novia.
- O poema de Mío Cid e Gonzalo de Berceo
O Cid é um personagem que de um modo ou de outro chama a atenção de todos os membros do 1927 citados por Cabral. Visitando o Monastério de São Pedro de Cardenha em Impresiones y Paisajes (1918), Lorca menciona o Cid, mas sobretudo Doña Jimena.
Guillén em o poema “Homenaje” do livro Aire Nuestro se ocupa em três diferentes ocasiões do Cid: com um poema “Al margen del poema de Mío Cid el juglar y su oyente”, o qual representa uma leitura imaginária do Poema de Mío Cid, com outro poema dedicado A doña Jimena, e conclui o livro com uma citação de Poema de Mío Cid (2, III), que lhe serve de colofão.
Hernández o menciona em Abril gongorino (poemas sueltos II, 1933-1934, e em “Llamo a la juventude” em Viento del pueblo.
Alberti lhe dedica uma série completa de seis poemas, “Como leales vassalos”, em seu livro Entre el clavel y la espada (Buenos Aires, 1941), e Salinas publicou em 1926 uma versão moderna do El Cantar de Mío Cid em versos hexadecassílabos, além de lhe consagrar dois estudos El Cantar de Mío Cid (Poema de la honra) e La vuelta al esposo (Ensayo sobre la estructura y la sensibilidad en El Cantar de Mío Cid).
Guillén é o membro da geração mais atento a Berceo, a quem dedica um estudo “Lenguaje prosaico de Berceo”, em Lenguaje y Poesía, e inicia o terceiro volume de “Cántico”, “Clamor” y “Homenaje” em Aire Nuestro com uma citação de 4 versos do poeta medieval.
2.1.1.2. O cancioneiro e o romanceiro
Já dizemos que a Geração de 27 se voltou para a literatura popular e tradicional. Em 1920 aparece o primeiro livro de Gerardo Diego, Romancero de la novia e José Maria de Cossío editava os romances gongóricos. Em 1927 aparece Canciones de Lorca e em 1928 Cántico de Jorge Guillén, ano em que também se publica o Romancero Gitano de Federico García Lorca.
Mais tarde, por ocasião da guerra civil espanhola, se produziu uma revitalização do romancero. Em novembro de 1936 apareceu em Madri, editado pelo Ministério da Instrução Pública, o primeiro Romancero de la Guerra Civil, que inclui romances de guerra de Alberti, Bergamin, Aleixandre, Prados, Altolaguirre, Garfias e Miguel Hernández. E no ano seguinte, 1937, se publicava, com um prólogo de Antonio Rodríguez Moñino, o grande biógrafo – que foi amigo de todos os poetas do 27 – o Romancero General de la Guerra de España, dedicado a Federico García Lorca, em homenagem à sua memória e como protesto contra sua morte.
2.1.2. O medievalismo de Cabral
Se a segunda referência à cultura espanhola, o “riguroso horizonte” de Guillén, dizia do método; a terceira dizia da forma, que na poética da construção anda indissoluvelmente ligada ao método. Um verso de Berceo “quiero que compongamos io e tú una prosa”, serve-lhe de epígrafe ao livro de poemas O Rio (1953), onde adota pela primeira vez a forma métrica narrativa castelhana (12). “O que esse pessoal me mostrou, e me impressionou muito, é que não vale a pena escrever para o povo sem usar a forma que ele usa. É por isso que eu utilizo a forma narrativa.” (13), e o verso tradicional espanhol (14), que cultivará sempre.
Cabral se volta para a literatura medieval espanhola, com o mesmo entusiasmo e semelhante espírito que a Geração de 1927. Se destacam o realismo, o objetivismo, o descritivismo, a narratividade e o didatismo das literaturas popular e culta, fundidas na literatura tradicional. O romancero, o “mester de clerecía” (ministro do clero), as canções de gesta oferecem a Cabral modelos para cumprir sua missão social como artista. A esta apropriação não escapa o teatro medieval. Os autos proporcionam ao brasileiro um modelo que serve a parecidos interesses que os anteriores. Poderia parecer exagerado insistir na falta de atenção da crítica para esse ponto, mas creio que toda a literatura social de Cabral, além de grande parte de seus poemas descritivos e caracterizadores do Nordeste e da Espanha, sua gente e seus costumes, procedem do método que o brasileiro, tal como a Geração de 1927, soube ver e adotar da literatura medieval espanhola. A influência espanhola não se cinge consequentemente aos poemas de temática espanhola, mas estende-se a quase totalidade de sua produção lírica e dramática a partir de O Rio (1953), com a única exceção de Uma Faca Só Lâmina ou Serventia das Ideias Fixas em que se volta a refletir sobre os arcanos de sua poética.
2.1.2.1. Cabral, Berceo e El Cid
A partir da sua descoberta de Berceo, Cabral adota a cuaderna vía, o tipo de estrofe utilizada pelo mester de clerecía; a adoção é tão evidente que o rio Capibaribe, que Cabral narra em terceira pessoa, sem métrica e sem rima em O Cão sem plumas, passa no poema seguinte, O Rio, a expressar-se em primeira pessoa, e na cuaderna via, métrica que Cabral nunca abandonará doravante.
“Você aqui reencontrará
as mesmas coisas e loisas
que me fazem escrever tanto
e de tão poucas coisas:
o pouco-verso de oito sílabas
(em linha vizinha à prosa)
que raro tem oito sílabas,
pois metrifica à sua volta;
a perdida rima toante
que apaga o verso e não soa,
que o faz andar pé no chão
pelos aceiros da prosa.”
“A Augusto de Campos”, in Agrestes, (1981-1985)
No meio está o “quiero que compongamos io e tú una prosa” de Berceo, que precede o Rio. A Berceo consagrará depois “Catecismo de Berceo” onde nos oferece uma de suas quatro lições explícitas de poesia, todas fazendo referência à cultura espanhola.
1. “Fazer com que a palavra leve
pese como a coisa que diga,
para o que isolá-la de entre
o folhudo em que se perdia.”
2. Fazer com que a palavra frouxa
ao corpo de sua coisa adira:
fundi-la em coisa, espessa, sólida,
capaz de chocar com a contígua.”
3. Não deixar que saliente fale:
sim, obrigá-la à disciplina
de proferir a fala anónima,
comum a todas de uma linha.
4. Nem deixar que a palavra flua
como rio que cresce sempre:
canalizar a agua sem fim
noutras paralelas, latente.”
Veremos outras lições similares em “A Palo Seco”, em “Alguns Toureiros”, e em “O Ferrageiro de Carmona”.
A quarta referência à cultura espanhola é ao mesmo tempo à terra, Medinaceli, e ao autor anônimo do Cantar del Mío Cid, poema original da literatura espanhola.
Medinaceli “(terra provável do autor anônimo do Cantar de Mio Cid)”, é o poema que inaugura Paisagens com Figuras (1954-1955); livro da descoberta física de uma Espanha que agora se mostra viva em suas terras – Castela e Catalunha – e também em sua gente, anônimas algumas, importantes outras, neste livro único, de descoberta e de comparação com seu Nordeste brasileiro.
“Vale do Capibaribe
por Santa Cruz, Toritama:
cena para cronicões,
para épicas castelhanas.”
“Vale do Capibaribe”
As descrições do Nordeste visto com os olhos do Capibaribe, a dinâmica dos personagens de Morte e Vida Severina, heróis coletivos expoentes da ação de sobreviver, estão impregnados de recursos formais e estilísticos forjados nas páginas de “cronicões” e “épicas castelhanas” que inspiram Cabral. A El Cantar de Mío Cid, rende-lhe homenagem no primeiro poema do primeiro livro que escreve quando visitou pela primeira vez a Espanha, e mais tarde, os poemas Claros Varones y Generaciones y Semblanzas, emprestam seus títulos das obras dos cronistas medievais Fernando de Pulgar e Fernán Pérez de Guzmán, respectivamente.
2.1.2.2. Cabral e o Romancero
A impressão que deve ter causado em Cabral o Romancero tradicional e o contemporâneo produzido pela Geração de 1927 seria enorme.
Os olhos de quem em a “Descoberta da literatura” se confessa motivado pelo “romanceiro” nordestino “cochichavam-me em segredo:/ Saiu um novo romance”, este obrigatoriamente tinha que parecer-lhe pobre:
“também nada acontece:
raro o pobre romanceiro
da cruz na estrada, mais raro
o crime não rotineiro”
“Vale do Capibaribe”
em relação com o romancero espanhol:
“e então já devorador, se ainda não do romancero,
dos romances de cordel”
“Tio e sobrinho”
Por isso, a atração do Romancero espanhol para quem descobre a literatura no romancero de além mar é tal, que mesmo em “Coisas de cabeceira: Recife”, apela ao Romancero, e não ao romanceiro, para descrever a ordem das ruas de Recife: “os sobrados, paginados em romancero” (15).
São muitos os poemas de Cabral que poderiam ser lidos como romances ou fragmentos de romances em que não faltam nem o realismo, nem o componente popular, nem os exempla, nem a forma métrica, nem tantos recursos formais emprestados ao Romancero que atravessam muitos dos poemas narrativos de Cabral de tema social, espanhol e nordestino.
2.1.2.3. Cabral e o Teatro: Autos
A forma teatral usada por Cabral antes de conhecer a literatura espanhola – Os Três Mal-Amados – estava próxima ao teatro estático de Maeterlink, talvez com um modelo mais próximo em O Marinheiro, de Fernando Pessoa.
A escolha da forma de “autos” espanhóis, que tem em Ariano Suassuna (também pernambucano, e a quem Cabral dedica um poema) outro ilustre cultor; tem em ambos, como em Anchieta, que os precedeu no Brasil, uma finalidade suasória, apostólica naquele; social nestes: em todos profundamente pedagógica e prática.
Além dos dois Autos (Morte e Vida Severina – Auto de Natal Pernambucano e Auto do Frade), em Cabral a forma dramática se insinua de mil modos. A forma dialogada é tão frequente em seus poemas que inclusive incorpora formas que remontam ao período galego-português como em “Ida e volta” de “O motorneiro de Caxangá”, in A educação pela pedra.
2.1.3. A Geração de 1927 e os toureiros
O processo de revalorização do tema taurino iniciado por Manuel Machado em 1900, com La fiesta nacional, em meio à rejeição quase generalizada da Geração de 1898, encontrou um potente eco na Geração de 1927, cujos membros, com a única exceção de Cernuda, se interessaram pelo mundo do touro até ao extremo de gerar um século de ouro da poesia taurina.
Deram os primeiros passos os visionários de ambos os bandos; do literário, Gerardo Diego, o primeiro e principal poeta taurino do 27 (16); dos toureiros, Ignacio Sánchez Mejías, toureiro e poeta (17). Como intermediário, José Maria de Cossío, fomentou tanto as relações entre ambos os grupos de artistas, que antes da metade do século já podia escrever: “O gelo do inimigo se rompeu e, entre artistas, se fala de toureiros com a mesma linguagem, a mesma paixão e quase o mesmo tecnicismo com que se fala de pintura, escultura ou de poesia.
Outros se interessaram pela tourada tanto no gênero ensaio, Bergamin La música callada del toreo, como no da crônica, Pedro Garfias ou Pepe Alameda com seu famoso “Disposición a la muerte” onde escreveu o conhecido slogan tantas vezes repetido “El toreo no es graciosa huída sino apasionada entrega.”
A rivalidade de Gallito com Juan Belmonte que acabou tragicamente em 1920 com a morte do primeiro em Talavera, atraiu ainda mais a uma geração e a uma sociedade que estavam vivendo e criando a idade de ouro da tourada e da poesia taurina.
Tiveram três acontecimentos trágicos que alimentaram o fluxo poético deste gênero: a morte de Gallito (1920), a de Ignacio Sánchez Mejías (1934), e a de Manolete (1947). Acontecem sucessivamente de modo que ainda não se haviam apagado os ecos de um incidente quando o novo vem se vincular ao anterior. No caso do Gallito e Sánchez Mejías, ambos mortos em el coso, é paradigmático pois ambos eram cunhados e Sánchez Mejías matou o touro que matou Gallito. Num volume sobre este tema, Cossío escreve em 1920 a primeira elegia a um toureiro morto na arena (18).
Dos 12 poetas em espanhol diretamente mencionados nos poemas de Cabral, 6 dentre eles são taurófilos: Guillén, D’Ors, Hernández, Alberti, Salinas, García Lorca, e a eles limitarei minha atenção, ainda que nem todos se interessaram da mesma maneira. De D’Ors, o único que não pertence ao grupo de 1927, só conheço um poema intitulado “Soneto”, e de Salinas outro, “A las cinco”.
Miguel Hernández, amigo e colaborador de Cossío desde 1935, em sua grande obra mestre Los Toros. Tratado técnico e histórico (1943 e segs.), se interessou cedo e continuamente pela poesia taurina desde 1933, quando publicou Perito en Lunas, que contém os poemas “Toro” e “Torero”. Cossío não reuniu em sua importante antologia Los toros en la poesía, publicada em Buenos Aires em 1944, nenhum dos poemas de Hernández, cujo número e qualidade, reconhecida pelo próprio Cossío, foram crescendo até sua morte (19). Em contrapartida, Cossío pediu expressamente a Guillén em 1927 um poema taurino para sua antologia de 1931. “Ardor”, chegou tarde, mas se publicou nesse mesmo ano: posteriormente escreveu um punhado de poemas breves dedicados às corridas.
Alberti e García Lorca tiveram melhor sorte pois ao primeiro o inclui Cossío no Los toros en la poesía castellana, publicado em 1931, e que obteve o prêmio da RAE, ainda que o esquecerá rapidamente em Los toros en la poesía de 1944. García Lorca aparece em ambas. Alberti é o mais prolífico. Já em seu primeiro livro de poemas El alba del Alheí, (1928) aparecem toureiro e touro como protagonistas; outra contribuição precoce é “Novillada Celeste”, mas o auge de sua obra de tema taurino é Verte y no verte. García Lorca, taurino precoce com sua Mariana Pineda. Romance Popular en Tres Estampas (1925) marcou o imaginário universal do gênero com seu “Llanto por la muerte de Ignacio Sánchez Mejías” (1935), elegia homenagem ao toureiro que tanto apoiou aos membros da Geração de 1927.
2.1.4. Cabral e os toureiros
A quinta referência que faz Cabral à cultura espanhola são os toureiros e a arte da tourada. Da importância desta temática taurina na lírica de Cabral testemunham uma série de surpreendentes paralelismos entre escritores e toureiros, os quais nos ajudarão a compreender até que extremo é importante para Cabral a cultura visual e a cultural visual espanhola.
Assim, o número de toureiros, 12, mencionados por seus nomes dentro dos poemas: Manolo González, Pepe Luis, Julio Aparicio, Parrita, Miguel Báez Litri, Antonio Ordóñez, Manuel Rodríguez Manolete, Gallito, Juan Belmonte, Cagancho, Lagartijo e Guerrita, é igual ao de poetas em língua espanhola também mencionados por seus nomes dentro dos poemas: Guillén, Berceo, autor anônimo do Cantar de Mío Cid, Joan Brossa, Eugenio D’Ors, Miguel Hernández, Quevedo, Alberti, Neruda, Joaquim Romero Murube, Pedro Salinas e García Lorca, embora Cabral mencione indiretamente mais 8 poetas (20).
Também é igual o número de poetas e toureiros com poemas inteiramente consagrados a sua pessoa; cinco a poetas (“Fábula de Joan Brossa”; “Encontro com um Poeta”, a Miguel Hernández; “Catecismo de Berceo”, Quevedo; “Fábula de Rafael Alberti”). E outros cinco inteiramente consagrados a toureiros “A morte de ‘Gallito “; “Juan Belmonte”; “Manolo González”; “Miguel Baez, Litri”; “Lembrando Manolete”.
Dos 12 toureiros diretamente mencionados dentro dos poemas, cinco (+Miguel Báez Litri, +Manuel Rodríguez Manolete, +Gallito, +”Lagartijo“, +”Guerrita”) morreram na época de Cabral. Igualmente ocorre com cinco dos 12 escritores diretamente mencionados dentro dos poemas (+Berceo, +autor anônimo do Cantar de Mío Cid, +Míguel Hernández, +Quevedo, + García Lorca).
Há, todavia, um quarto e último paralelismo: dos cinco escritores com poemas consagrados a sua pessoa, três (Miguel Hernández, Berceo e Quevedo) já estavam mortos e em estado de mitificação. Dos cinco toureiros com poemas consagrados a sua pessoa, três (Gallito, Litri e Manolete) estavam numa situação idêntica (21).
A equivalência poetas/toureiros mostra o culto à imagem praticado por Cabral, não somente a imagem viva. Como a literatura, a tourada tem sua história, suas lendas e seus mitos e o poeta também os revisita.
Na Espanha vivida, a partir de Paisagens Com Figuras, os toureiros irrompem desde o primeiro instante com ímpeto taurino.
“Alguns Toureiros” nos apresenta de repente a sete toureiros, Manolo González, “de Sevilha”; Pepe Luís, “de Sevilha”; Julio Aparicio, “de Madri”; Parrita, “de Madri”; +Miguel Báez, o Litri, “dos confins da Andaluzia”, com quatro versos; Antonio Ordóñez, com quatro versos; Manuel Rodríguez, o Manolete, com 28 versos.
“Alguns Toureiros” é um importantíssimo poema de 11 estrofes de quatro versos. De uma perspectiva meramente formal chama a atenção o emprego anafórico do verbo ver. Todos os períodos são introduzidos por “Eu vi”, “vi”, “Mas eu vi”, “Sim, eu vi” (22). Também se repete a palavra-chave, uma das “vinte palavras”, “flor” em variantes distintas: “graciosa, porém precisa”, “espontânea, porém estrita”, “angustiosa de explosiva”, “flor antiga”, que atribui à arte destes toureiros.
Aos seis primeiros toureiros os menciona nas quatro primeiras estrofes. Ao sétimo, a Manolete, lhe consagra sete estrofes e uns atributos que já faziam parte do patrimônio léxico-chave que Cabral vinha cultivando:
“Mas eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,”
A tourada de Manolete dedica nada menos que 40 versos 28 versos em “Alguns Toureiros”, mais12 versos em “Lembrando Manolete”) e com sua arte à maneira de Berceo, ilustra o exemplum de sua poética. Vejamos outra lição:
“sim, eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demostrar aos poetas:
como domar a explosão
com mão serena e contida,
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida,
e como, então trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor,
sem poetizar seu poema”
O fato de Cabral ver Manolete tourear (talvez em Barcelona no 6 de julho de 1947 na sua última corrida nesta cidade, na qual cortou duas orelhas), nos dá uma ideia do interesse do poeta pelo motivo taurino, pois Manolete morreu no 29 de agosto de 1947, mesmo ano em que Cabral chegou em Barcelona. É provável que a precocidade do interesse de Cabral pelos touros tenha sua origem na leitura da antologia Los toros en la poesía que Cossío havia publicado em Buenos Aires em 1944. O certo é que como vimos anteriormente, Cabral estabelece uma série de paralelismos perfeitos entre a literatura e a tauromaquia, dos quais eu lembrarei agora somente dois: equipara o número de toureiros, mencionados pelo seus nomes dentro dos poemas, com o de poetas: 12; equipara o número de poetas e toureiros com poemas inteiramente consagrados a sua pessoa: cinco.
Por ordem de versos dedicados, destaca-se Manolete com 40 versos, seguido de Juan Belmonte, 24 versos, e de Gallito, 20 versos. Sem sombra de dúvida, estes três toureiros foram quem atraíram preferencialmente e por essa ordem, a atenção dos taurófilos na primeira metade do século XX.
Se contemplarmos o panorama da poesia taurina da Geração de 1927, veremos que a gradação que estabelecem coincide plenamente com a de Cabral. Também é relevante o fato de que nosso poeta não se limitará a escrever sobre os toureiros vivos, pois participou também, a sua maneira, no processo de recriação da mitologia taurina, ao que também se dedicaram os poetas de 27.
Manolete é considerado por muitos a grande figura mítica da tourada espanhola. Sua figura despertou o interesse de cineastas, ensaístas, biógrafos e colunistas, e sua corrida e morte em Linares no 28 de agosto de 1947 teve maior repercussão na poesia taurina que a de qualquer outro toureiro. Cabral consagrou-lhe quase o dobro de versos que a seu imediato seguidor.
Juan Belmonte, consagrado ao chamado “El Pasmo de Triana”, poema de 24 versos, é o segundo por ordem de quantidade de versos dedicados. Nenhum toureiro teve nem antes nem depois tanto apoio entre intelectuais do mais alto nível. Belmonte se relacionou com grandes nomes da cultura, tanto da Geração de 1898 como da Geração de 1927. Gerardo Diego, consagrou-lhe a “Oda a Belmonte”, que foi lida por seu autor em cena, a qual assistia aos mais altos escalões da cultura e da política de sua época, e, logo após sua morte, a “Oración por Juan Belmonte”.
Até agora os toureiros mencionados haviam sido fontes de imagens vivas para Cabral e para o grupo espanhol tão obcecado pela imagem como o próprio Cabral; mas o romance de 20 versos dedicado a “A morte de ‘Gallito’” inaugura um subgênero dentro da poesia taurina do brasileiro. Não se trata agora de contar experiências vividas, senão de romancear uma história, a da morte de um toureiro precisamente causada por uma disfunção visual: o touro que o matou enxergava mal, e por causa de sua visão defeituosa não viu a capa que o toureiro o oferecia, e o bateu. José Gómez Ortega, chamado Joselito, e mais tarde também Gallito, morreu no 16 de maio de 1920 na arena de touros de Talavera de la Reina, e é o terceiro por ordem de quantidade de versos dedicados. “A morte de “Gallito’” poderia ser um fragmento de um romance medieval, mais inspirado na poética de Berceo ou do Cantar, que revelador das intenções poéticas patentes nos poemas anteriores (23).
Comentei, para não me estender em um tema tão especificamente espanhol, tão somente os três toureiros que receberam maior atenção do poeta, ainda que cada um dos outros nove antes mencionados bem mereceriam um comentário demorado, como, por exemplo, Antonio Ordoñez, a quem Cabral dedica quatro versos, e que foi amigo e fonte de inspiração de Hemingway.
O deslumbramento de Cabral pelo tema taurino nos legou um conjunto de poemas que compete perfeitamente com a nata da poesia taurina espanhola, tanto por sua extensão como por sua qualidade. Podemos afirmar que o brasileiro representa um marco importante no século de ouro de um gênero tão espanhol e tão do 1927, merecendo ocupar um lugar destacado nas futuras antologias de poesia taurina.
2.1.5. A Geração de 27 e o Flamenco
Já vimos que nos poemas juvenis dos membros da Geração de 1927 ficava patente sua admiração pela lírica espanhola de tipo popular; muitos destes poetas se interessaram também pelo folclore (as músicas andaluzas, o cante jondo…). A valorização do flamenco que se produziu tem a ver com o emergente sentimento nacionalista da música da época. Se buscava na música o espírito anônimo do povo. Os compositores se lançaram em busca de músicas étnicas. O flamenco chamou a atenção de músicos nacionais e estrangeiros.
Em 1921 Lorca começou a escrever Poema del cante jondo, que se publicou 10 anos depois. No 19 de fevereiro de 1922 deu uma conferência sobre “El cante jondo. Primitivo canto andaluz” (O canto profundo. Primitivo canto andaluz) no Centro Artístico de Granada, e organizou junto a Manuel de Falla o primeiro festival de cante jondo em Alhambra.
Lorca explica o que o canto profundo tem de profundo:
“Vejam vocês, senhores, a transcendência que tem o “cante jondo”, e que grande sucesso o que teve o nosso povo ao chamá-lo assim. É profundo, verdadeiramente profundo, mais que todos os poços e todos os mares que cercam o mundo, muito mais profundo que o coração contemporâneo que o cria e a voz que o canta, porque é quase infinito. Vem das raças ciganas, atravessando o cemitério dos anos e as folhas dos ventos secos. Vem do primeiro pranto e do primeiro beijo.”
As jornadas do Primeiro Concurso de Cante Jondo, que se celebraram em Granada em 1922, foram organizadas com o propósito de recuperar as raízes do canto popular andaluz. Era a primeira vez que os intelectuais de 1927 se situavam do lado do flamenco. Lorca assume a responsabilidade de resgatar o “primitivo canto andaluz” das profundezas do descrédito, e começa a reviver uma arte “primitiva andaluza”, que até então tinha sido marginalizada. Nesses ditos encontros se destacou a presença do jovem Manolo Caracol, a quem Cabral muito depois consagraria no poema Manolo Caracol.
Os poetas da Geração de 1927, especialmente Federico García Lorca, Alberti, Cernuda, Emilio Prados e Manuel Altolaguirre, seguindo os Machados que continuaram a linha de seu pai, o folclorista Demófilo, buscam as canções populares anônimas para incorporá-las na sua poesia por sua simplicidade, autenticidade e essencialidade. Letra e música do povo, voz popular, cuja pureza elevaram aos ápices o melhor da poesia do século XX. O mesmo se pode afirmar com respeito à música de Granados, Albéniz ou Manuel de Falla, os quais elevam as melodias populares aos mais altos cumes da música.
2.1.6. Cabral e o Flamenco
2.1.6.1. Cabral e Cante Flamenco
A sexta referência de Cabral à cultura espanhola é a canção flamenca. “Diálogo” é o primeiro poema dedicado à essa canção, ainda que não seja, entretanto, o flamenco ouvido em Andaluzia.
O verdadeiramente surpreendente para quem conhece o desinteresse de Cabral pela música, é sua atração pela música andaluza, pelo flamenco, pelo cante jondo, e também pela dança a ele associada (24).
“Na despedida de Sevilha”, Cabral se ufana de conhecer a fundo os touros, e de distinguir as canções flamencas.
“Sei que sabe de tudo, até
dos estilos de matar touros;
do flamenco e sua goela extrema,
de sua alma esfolada, sem couro.
Sei que bem sabe distinguir
soleá de uma siguiriya.”
O canto de Andaluzia apresenta desde “Diálogo” os mesmos atributos, palavras-chaves, de que Cabral se vale para descrever a arte de Manolete:
“deserto”, “agudo”, “mineral”, “desperto”, qualificavam a figura de Manolete.
“deserto”, “agudo”, “espada”, “desperta” qualificavam também a canção flamenca.
“O canto da Andaluzia
é agudo como seta”
[…]
“É um canto em que se sente
o que uma espada no frio”
“Mas é espada que não corta
e que somente se afia,
que deserta se incendeia”
[…]
“Até o dia em que essa lâmina
abandone seu deserto”
[…]
“Até o dia em que essa lâmina,
essa agudeza desperta”
O seguinte poema consagrado ao cante “A palo seco” é dedicado a Rafael Santos Torroella, pintor e escritor, cuja dupla vocação, como em tantos casos semelhantes, atraiu sem dúvida o interesse de Cabral.
O cante, agora é um canto específico, ouvido já na Andaluzia; é o mais desnudo dos cantos, que também compartilha com “Alguns Toureiros” e “Diálogo” as palavras-chave “deserto”, “agudo”, “mineral”, citadas anteriormente.
Contém também, como “Alguns Toureiros”, “Catecismo de Berceo”, “O Ferrageiro de Carmona”, um exemplo do qual se retirar uma lição. Vejamos a lição:
“Eis uns poucos exemplos
de ser a palo seco,
dos quais se retirar
higiene ou conselho:
não o de aceitar o seco
por resignadamente,
mas de empregar o seco
porque é mais contundente.”
Cabral consagrou ao cante um total de seis poemas, que são, além dos dois já citados, “El Cante Hondo”, “Ainda el Cante Flamenco”, “Habitar o Flamenco”, “Intimidade do Flamenco”.
Também cinco cantores e uma bailaora merecem ver seus nomes consagrados em títulos de poemas; os cantores são “De Bernarda a Fernanda de Utrera”; “A Antonio Mairena, Cantador de Flamenco”; “Manolo Caracol”; “Niña de los Peines” e a bailarina é “Carmen Amaya, de Triana”, ainda que figurem na sua obra outro cantores e bailarinas anônimos.
2.1.6.2. Cabral e a Dança Flamenca
A sétima referência, sempre por ordem cronológica, que Cabral faz à cultura espanhola é a dança. Quaderna (1956-1959), dedicado a Murilo Mendes, seu grande correspondente em assuntos espanhóis, é o primeiro livro que dá conta da presença física de Cabral na Andaluzia, como evidencia o seu poema “Sevilha”.
O primeiro poema, com o qual começa o livro, “Estudos para uma bailadora andaluza”, é composto de seis grupos de oito estrofes de quatro versos, e nos transporta de novo, em primeiro lugar, ao âmbito visual.
Em cada grupo o poeta contempla a bailarina de uma perspectiva distinta: “fogo”, “égua-cavaleira”, “linguagem em código”, “terra”, “livro-estátua”, “espiga”. Entramos em pleno desenvolvimento deste procedimento poético tão usado por Cabral, ainda que nunca com tanta maestria como neste poema. Tem a mesma estrutura formal de “De um Avião”, de onde contempla de um avião Pernambuco e Recife a partir de perspectivas distintas.
Tenta também uma série de associações encadeadas ao longo dos seis corpos da seguinte forma:
1o seguiriyas=fogo. 2o cavaleira=égua. 3o taconeo=língua morse telegráfica. 4o árvore=terra. 5o duas estátuas. 6o vestida/despida.
Provavelmente os poemas sobre a dança sejam a melhor concretização do perspectivismo múltiplo que vinha anunciando-se desde O cão sem plumas. A este respeito, Reckert afirma: “O denominador comum a todos os paradoxos e movimentos oscilatórios de João Cabral – métricos e sintáticos bem como semânticos – é que representam perspectivas alternativas, mas igualmente válidas, sobre o mesmo fenômeno” (25).
Embora sejam numerosos os poemas dedicados à dança, são menos que os dedicados ao cante, o que contrasta com a habitual preferência pelo visual de nosso poeta. Ademais, as bailaoras de Cabral, com a única exceção de Carmen Amaya, de Triana, são anônimas e isso contrasta também com a abundante lista de cantores.
2.1.7. Sevilha na Geração de 27
Rogelio Reyes Cano, em seu livro Sevilla en la Generación del 27, publicado em Sevilha em 1997, apresenta uma antologia de oito poetas do 27 (Salinas, Guillén, G. Diego, Lorca, Aleixandre, Dámaso Alonso, Cernuda e Alberti), que escrevem textos relacionados com a cidade. No capítulo intitulado “Sevilla para herir… La imagen de la ciudad en los poetas del 27” (“Sevilha para ferir… “A imagem da cidade nos poetas de 27”), afirma:
“As conexões biográficas entre Sevilha e os grandes poetas do 1927 propiciaram também, além do ato fundador do Ateneo e das amizades pessoais que então nasceram, uma relação de caráter estético, quer dizer, uma familiaridade com a cidade que pouco a pouco se foi concretizando em textos literários. Sevilha se converterá muito rapidamente em motivo poético, incorporando-se assim ao novo dizer literário de quem aspirava a distanciar-se por igual tanto do modo filosófico, ganivetiano e noventa oitista, de refletir o “espírito” das cidades, como do folclorismo neorromântico, a que tanto se prestava um lugar como Sevilha”.
E mais adiante:
A ideia do folclore dos escritores de 1927 pouco tinha a ver, por outro lado, com os velhos clichés do século XIX. Para eles a canção flamenca ou o fenômeno taurino – para citar dois temas recorrentes em seus escritos “sevilhanos” supunham uma referência cultural de primeira ordem, mas não no sentido romântico de um popularismo anônimo e difuso, mas sim no mais cabal e moderno de criação pessoal e diferenciada.
2.1.8. Sevilha em Cabral
Seguindo a ordem cronológica na qual baseamos nossa exposição, Sevilha figura no último lugar entre todos os temas espanhóis da poesia de Cabral. Aparece em último lugar no poema “Sevilha”, mas se converterá no seu tema predileto. O propósito nuclear do poeta, expressado em “Autocrítica”: “em verso dar a ver Sertão e Sevilha” responde a um “desafio demente” provocado pela feminilidade e a vitalidade andaluzas:
“Só duas coisas conseguiram!
(des)feri-lo até a poesia:
o Pernambuco de onde veio
e o aonde foi, a Andaluzia.
Um, o vacinou do falar rico
e deu-lhe a outra, fêmea e viva,
desafio demente: em verso
dar a ver Sertão e Sevilha.”
“Autocrítica”
Os dois livros, Sevilha Andando e Andando Sevilha, e abundantes poemas dedicados por Cabral direta ou indiretamente a Sevilha, merecem um estudo à parte, pois foi enorme sua atração pelo espaço que configura a cidade. Sevilha é para o poeta antes uma cidade tátil, no sentido de habitada, do que visual.
Cabral, por causa de seu horror da morte, tantas vezes presente em sua poesia, trata de alterar os mecanismos de sua consciência, para esquivar essa presença onipresente.
O tempo em geral, e em particular o tempo e o espaço nordestinos são de morte. Momentos e lugares onde se percebe o tempo-morte de maneira cotidiana.
“Do alpendre, o tempo pode ser
sentido com os cinco sentidos
que ali depressa se acostumam
a tê-lo ao lado, como um bicho.”
“O alpendre no canavial”
A primeira saída que encontra o poeta é de diluir o tempo saturando-o de estímulos
“Portanto: para não matá-lo, matá-lo;
matar o tempo, enchendo-o de coisas;
em vez do deserto, ir viver nas ruas
onde o enchem e o matam as pessoas;
pois como o tempo ocorre transparente
e só ganha corpo e cor com seu miolo
(o que não passou do que lhe passou),
para habitá-lo: só no passado, morto.”
“Habitar o tempo”
No extremo oposto ao Nordeste, onde a percepção do tempo era captada pelos cinco sentidos e a morte se fazia onipresente, Cabral encontra na “Calle Sierpes” de Sevilha, o espaço privilegiado onde o tempo “não é sentido”:
“Seja o que for, o tempo
aqui não é sentido:
nem há como captá-lo,
múltiplo que é e tão rico,
Dá-se a tantos sentidos
que nenhum o apanha,
na vária Calle Sierpes
de Sevilha da Espanha.”
“Num bar da Calle Sierpes, Sevilha”
Mas a mais bem sucedida fuga que realiza o poeta é renunciar à sua confrontação com o tempo, instalando-se em um espaço sexuado. Mudar de espaço, entrar num âmbito sexual, habitá-lo de modo que o tempo já não seja sentido e possa exorcizar a presença da morte.
“Nada há contra o tempo.
O homem tudo o que pode
é fechar-se ao espaço
redondo que o envolve;
jogar fora o espaço,
o fora, ele sim pode.’
“Anúncio para cosmético”
A via sexual, na qual o eu se confunde com o outro eu, vinha sendo explorada pelo poeta desde “Escritos Com o Corpo”. Esse âmbito habitável, feminino, vai sofrer uma série de deslocamentos no processo de sublimação, Reckert, na página citada acima, afirma:
“A busca pelo poeta da sua própria identidade íntima mostra-se, assim, inseparável da busca do Outro – mas de um Outro igualmente visto de dentro: do centro dele, ou dela, ou de si próprio. O alvo dessa busca é na verdade a posse: uma posse fundamentalmente cognitiva, porém, efetuada de dentro do objeto possuído. Não faz diferença que se trate de uma pedra ou de um poema, de uma mulher ou de toda uma comunidade, como os retirantes na sua atribulada travessia de Pernambuco, em fuga das terras ressequidas do Sertão, o caminho do Recife: captar a essência do Outro significa necessariamente entrar nele. Pouco admira, pois, que Cabral costume apresentar o ato cognitivo em termos sexuais, como um ato de penetração num centro vivo, escondido e persistentemente procurado, que mesmo quando alcançado continua, por natureza, para sempre esquivo e ambíguo. Os poemas são o modo de um poeta saber; e, como disse Robert Frost, «the figure a poem makes is the same as for love». Na poesia de João Cabral, como na Ilha de Vénus de Camões, eros e gnosis são uma e a mesma coisa.”
Já antes de falar de Sevilha, identifica sexualmente Mulher=Casa:
“Seduz pelo que é de dentro,
Ou será, quando se abra;
Pelo que pode ser dentro
De suas paredes fechadas;”
“A mulher e a casa”
Poucos poemas mais a frente, no primeiro poema dedicado à Sevilha, se produz a seguinte evolução: a identificação sexual Mulher=Casa=Sevilha, como espaço onde não existe o tempo, e nem, é claro, a morte.
“O sevilhano usa Sevilha
com intimidade,
como se só fosse a casa
que ele habitasse.
Com intimidade ele usa
ruas e praças;
com intimidade de quarto
mais que de casa.
Com intimidade de roupa
mais que de quarto;
com intimidade de camisa
mais que casaco.
E mais que intimidade,
até com amor,
como um corpo que se usa
pelo interior.”
“Sevilha”
Esta ideia se reforça em um poema referido a Sevilha, significativamente intitulado “Mulher Cidade”:
” é onde o homem
nunca saberá
se vive a cidade
ou a mulher melhor
sua mulheridade.”
E em “A Urbanização do Regaço” e “O Regaço Urbanizado”, poemas de 24 versos distribuídos 12+12 no primeiro e 16+8 no segundo. Os versos são idênticos e se distribuem de modo diferente pelo texto. Os cinco últimos versos do último destes poemas referidos a “Os bairros mais antigos de Sevilha” concluem que:
“Eles têm o aconchego que a um corpo
dá estar noutro interno ou aninhado,
para quem quer, quando fora de casa,
seus dentros e resguardos de quarto.”
“O regaço urbanizado”
A feminilidade de Sevilha é uma feminilidade exaltada; mais exaltada ainda que a de Andaluzia que “nem cessa de parir nem a ninfomania”, “terra incasta”, “terra sem menopausa”, que “nunca enviúva” in “Na baixa Andaluzia”.
Todos estes atributos de exaltação, os reúne em grau extremo na cidade de Sevilla “(Sevilha os herdou todos e ao extremo;/A menos macha, e tendo pedra e cimento)” in “Na baixa Andaluzia”.
O poeta entra de cabeça na possessão da cidade: “Tenho Sevilha em minha casa”, disse em “Sevilha em Casa”; “Tenho Sevilha em minha cama”, em “Lições de Sevilha”, e descreve pormenorizadamente seu objeto de desejo, em forma de poéticos postais (26), às vezes por meio de quadros de costumes, outras, crônicas do cotidiano (27), testemunhos, em suma, de uma relação que o poeta retoma em “Na despedida de Sevilha”.
Posto na boca de um terceiro, para acentuar sua veracidade, Cabral confessa sua relação sexual com a cidade:
“To lo bueno le venga a U’ted.”
Não viveu cá como um qualquer.
Conheceu Sevilha como a Bíblia
fala de conhecer mulher.
Sei tudo dessas relações
de corpo, que não o deixarão
ir de Sevilha a outra cidade
como alguém que se lava as mãos.
Em seu primeiro verso, no outro extremo do Atlântico e de sua trajetória, Cabral nos anunciava sua capacidade de olhar com telescópios. Em seus últimos livros acaba seu périplo poético contemplando Sevilha com microscópios e auscultando-a com estetoscópios à maneira de Jean Dubuffet (28). Seu objetivo dá título ao poema “Sevilhizar o mundo”, e com seu último poema “Sevilha Progresso”, concluiu seu projeto para Sevilha e para um Mundo futuramente “sevilhizado”.
2.2. Cabral na Geração de 1927
Acredito que esta breve exposição contribua para se apreciar melhor as relações que Cabral estabelece com os membros da Geração de 1927, com seu horizonte cultural e com Sevilha, espaço físico por excelência desta Geração. Cabral se impregna do espírito de 27 e adota as formas e os temas que interessam a esse grupo. Sem comprometer o fato de que escreve em português, pois Salvador Dalí (29) e Óscar Domínguez (30) escreveram também em francês, e em inglês Felipe Alfaia (31); o poeta brasileiro faz parte, junto com Picabia, Huidobro, Borges e Neruda, de uma constelação literária de autores europeus e americanos que gira na órbita da Geração de 1927 e pode ser considerado, sem dificuldade, um de seus seguidores.
Híbrida de culturas, para ser compreendida, sua obra exige ser contemplada também dos dois lados do Atlântico.
*Nicolás Extremera Tapia
Professor Catedrático da Universidade de Granada
Departamento de Filologías Románica, Italiana, Gallego-Portuguesa-Catalana
***
Notas
(1) “Uma paisagem mais serena,
mais estruturada, se avista:
todas, de um avião,
são de mapa ou cubistas,”
“De um avião”.
(2) “aquela luz Velásquez [sic]” em “A luz em Joaquim Cardozo”.
(3) “O Museu de Belas-Artes”.
(4) “A Joaquim Cardozo”, “Cenas da Vida de Joaquim Cardozo”, “Na morte de Joaquim Cardozo”, “Do verso Cardozo e liso”, “Prosas da Maré na Jaqueira”, “Joaquim Cardozo na Europa”, “A luz em Joaquim Cardozo”, “Pergunta a Joaquim Cardozo”.
(5) É o primeiro verso do poema “El horizonte” de Jorge Guillén, que pertence à primeira edição de Cántico, Desde 1936, figura na seção 2a, “Las horas situadas”.
(6) Traçada “com régua e com esquadro” dirá de sua poesia anos mais tarde em “Dois Castelhanos em Sevilha”.
(7) Menciona-o também em “A Literatura Como Turismo”.
(8) “E as vinte palavras recolhidas
nas águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.”
“A lição de poesia”.
(9) Pedro Salinas, “Lamparilla a Paul Valéry” e Federico García Lorca em “La imagen poética de Luis de Góngora”.
(10) Carta de Guillén a Fernando Vela, secretário da Revista de Occidente, em carta que lhe enviou em 1926, Sobre la poesía pura.
(11) Leonel Alvarado. De Mallarmé a Jiménez: los dados de Dios en el jardín de la pureza, Massey University.
(12) “a gentileza da métrica castelhana consiste em que de tal maneira seja métrica que parece prosa” afirma Juan de Valdés em seu Diálogo de la lengua, escrito em 1535, ainda que publicado em 1736, sem determinar sua autoria.
(13) “Entrevista a José Carlos de Vasconcelos”, Diário de Lisboa, Suplemento Semanal (Vida Literária e Artística, Lisboa, 16 jun. 1966.
(14) A forma métrica narrativa medieval é o alexandrino estrofe pareada que se quebra em quatro versos de rima par. A objetividade e a narratividade da poesia medieval espanhola se expressam desta forma, que Cabral se apropria sem reparo. O número quatro, já desde O Rio vai se tornando preponderante nos esquemas organizacionais e formais do poeta, mostrando-se estruturalmente interminável nos poemas, e isoladamente em alguns versos “o combogó, cristal do número quatro” em “Coisas de cabeceira, Recife”; de poemas “O número quatro” e incluso nos títulos dos livros
(15) “Eu me interessei pela literatura de cordel desde menino. Mas não creio que ela tenha maior influência na minha poesia. Para comprovar isso, comparem-se as estruturas estróficas complicadas da literatura de cordel com os versos pareados do romancero e da poesia primitiva da Espanha. Estes, principalmente a poesia primitiva, me marcaram muito mais do que os folhetos dos poetas populares do Nordeste.” (“Entrevista ao poeta J.P. Moreira da Fonseca”, Ventura, Rio de Janeiro, Spala, 1987).
(16) Gerardo Diego foi o precursor de seus companheiros de geração. Escreveu “Torrerillo en Triana” em 1926, e nesse mesmo ano, a “Elegía a Joselito”. Seu livro maior de poesia taurina é La suerte o la muerte, que reúne poemas escritos entre 1926 e 1963. De menor interesse é El Cordobés dilucidado y otros poemas. Em 1972, deu uma conferência sobre “La estética del toreo” (“A estética da tourada”), no Ateneu de Madri, em um ato presidido por José María de Cossío, quem também colaborou ativamente na homenagem a Góngora em 1927 no Ateneu de Sevilha, ainda que não pode assisti-la, foi amigo de toureiros e escritores e um dos responsáveis da amizade entre estes e aqueles.
(17) Ignacio Sánchez Mejías (Sevilha, 6 de junho de 1891 – +Madri, 13 de agosto de 1934) é o toureiro mais associado com a Geração de 27. Era cunhado de Gallito e alternava a tourada com a literatura. Graças à Argentinita, com quem teve uma relação estreita, conheceu Guillén, Salinas, Alberti, Alonso, Gerardo Diego, Bergamín, etc. e sobretudo Lorca com quem manteve uma amizade estreita. Diz-se que custeou os gastos da reunião no Ateneu que deu origem à chamada Geração de 27. Lançou obras como o drama Sinrazón, representada por María Guerrero, a autobiográfica Taya, a farsa Ni más ni menos ou o musical, a seu grande amor, Las Calles de Cádiz, entre outras. Cultivou muitas paixões: piloto de carros, ator de cinema, jogador de polo, conferencista na Universidade de Columbia em Nova Iorque, Presidente da Cruz Vermelha e do Real Betís Balompié etc. Em 1934 voltou às touradas. O matou o touro Granadino, “manso, de galhadas estreitas, e papudo”. Sua morte trágica teve imensa repercussão na poesia taurina. Três dos poetas mencionados por Cabral o dedicam poemas. Rafael Alberti: “Verte y no verte”; Miguel Hernández: “Citación final” e o já mencionado “Llanto por Ignacio Sánchez Mejías” de Federico García Lorca.
(18) “A Ignacio Sánchez Mejías, torero insigne, con motivo de la muerte de Joselito El Gallo”.
(19) “Corrida Real”, “Elegía media del toro”, “Citación fatal”, “Carteles”, “¡Qué a pulso os sube el toro, picadores!”, “Toro”, “Llamo al toro de España”. Sua fantasia o levou a escrever a obra de teatro intitulada El torero más valiente, que permaneceu parcialmente inédita até 1986.
(20) São: Fernando de Pulgar, de quem empresta o título de seu poema “Claros varones”; Fernán Pérez de Guzmán, de quem empresta o título de seu poema “Generaciones y Semblanzas”; Cervantes, com cujo “Em certo lugar da Mancha” começa “Encontro com um Poeta”, menciona também sua novela Rinconete y Cortadillo em “O Arenal de Sevilha”; Manuel e Antonio Machado, de quem menciona o personagem Juan de Manara que dá o título à obra de teatro, estreada em 1927, em “Hospital de la Caridad”. O tema de Don Juan interessou à Geração de 98. Da mesma época que o Don Juan dos Machado, são Las galas do defunto, de Ramón del Valle-Inclán (1926) e El hermano Juan o el mundo es teatro, de Miguel de Unamuno (1929). Acreditamos que a alusão de Cabral a este personagem se faça através da leitura dos Machado, sevilhanos, por quem sempre teve uma expressa deferência.
Além disso, dedica poemas a Rafael Santos Torroella, “A Palo Seco“; a Gabino Alejandro Carriedo, “Rios sem discurso”, e a Ángel Crespo, “Para a Feira do Livro”.
(21) Nestes paralelismos entre escritores e toureiros que temos observado, se destaca o equilíbrio entre a tradição e a modernidade. Dos 12 escritores e 12 toureiros mencionados, a balança se desequilibra para o lado da modernidade: 7 escritores estavam vivos e cinco mortos; sete toureiros estavam vivos e cinco mortos. Sem dúvida, quando se trata de mistificá-los consagrando-lhes poemas, a balança se desequilibra para o lado da tradição: três dos cinco escritores e três dos cinco toureiros estavam já mortos quando Cabral os mencionou em sua poesia.
(22) Apesar de sua afirmação “Eu vi”, Cabral só pôde ver no cinema ao “Litri, dos confins da Andaluzía”, pois este morreu antes de sua chegada em Espanha.
(23) Considerado por muitos o toureiro mais completo da história, manteve uma rivalidade legendária com Juan Belmonte. Na tarde do 16 de maio de 1926 teve um corpo a corpo com seu cunhado Ignacio Sánchez Mejías. O quinto touro, Bailaor, de visão reduzida (só via de través), o investiu, dando-lhe uma chifrada no ventre que produziu sua morte. Esse touro o matou Ignacio Sánchez Mejías. Sua morte trágica produziu um aluvião de poemas de caráter popular uns, cultos outros. Destacam-se por sua beleza a “Elegia a Joselito”, de Gerardo Diego, e “Joselito en su gloria”, de Rafael Alberti. A fotografia anônima de Ignacio contorcido de dor, sustentando com uma mão aberta o rosto, enquanto com a outra acaricia a cabeça de Joselito jacente, tranquilo em sua glória, é talvez a mais emocionante da história da Tauromaquia.
(24) “[Gosto] só do flamenco, que foi uma grande revelação de minha vida e do frevo de Pernambuco” (Entrevista concedida a M. Leonor Nunes em JL, 448, 5/10 fev. 1991). Uma razão segundo o poeta, é que: “A música andaluza se associa a movimento de dança, torna-se visual. Aí eu gosto”, Jornal do Commercio, Recife, 13 jan. 1982.
(25) Reckert, Stephen, Para Além das Neblinas de Novembro. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 232.
(26) “A Catedral”, “A Feira de Abril”, “Corral de Vecinos”, “Na cava, em Triana”, “Um bairro de Sevilha”, “A Praça de Touros de Sevilha”, “Calle Sierpes”, “O Arenal de Sevilha”, “Hospital de la Caridad”, “A Fábrica de Tabacos”, “O Museu de Belas-Artes”, “Sevilha revisitada”, “Oásis em Sevilha”, “Andar por Sevilha”, “Mulher Cidade”, “As Plazoletas”, “Sevilha de bolso”, “A luz de Sevilha”, “Anunciação de Sevilha”, “Por um momento de Pumarejo”, “A Giralda”, “A urbanização do regaço”, “O regaço urbanizado”, “Num bar da Calle Sierpes, Sevilha”.
(27) “Semana Santa”, “Numa Sexta-Feira Santa”, “O Asilo dos Velhos Sacerdotes”, “Padres sem Paróquia”, “Em Santa María La Blanca”, “O sevilhano e o trabalho”, “Cidade cítrica”, “A Rede ou o que Sevilha não conhece”, “Conversa de sevilhana”, “Ocorrências de uma sevilhana”, “Crime na Calle Relator”, “As infundiosas”, “Os infundios do sevilhano”, “Gaiola de chuva”.
(28) “No Círculo de Labradores”, “Viver Sevilha”, “O segredo de Sevilha”, “Verão de Sevilha”, “Cidade de nervos”, “Qual o segredo de Sevilha?”, “Sevilha em casa”, “Sevilha andando”, “A sevilhana que é de Córdoba”, “Sevilha ao telefone”, “Lições de Sevilha”, “Tenho Sevilha em minha cama”, “Retrato”, “Passa que a mulher é Andaluza”, “Poema 5A 646”, “Ainda Sevilha ao telefone”, “Sevilhana pintada em Brasília”, “Cidade viva”, “O Aire de Sevilha”, “Despertar com sevilhana”, “Presença de Sevilha”, “El Embrujo de Sevilha”, “Sevilhizar o mundo”, “Sevilha”, “Uma sevilhana pela Espanha”, “Coisas de cabeceira: Sevilha”, “A idade da sevilhana”, “A imaginação perigosa”, “A sevilhana que não se sabia”.
(29) Prosa, Teatro, Cine y Poesía (publicação: Castellano traduzida do: Catalão; Francês; Inglês) 1a, 1a imp. Barcelona. Ediciones Destino, S.A. 2004.
(30) Les deux qui se croisent. Paris, 1947.
(31) Locos: A Comedy of Gestures, 1936, Chromos, escrita em 1948, mas publicada em 1990 e Old Tales From Spain, escrito em 1929.
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Artigo publicado originalmente em espanhol em Artifara, n. 8l (janeiro – dezembro 2008), Seção de Adendos ©Artifara, ISSN: 1594-378X, sem estar na www, agora cedido pelo autor especialmente para publicação em Sibila