O fato de nos depararmos com uma produção poética “ainda sendo feita”, um gesto, por assim dizer, “em tempo real”, fugaz e live, isto é, que não se estabeleceu, não justifica o silêncio, nem a esquiva crítica a contragosto a seu respeito.
Em outras palavras, insiste-se na alegação de que devido a sua condição de fenômeno in progress, a poesia atual acabaria por impor um óbice à tarefa crítica, visto que, por definição, esta atividade teria a função de regular e julgar, calcada sobre certa estabilidade de valores, apenas aquele objeto cuja trajetória pudesse ser abarcada desde o ponto-zero do seu impulso, passando por suas correções de rota e chegando até o seu provável termo de repouso. Portanto, uma experiência tão fugidia, como essa que aqui se discute, talvez não permitira a prospecção judicativa de seu conjunto.
Por causa de sua base larga; sua radicalidade que atinge os antros da terra; suas ferramentas argênteas, a crítica se mostraria, supostamente, sem condições de perscrutar semelhante alvo em movimento, esse ser transitório. Vantajosa inadequação da crítica, às vezes tão fora do lugar! O mundo é leviano demais para a sua lerdeza magnânima. Mas, o crítico está (ou deveria se sentir) implicado nas imposturas e nos dilemas que denuncia e anuncia.
Portanto, a poesia contemporânea, como fenômeno inconcluso, filha e protagonista de um presente contínuo, signagem manifestada dentro do “horizonte do provável” do nosso tempo, não estaria em situação de ser mapeada “cabalmente”, pois como coisa viva, algo de sua efemeridade escaparia pelas beiradas do escalpelo crítico consagrado. No entanto, há aí um problema de distorção. Parece estar-se exigindo, para o caso, uma crítica monumental, ou um olhar telescópico que, enquadrando o mais ínfimo e distante exemplar dessa poesia, capturasse o mundo e o tempo conhecidos que o envolvem. Mas, o fazer, o saber e o julgar inextrincáveis à atividade crítica, devem ser colocados numa perspectiva provisória, menor. Em outras palavras, crítica é leitura aplicada; uma forma de interpretação ou de abordagem. Isto nos faz supor que tal atividade também se relaciona ao possível, ao impermanente das limitações e das parcialidades do sujeito. Desta maneira, a leitura, ou a crítica, condizente com a poesia contemporânea, deve ser, tal como ela, uma expressão em construção, ainda não canônica e não canonizada. Seqüência de interpretações e uma constante confrontação entre elas. Uma crítica, por assim dizer, “câmera-na-mão”, ou para usar outro lugar-comum, crítica mais como transpiração do que como inspiração. Leitura interessada, severa e experimental embrenhada na nervura do dissenso.
Ao almejarmos e superestimarmos uma crítica totalizadora que “de fato” venha a dizer, quem sabe um dia – pois estranhamente ela não se encontra aqui entre nós -, aquilo que queremos e merecemos (ou necessitamos) ouvir acerca da produção poética atual, acabamos também reservando um espaço excessivamente pernóstico, cheio de dedos, para os deslocamentos desta mesma poesia perante a nossa recepção.
Daniel: diluidor dedirróseo
Às vezes fala-se a propósito da poesia contemporânea em termos de que tratar-se-ia de uma experiência capaz de provocar um estranhamento e um incômodo em determinadas zonas da audiência similares àqueles causados, por exemplo, pela arte contemporânea. Isto é um absurdo. A produção poética de agora-agora passa longe de qualquer gesto iconoclasta, não põe em cheque os próprios limites, não tem sequer a ousadia da frivolidade que, diga-se de passagem, sobra à anti-arte. Por exemplo, mesmo essa tal “vertente” neobarroca, barroquizante ou sub-haroldiana, com laivos de hermetismo pó-de-arroz — coincidência de interesses de uns com a crença de outros —, assinalável aqui e ali pelo poeta Claudio Daniel, um seu comentarista e praticante, e que a considera “o caminho mais consistente de pesquisa e experimentação em nossa poesia hoje”, não parece ter rendido até agora grande coisa, isto é, não fez ninguém “cagar duro”, diria o poeta da lírica maldizende. Com efeito, dois ou três poemas do livro Big Bang (1974) de Severo Sarduy bastariam para dar uma lição nos cultivadores e no escoliasta colorista da modalidade, mostrando que de fato, neste caso, a arte-risco do barroco (em sentido forte) deve ser mais embaixo (ou em cima, a escolher) e não pode ficar à disposição da pródiga e xamânica perícia metaforizante de diluidores dedirróseos. Então, por que reivindicar para a produção contemporânea um discurso crítico sobrenatural, que fale a língua do “meu tio iauaretê”, na presunção de glosá-la eruditamente e de uma vez por todas?
Desde a realidade insossa das manifestações poéticas atuais, talvez se possa arrancar uma resposta cínica para o caso: a expectativa ansiosa pelo advento dessa crítica-para-acabar-com-todas-as-críticas, que faça justiça à pretendida originalidade da poesia atual, não passa de uma tentativa de niquelar a irritante normalidade e eficiência dessa mesma poesia por meio da chantagem cult de um metadiscurso que assomaria para “pôr as coisas em ordem”, problematizando uma farsa com outra.
Portanto, qualquer discussão séria acerca da poesia contemporânea talvez devesse avançar sobre a questão do espaço de atuação que lhe é reservado. Se é difícil reconhecer a existência de um espaço efetivo para o seu aparecer no mundo, ou para a manifestação da interlocução inteligente, somos obrigados a admitir que falamos então de algo que não existe. De certa forma, poder-se-ia dizer até que a poesia contemporânea não existe porque, segundo alguns pensadores, o presente não existe. O presente precário se dissipa, se desmancha num virar de páginas e antes mesmo que qualquer um de nós termine de enunciar a palavra presente. O que nós temos de fato são o passado e a expectativa-imagem de um futuro provável.
Para a grande mídia e para a cultura entendida como manifestação do estado de alma da nação (epopéia da sensibilidade de um povo no anseio de um verismo regional/nacional), a poesia em geral e a contemporânea em particular, não constituem matéria de interesse.
No entanto, embora os veículos tradicionais (jornais, revistas, TV, rádio, etc.) persistam como reféns da baixeza insistindo numa recusa frontal a tudo que se aproxime de um lance de pensamento, a Internet, por outro lado, começa a dar sinais de vida inteligente e às vezes chega mesmo a nos enganar. Ou seja, a rede mundial/virtual, algumas vezes, finge ser o lugar por excelência de um saber/conhecimento que nós deveras há muito esperamos que cresça e apareça em algum âmbito. Mas, na verdade, ainda é um meio em vias de estabelecer-se. Tem muito dos defeitos e das virtudes dos outros meios que um dia talvez venha a substituir. Assim, à diferença dos veículos consagrados (que tentaram contar um pouco da história desses dois últimos séculos), a Internet parece encarnar a imagem desse nosso presente sem margens presunçosamente aparentado a um “pós-tudo”. E a poesia contemporânea se sente bastante à vontade no interior da fragmentação especular que marca esse recinto virtual.
Agora, iniciarei por destacar alguns aspectos do estado de espírito dessa poesia. Figuras de sua verdade cambiante. Primeiro aspecto: a) os poetas de agora-agora, grosso modo, dominam desde tenra idade os repertórios da linguagem poética; eles demonstram conhecer os pontos cruciais da tradição literária do ocidente; estar familiarizados com a voz dos mestres do modernismo; prestar atenção aos recursos da versificação quer seja livre, quer seja metrificada; e, por fim, simpatizar, naturalmente, com proposições das vanguardas de quatro décadas atrás. A sofisticação, no caso deles, beira o lugar-comum. Não praticam mais uma poesia ingênua, de coração, confessional. Todos têm uma consciência de linguagem de causar inveja (aos seus pares, naturalmente). A propósito disso, Heloisa Buarque de Hollanda publicou um estudo-antologia (26 Poetas Hoje) em que discute, entre outras, essa questão. Seu recorte tem um cunho multicultural. Mas a autora avança na contramão daqueles que denunciam na poesia contemporânea um pendor para a alienação, para a fuga da realidade, sintomas que, de acordo com esses críticos, seriam resultantes dessa opção pela extrema sofisticação. A autora não nega a existência desse traço requintado, algo emasculado, mas no recorte que nos apresenta, fica demonstrado que esses poetas não participam inteiramente de um estado de espírito neutro ou indiferente em relação ao que os cerca. Isto é, o requinte, a erudição intertextual, etc., não estão necessariamente em contradição com a consciência política e social e também histórica.
Tendências
Vejamos outro aspecto: b) a poesia atual se acomoda muito bem dentro da moldura do ecletismo. Haroldo de Campos chegou a cunhar a expressão “ecletismo retrô” para provocar ironicamente essa geração que lhe sucede. Com efeito, tudo agora parece possível depois das vanguardas históricas das décadas de 1950/60. A tolerância poeticamente correta permite desde o soneto camoniano até o poema concreto strictu sensu. É como se os poetas contemporâneos quisessem resgatar das zonas do limbo aqueles exemplares excluídos pelo afã talibanesco do alto modernismo. As vanguardas tão esclarecidas quanto totalitárias (porque indecorosamente utópicas) da virada do século 19 para o século 20, talvez tenham jogado fora o bebê junto com a água do banho. O poeta carioca Alexei Bueno, defende essa tese pós-moderna de revisão do legado. Ele reivindica toda uma tradição e um repertório deixados de lado pela parelha dicotômica novo–velho, suportada pelos diversos discursos do modernismo (que serve de escopo a eles, que os informa). O poeta-crítico repropõe os nomes de, por exemplo, Gonçalves Dias e Castro Alves. Há alguns anos, Alexei Bueno também chegou a publicar uma carta aberta criticando o que chamou de “uma apropriação midiática e totalitária do neoconcretismo” e dos seus epígonos, entre eles é mencionado o poeta Nelson Ascher. Não obstante o tom algo tresloucado e mesmo ofensivo – motivado talvez pela provinciana rivalidade Rio-São Paulo -, o conteúdo da carta foi e é importante na medida em que mexe com um estado de coisas relativo a certa apologia acrítica em torno do valor e das conseqüências da poesia concreta – apologia que, se de fato existe, não condiz, em fim de contas, com o radicalismo desse movimento -, e que, por tabela, denuncia na espinha do sistema literário esse constante risco de estagnação a que está sujeito.
Um terceiro aspecto também interessante da poesia atual é o seguinte: c) nunca, como hoje, vimos os poetas tão entranhados nas regras de eficiência e competência exigidas pelo sistema literário que, como costumo dizer, se configura em representação especular, embora com suas particularidades, dos imperativos sócio-econômicos abrigados sob o arco ideológico do livre mercado. E que outra razão haveria para a grande presença de poetas dentro dos muros da academia? O meio social nos cobra filiações consagradas e consagradoras. Alexei Bueno pergunta pelos poetas engenheiros; pelos poetas médicos; pelos poetas sem profissão; enfim, pelos poetas “à margem da margem”: onde estão eles? Isso parece coisa de outro tempo. Uma parcela significativa dos poetas vivos, isto é, nascidos no século passado, se formam ou se formarão no interior dos muros acadêmicos. Mestrandos e doutorandos em Letras. Isso pode ser um problema. No entanto, não faço aqui a defesa do poeta romântico ou inspirado, o gênio monstruoso cuja originalidade sem começo nem fim ofusca a nossa compreensão.
Por outro lado, a poesia demanda anos de estudo vagabundo, de leitura de prazer e uma constante prática corpo a corpo com a linguagem. O poeta precisa distinguir, por exemplo, uma sextina de um soneto, identificar tanto nos traços fonológicos quanto nos grafológicos, insumos estéticos. Um poeta está sempre in progress. É neste sentido que uma formação burocratizante numa atividade equívoca como a poesia, termina sendo, ao fim e ao cabo, deformante. A (de)formação acadêmica talvez seja útil apenas para ratificar a existência ou a importância do nosso “censor interno” (W. H. Auden dixit) numa situação que nos seja exigido um ato de julgamento. Jorge Luis Borges diz que “o poeta não condena nem absolve”. Mas qual seria a qualidade de um juízo condicionado por cânones hegemônicos, por pontos de vista superciliosos quanto à informação nova, por discursos presunçosamente totalizadores? Esses questionamentos precisam ser feitos para que a poesia e a literatura-arte (e não o “literário” do mercado livreiro-editorial) não restem tão-só a serviço do “controle institucional da interpretação” (Frank Kermode dixit), representado pela universidade, pela crítica especializada, pelos grupelhos de poetas bem relacionados, pelos ocupantes de órgãos públicos e/ou privados ligados à cultura, etc.
Assim, dentro desse panorama pluralista, o quarto aspecto que identifico na atualidade da produção poética, diz respeito ao espaço para o exercício da experimentação: d) a bem da verdade, um espaço reconhecido um pouco a contragosto. Mas essa poesia experimental ou vanguardista, se assim pudéssemos nomeá-la, se mostra ainda bastante epigonal. Ou seja, opera num registro virtuosístico, tendo como base as rupturas que a poesia de vanguarda das décadas de 1950/60 levou quase ao limite da aporia.
A indústria do antivanguardismo
Ainda é interessante experimentar uma suspeita reflexiva com relação a uma idéia que, aqui e acolá, insiste em aparecer em alguns textos críticos. Trata-se da idéia que estabelece similitudes entre vanguarda e progresso. Um vício diacrônico, além de messiânico, serve de nutrimento a uma noção de vanguarda que busca conquistar territórios, acúmulo de feitos num “ensaio de totalizações”. Movimento que visa a uma “etapa final” ou um éden. Vanguarda que se apresenta como “ponto de otimização da história”. Devir utópico calcado sobre linearidade progressiva, causal. Um dogma: a vanguarda não corre o risco de infectar-se com o vírus do retrocesso. Talvez no âmbito da estratégia dos exercícios de guerra, ou mesmo na arena da “politicagem literária”, tudo isso faça algum sentido, pois aperfeiçoamento pressupõe a aceitação de exclusões e obsolescências cujo questionamento — a bem de “um mundo transformado”, digamos, para melhor —, é deixado de lado “por tempo indeterminado”.
Mas, o que quer dizer aperfeiçoamento? Neste caso, estaria a se ratificar uma noção de “progresso”, quem sabe similar àquela que se utilizava para ordenar o concerto das nações, mas, agora, aplicada a frio, à linguagem da poesia ou das artes? Se, por exemplo, a poesia concreta fosse o aperfeiçoamento de algo — supondo que déssemos crédito a isso —, só o seria, mesmo, da poesia de Oswald de Andrade ou da de e. e. cummings, pois aí, sim, ela poderia ser apresentada como a “culminação ou o resgate” constituídos, na verdade, a partir do desempenho diferenciador e progressivo desses autores que lhe são anteriores ou precursores. A vanguarda poética das décadas de 1950/60 não pode ser o aperfeiçoamento de, por exemplo, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto, nem de certas facetas de Manuel Bandeira, e nem mesmo de um ou outro menos feliz Carlos Drummond de Andrade. Aperfeiçoamento, só na linha estreita da mesmidade. Nestes casos, não se trata de modo algum de aperfeiçoamento — supondo, ainda uma vez, que concordássemos com a noção —, mas, antes, de ruptura, ou de pura e simples contraposição.
Prefiro imaginar um quadro de tensões de perspectivas, propostas de linguagem em confronto. Formas e poesias em “conjunções e disjunções” sincrônicas. Não existe progresso. O limbo experimentado pela poesia de Jorge de Lima (que considero um fato lamentável) pode ser revogado a qualquer momento. Outros aguardam o retorno triunfal ao nosso convívio da obra de Cassiano Ricardo. E se isso vier a acontecer, não significará, necessariamente, involução. A poesia se desdobra numa rede de conotações e o leitor-poeta se comporta como o administrador das intraduzibilidades e das eventuais reabilitações inerentes à tarefa da leitura criativa e desobediente.
Em resposta à poesia “em greve”, isto é, negativa, daquelas vanguardas, a poesia de invenção desse século pós-utópico confina com um cinismo fashion e não tem compromisso com uma poética progressiva. A vanguarda (e principalmente como movimento coletivo) deixa de ser uma bandeira. O experimentalismo, como conceito, perde força. Agora, não é senão uma possibilidade de performance dentro de um determinado repertório oferecido pela tradição. A propósito dessas questões, posso evocar o nome de Joan Brossa cujo aniversário de morte será lembrado em breve (30 de dezembro de 1998). O pensamento-arte do poeta catalão representa à saciedade a velha-guarda da melhor vanguarda fazendo maravilhas com o mínimo de recursos. A “arte-inicial” contra a arte-final, finalista e financista. Nada de computadores e distorções de letras, esses engodos típicos de uma confiança ou de um entusiasmo, ao fim e ao cabo, naïf nos poderes podres de maduros que marcam a ultramodernidade narcisista. Vírus da virtualândia. Brossa, com seu sorriso carrolliano era mais dada que surreal. Espancava o saco diáfano da seriedade “artística”. Dizia que a nossa não é uma época multimídia, mas “multimerda”. Seus poemas recusam abordagens conclusivas ou explicações poética ou pretensamente corretas. Suas prestigitações poético-visuais também vão a contrapelo da voga contemporânea, no sentido em que não dão a mínima importância para a necessidade de guarda-costas travestidos de curadores ou de simplórios mediadores sempre sacando de suas algibeiras uma dica de “leitura” com vistas a acalmar a angústia do observador frente à obra-cacto, intratável. O humor esturricado de Joan Brossa, humor de poucos amigos emulatórios, tem mais a ver com Buster Keaton do que com Charles Chaplin.
Mas, por fim, todos os dilemas, ou os vícios e virtudes da poesia moderna e contemporânea, poderiam ser resumidos ou ter sua origem num ponto apenas, que é o que concerne ao verso livre. Embora seja um exagero insistir em dizer que o “ciclo histórico do verso está encerrado”, parece ficar cada vez mais claro que o verso livre modernista – que, diga-se de passagem, a maioria pratica ainda imperitamente, sem fazer vacilar suas contradições e possibilidades constitutivas – experimenta um momento de estagnação. Em artigo publicado recentemente Paulo Franchetti estuda na versificação contemporânea a “crise de verso” ou “crise do verso” na linguagem de alguns poetas. De acordo com o crítico, tornou-se já prática consagrada a “quebra arbitrária da frase, sem que se perceba na quebra mais do que o desígnio de quebrar”. Há algum tempo, num artigo publicado aqui mesmo em Sibila, onde avaliava a cena das revistas literárias, me referi a esses poetas que operam sobre o verso a partir tão-só do corte como “convencionais versemakers da fratura, da fragmentação”. Para Franchetti, uma parcela da poesia de hoje representa um “atestado de recusa do verso livre, ou de desconfiança nele como eficácia poética”. Enquanto isso, irmandades de poetas apuram suas ferramentas no aproveitamento acrítico desse verso fake resolvido na estabilidade de uma sempre e afetada elipse sintática.
Nem mesmo as vanguardas, que inventaram a “música sem-versista”: o poema como uma constelação suspensa na página; nem mesmo elas, conseguiram mudar o quadro. É como se as coisas atinentes ao verso e seus modais corressem num trilho à parte. Talvez isso se deva, em alguma medida, à precoce canonização do versilibrismo. O verso livre da fase áurea do modernismo representou uma possibilidade expressiva mais afim àquele momento histórico e ao que viria a seguir. O soneto, essa máquina parnasiana onde os poetas-medalhões se refestelavam com seu virtuosismo métrico, começara a emperrar. Em contrapartida, a defesa do verso não-metrificado, em alguns casos, foi tão dogmática quanto a dos que o repudiavam. A verdade é que o verso livre — mais como prática inercial do que como afirmação ou ensaio inventivo de um modelo conquistado — ainda tem muita coisa a ver com o verso metrificado que pretendeu substituir. Ou seja, embora pareça o debate não se encerra aqui.