(…) só poderemos alcançar o que nos é originariamente
familiar, se não recearmos percorrer a estranheza.
Nada mais do que repetição literal de enunciados: é o que ofereço a seguir, ao propor um diálogo, talvez inusitado, entre Maurice Blanchot e Mario Perniola, citando literalmente suas respectivas palavras, ditas em contextos e épocas diferentes. Pretendo testar, assim, com justificada ou injustificada liberdade, a receptividade hospitaleira (locução de Derrida, de que me aproprio neste ensaio de infinitas apropriações) que a conversa infinita — entretien infini — de Blanchot pressupõe.
O tema dessa conversa? As relações simétricas e assimétricas entre, digamos, o mesmo e o outro, o anfitrião e o hóspede etc. E, finalmente, coroando essa discussão sobre a “co-presença”, a diferença sexual, ou o que dela ainda resta no mundo virtual.
* * *
O que é o filósofo?, indaga Blanchot, pensador e crítico literário francês, um dos mais importantes e influentes do século XX. Citando Bataille, ele responde, no princípio da Conversa Infinita : — É alguém que tem medo.
Pelo pavor saímos de nós mesmos. O filósofo fora de si — no neutro. É a fuga pânica que transforma o espaço da questão numa plenitude vazia. (Nuetro: “l’inconnu dans son infinie distance”.)
Para iniciar essa discussão, deixemos de lado Deus, propõe Blacnhot. Nome demasiadamente imponente, para Blanchot e para nós. Ficaremos no nível da relação humana, no nível da conversa… infinita. (Lévinas, naturalmente, não excluiria Deus, se fosse consultado neste ponto do diálogo. )
Assim, já podemos identificar uma diferença entre Blanchot e Lévinas (o outro nessa conversa infinita, ou um dos muitos outros nessa — nossa — conversa), entre esses dois que, a despeito dessa diferença, dialogam todo o tempo.
Todo discurso verdadeiro, diz solenemente Lévinas, é discuraso com Deus, não conversa entre iguais.
Concordando em parte com Lévinas, Blanchot também afirma, sem porém invocar Deus, que o espaço da comunicação é essencialmente não-simétrico. (E o que dizer do espaço da “comunicação sexual”, entre o mesmo e o outro? Mario Perniola oferecerá uma resposta mais tarde.)
Segundo a lição de Blanchot e Lévinas, podemos concluir que o outro é o que nos ultrapassa absolutamente. O outro nos pega, nos abala, nos encanta, roubando-nos a nós mesmos.
Porém, insistirá Blanchot, ao comentar esse pressentimento que temos do outro – “deixemos Deus de lado”. É o que ele nos pede.
O outro, que não é Deus, segundo Blanchot, é o Estrangeiro, o Desconhecido, o Desterrado. É o ilhado, o ilhéu. Nós mesmos, na Ilha do Desterro.
O um e o outro, simplificando a questão, são igualmente existentes. Ou igualmente homens. (Por isso Deus estaria fora dessa conversa infinita.)
Contudo, esclarece Blanchot, a relação que estabeleço com o outro é uma relação sem relação, uma relação, em suma, para usar uma palavra em voga (da qual abusarei, esgotando-a), inoperante. Inoperante, na medida que essa relação exclui a aproximação, o domínio, o poder. Inoperante, porque essa relação não implica, em conclusão, nenhuma compreensão. O outro é sempre mistério, enigma, o conhecimento (inoperante) do desconhecido.
Assim, o outro, o Estrangeiro, o Desconhecido, vem de outro lugar e nunca está onde estamos, não pertence a nosso horizonte e não aparece em nenhum horizonte representável. De modo que o invisível seria o seu lugar, afirma Blanchot. O outro, numa fórmula caracteristicamente blanchotiana, é o que se desvia de todo o visível e de todo o invisível.
Manifesta-se assim o extremo longínquo. O extremo longínquo não somente pode manifestar-se, mas se apresenta de frente. Ele é a presença mesma. Uma presença… nem revelada nem desvelada. Presença sem rosto perceptível, mas dotada de palavra. A quem podemos interpelar. Afirmam Lévinas e Blanchot.
Aqui nós adentramos no universo da palavra. (Só mais à frente entraremos no universo do contato, do contato possível e impossível.) Palavra da morte? Em todo caso Outrem me fala. A revelação de Outrem é inteiramente palavra. Outrem se expressa e, nessa palavra, ele se propõe como outro.
É o exterior que fala: ele dá lugar à palavra e permite falar. Na palavra, é o exterior que fala. Já veremos que existe uma fala antes de tudo e fora de tudo. É essa fala que interessa a Blanchot. e a Lévinas.
Se a relação com o outro é linguagem (deixemos o toque para depois, fiquemos apenas com a palavra), então não é difícil compreender por que o espaço da comunicação é essencialmente não-simétrico. Ou seja, a linguagem impede a reciprocidade e produz a diferença absoluta entre os termos que devem comunicar-se. (Em contraposição à palavra, o que é exatamente o contato via toque? Existiria aí simetria?)
Outrem, em suma, para repetir incansavelmente o que sabemos, não está no mesmo plano que eu. Por isso, a relação humana é terrível, conclui Blanchot.
O homem frente ao homem não tem outra escolha… senão falar ou matar. (Poderia exemplificar o uso dessas alternativas, seguindo ao pé da letra o texto de Blanchot, no qual ele rememora o caso de Caim e Abel. Caim vê em Abel o obstáculo de uma presença infinita, logo, Caim é o eu que, chocando-se com a transcendência de outrem, tenta enfrentá-la, recorrendo à transcendência do assassinato.)
Não existe nem Deus nem valor — e nem natureza — entre o homem e o homem, na discussão elaborada por Blanchot na Conversa Infinita. É uma relação nua, sem mito e isenta de religião. Entre outrem e eu, a distância é infinita, o outrem é para mim a presença mesma, a presença do infinito. Presença infinitamente outra.
Pela presença do homem, toda a medida de estranheza nos é dada. A esse respeito podemos lembrar, desta vez mais detidamente, outro mito, o mito grego de Orfeu e Eurídice. Eurídice é a estranheza do extremo longínquo que é outrem no momento do face a face, e quando Orfeu, que desceu aos Infernos para trazer de volta à vida Eurídice, vira-se para trás, no caminho de volta, cessando de falar/cantar para ver, seu olhar se revela igual à violência que carrega a morte. Orfeu não tem outra escolha senão falar ou matar. São as nossas alternativas também.
Ao mencionarmos aqui Orfeu, o amante inconsolável, e Eurídice, a parceira prematuramente morta, mencionamos também Eros e o Desejo, se quisermos ler esse mito desde a sua origem erótica. (A importância dessa perspectiva se esclarecerá mais à frente.)
Eurídice, ou o homem em geral, é de algum modo inacessível, mas o inacessível é de algum modo o imediato; o que me ultrapassa absolutamente está absolutamente a meu dispor. Esse encontro é terrível, enfatiza Blanchot. Não tem mais medida nem limite. Então não me resta outra escolha senão falar. Ou matar.
Pergunto-me, porém, se o movimento pelo qual o infinito vem a mim não implicaria de repente Eros e o Desejo. Queria discutir, precisamente, esse outro erotismo, implícito, segundo entendo, nesse movimento inusitado e paradoxal que não parece excluir nada.
Esse erotismo outro está, acredito, exposto nos romances de Blanchot, romances a respeito dos quais nada poderei falar aqui, porque prefiro me ater ao texto desse autor que estou, mal ou bem, resumindo e copiando, a fim de fazê-lo dialogar agora, na medida do possível, com um ensaio de Perniola.
Introduzirei então, decerto abruptamente, o conceito de sex appeal do inorgânico, que remonta a Walter Benjamin e que vem sendo trabalhado, contemporaneamente, pelo filósofo italiano Mario Perniola.
Blanchot e Perniola percorrem o mesmo terreno e encontram o mesmo abismo, que ambos batizaram de neutro. O sex appeal do inorgânico seria uma das manifestações desse neutro, segundo Perniola. A diferença entre os dois autores precisa, porém, ser destacada. Blanchot pressupõe entre o homem e o homem uma comunicação não-simétrica, a desigualdade sendo a origem da ética. Perniola, ao contrário, visa descrever uma relação simétrica (o abismo se torna menor do que parecia, ou menos ameaçador), na qual os dois parceiros são igualmente “coisas”, ou pós-sujeitos.
Em primeiro lugar, devemos considerar a questão do poder. Poder que, evidentemente, está à espreita em todo Desejo, para falar de modo bastante simplificado de um tópico muito complexo, ou não menos complexo do que os anteriores.
Ora, diz Blanchot, o poder não tem domínio sobre a presença. A presença se furta a toda apreensão. Seria então possível — indagação minha — uma relação erótica que se furtasse a toda apreensão? Um sexo sem sexo? Totalmente inoperante? Neutro, porém não mais abissal que o outro (o sexo entre nós)?
A violência não pode apreender nem compreender a presença, o movimento pelo qual o infinito vem a mim.
É que a presença, esclarece Blanchot, está sempre no limite da insignificância, na medida em que ela precede toda significação, em que ela talvez signifique sem ter ela mesma a verdade de uma realidade já constituída como sentido, rica de sentido. Significada, logo, insignificada.
Tal seria a palavra que mede a relação do homem frente ao homem, quando não há outra escolha senão falar ou matar. A desigualdade é irredutível.
Do outro estou separado, distante e desviado. Nessa situação, que implica uma relação sem relação, pergunto-me se haveria a possibilidade, ou a pertinência, de se conceituar, levando avante o diálogo infinito de Lévinas com Blanchot e incluindo agora Perniola, como o terceiro, um sexo inoperante, pós-coito, pós-poder, um sexo neutro e sem finalidade.
Essa é a questão nova que este possível ensaio ousa propor. E graças a Perniola, também Walter Benjamin entra no diálogo infinito. (O face a face pressupõe um terceiro, que é o outro do outro.)
Devemos, porém, partir não do contato e do toque, ou dos outros sentidos, mas da palavra e da audição, segundo a lição blanchotiana. No universo do Desejo e de Eros, qual é mesmo a função da palavra?
A palavra, já vimos, afirma o abismo existente entre “eu” e “outrem”. Sem essa infinita distância, sem essa separação do abismo, não haveria, aliás, palavra, diálogo. De maneira que, segundo Blanchot, toda verdadeira palavra lembra-se desta separação pela qual ela fala.
A argumentação de Blanchot, tomando a trilha aberta pela alteridade conceituada por Lévinas, aponta para formas éticas de se relacionar, assunto a que voltarei. Quero, entretanto, abordar não a ética, mas as formas inorgâqnicas de sentir, no contexto da relação sem relação. Acredito — eis a tese que defendo — que uma forma possa esclarecer a outra.
Perniola busca delimitar uma sexualidade neutra, implicando uma suspensão do sentir. Esta não é uma anulação da sensibilidade, que provocasse queda de toda tensão, mas o ingresso em uma experiência deslocada, descentrada, livre da intenção de atingir um objetivo.
Sentir-se como “uma coisa que sente” quer dizer, antes de mais nada, emancipar-se de uma concepção instrumental da excitação sexual, naturalmente direcionada para o obtenção do orgasmo. Sentir-se, enfim, nem Deus nem animal, mas uma coisa sensiente. Um sentir humano reduzido aos termos mínimos. Vejamos as implicações disso.
Perniola anuncia o advento de uma sexualidade sem vida e sem alma, ou seja, o império de uma sexualidade sem orgasmo que negaria ou questionaria o atual triunfo… do Capitalismo! A sexualidade finalmente incluiria o neutro, o sentir neutro do fazer-se coisa. (É óbvio que o neutro blanchotiano, que supõe a desorientação do sujeito e a indistinção dos opostos — o interno e o exterrno, por exemplo –, é diferente do neutro inorgânico, pós-humano e pós-inumano, de que fala Perniola, na medida em que este coloca o “artifício” no lugar do um e do outro e rediscute, assim, a noção de abismo.)
Cabe hoje à filosofia, opina Perniola, nos introduzir nessa sexualidade neutra.
Talvez possamos esperar de Blanchot que também ele, sem desconsiderar a especificidade do seu pensamento, nos introduza nessa sexualidade neutra, atemporal, nesse sentir impessoal, nesse fazer-se outro (ou coisa, na proposta de Perniola), que subtrai a sexualidade ao vitalismo, ao gesto desenfreado ou serial.
Nenhum querer particular é encontrado quando entramos no horizonte da sexualidade neutra. Os corpos, segundo Perniola, se tornam coisas que sentem. O corpo que está entre meus braças, afirma Perniola, é tão verdadeiro quanto o meu. Mas esses dois corpos, o meu e o outro, justamente por causa de sua absoluta disponibilidade recíproca, deixam de ser óbvios um para o outro. Caso ambos corressem rumo ao orgasmo, eles ficariam imersos naquela normalidade temporal e histórica que os expõe à perecibilidade e à corruptividade.
A sexualidade neutra não é desumana nem inumana, afirma Perniola, ela é, no máximo, pós-humana, ou de uma vertiginosa artificialidade. Além disso, poderíamos dizer que essa sexualidade é uma sexualidade virtual. A virtualidade não é, porém, neste caso, uma simulação, uma imitação, uma mimese da realidade, mas o ingresso numa outra dimensão, por assim dizer, ontologicamente diferente.
A sexualidade neutra é horizontal. Assim, ela não tem nada a ver com o mundo divino nem com o mundo animal, mas sim com o mundo artificial das coisas que sentem. O conceito de alteridade, trabalhado por Lévinas e Blanchot, pressupõe um outro orgânico, um rosto humano (Blanchot) ou divino (Lévinas), não um rosto “artificial” (Perniola). Essa distinção crucial não pode, neste ensaio ou diálogo, ser desconsiderada pelo leitor.
Aqui, Perniola segue Deleuze (sem o vitalismo de Deleuze) e fala do corpo-coisa, do corpo artificial. Recorre ao conceito de corpo sem órgãos, corpo que não pertence a nenhuma vontade, que não obedece a nenhum projeto, que estaria livre de qualquer vínculo e parece diluir-se num fluido que não teria nada de vital nem de espiritual.
As comunhões e as penetrações não acontecem entre o meu corpo e o corpo do outro, enfatiza Perniola, mas entre um corpo que é tão pouco meu quanto tão pouco seu é o corpo do outro. (Tanto Lévinas quanto Blanchiot definem a alteridade aludindo a uma desproporção dissimétrica, a qual tende a ser anulada, se isso for possível, em Perniola.) Corpo sem órgãos quer dizer que entre o meu corpo e o seu não existem diferenças, porque ambos seriam uma coisa que sente, uma coisa à qual não concedemos o nosso aparato sensível para que ele sinta. (O abismo é menor nesse caso? Nulo? Essa questão implica uma rediscussão da horizontalidade e a verticalidade.)
É esse sentir neutro de um corpo que não pertence a ninguém (anônimo e impessoal) que origina o corpo sempre disponível, a ponto de suscitar uma excitação infinita. Ele está lá, sempre pronto e escancarado em toda a sua extensão: sua verticalidade depende do fato de não termos a possibilidade de acesso a um coito entre corpos que não nos pertencem de verdade.
Neste caso não se poderia mais aludir a uma desigualdade de comunicação essencialmente não-simétrica. Blanchot e Perniola se separam aqui ou divergem em seus respectivos diálogos infinitos. Para o primeiro, a agressão por sobre o abismo ainda é possível, como desesperado gesto de posse, para o outro, nem a agressão nem o abismo parecem existir mais, pois as “coisas” estão lado a lado. Afirmar que duas pessoas são duas coisas, abandonadas a si mesmas lado a lado, é diferente de pressupor que exista um abismo instransponível entre o homem e o homem (ou a mulher) e que, por isso, a violência ainda é um último recurso à mão (real, mas ineficaz), para “resgatar” aquele que se afasta, indefinidamente. Pode-se matar o outro, sem, no entanto, possuí-lo, ou seja, anular de fato o abismo.
Segundo Perniola, o sentir moral, assim como este é descrito por Kant, apresenta afinidade estreita com o sentir neutro e anônimo da sexualidade sem órgãos: em ambos os casos, soltamo-nos da corrente casual, sem contudo entrar no mundo supra-sensível da santidade ou do êxtase.
O impulso para ser coisa (nem sujeito nem objeto) deveria nos levar de volta à ética blanchotiana, já pressentida atrás, quando apresentei, ou citei, algumas de suas idéias relacionadas à separação, à distância e ao desvio.
Para Lévinas, a ontologia é superada pela ética e esta se torna filosofia primeira. A desigualdade, também para Blanchot, é de ordem ética. Outrem, se é mais elevado, é também menos do que eu, mas sempre outro: o Distante, o Estrangeiro, o Desterrado. Minha relação com ele, como o diz Lévinas junto com Blanchot, é uma relação de impossibilidade, escapando ao poder. (O sexo neutro, pós-coito e inoperante, poderia, acredito, exemplificar uma relação desse tipo, dentro de uma perspectiva pós-humanista, na qual predominasse um Eros e um Desejo não-vitalistas.)
A descontinuidade decisiva de toda relação está sempre implicada na relação entre o homem e o homem. A palavra que usamos diz isso: distância e diferença infinitas, anulando a contestação, a igualdade e todo o comércio possível.
Outrem é desigual em relação a mim, revelando-se a mim mesmo apenas pelo hiato da desigualdade. A filosofia primeira, dirá Blanchot (ecoando Lévinas), não é a ontologia, a questão ou apelo do ser, mas a ética, a obrigação em relação a outrem.
O pensamento de Blanchot, em suma, atribui a Outrem uma dimensão de exterioridade radical em relação ao eu, e assim outrem permanece para mim um mistério, um enigma. Ele é o Estrangeiro, o Proletário, o Altíssimo (sobretudo para Lévinas), o Mestre etc. E talvez — talvez, sublinho — também a coisa filosófica, teorizada por Perniola nesse ensaio em que propõe a sexualidade neutra, já debatida aqui, como revisão possível, acredito, do hiato, do abismo, da comunicação não-simétrica.
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Para encerrar, não encerrando, afirmo que falei sem poder falar, falei para manter infinito um diálogo que já começou há muito tempo. Quem fala está cansado e quem ouve, também, e o cansaço não facilita o diálogo. Quem fala, sob o regime do cansaço, nossa condição, não pode exprimir-se. Estar cansado, ser indigente, é a mesma coisa.
Não se pode distinguir, segundo Blanchot, entre pensamento e cansaço. No cansaço encontro o mesmo vazio, o mesmo infinito. Não existe repouso. A fuga pânica se realiza finalmente — é a impossibilidade de fugir.
O cansaço não é libertador. (O sexo sem sexo o é? Nova utopia?) Sempre se pode estar ainda mais cansado. O cansaço, diz Blanchot numa fórmula conhecida, é a mais modesta das infelicidades, o mais neutro dos neutros. (O sexo sem sexo é, por acaso, a felicidade?) O cansaço, um estado que não é possessivo, absorve sem pôr nada em questão.
Toda a vida mudou, a vida, no entanto, intacta. A vida biológica, não a vida artificial, inorgânica, que também devemos considerar, talvez como o terceiro que se insere na relação entre o mesmo e o outro: eis o advento, nesse nosso diálogo infinito, da coisa sensiente de que fala Perniola, ao repensar o contato do homem com o homem (a mulher).
A coisa (nem o mesmo nem o outro, mas o outro do outro e do mesmo) abrirá, talvez, novas perspectivas para o cansaço e a fuga pânica, desta vez situando-os no universo da virtualidade não-mimética e das relações pós-blanchotianas.