“A amplitude da anistia na esfera penal em nada interfere
nos direitos reconhecidos à vítima no âmbito civil”
Uma das marcas mais claras de uma democracia robusta é certa proximidade dos fatos, saberes e dizeres jurídicos pela parte formalmente educada da população. Como elemento fundamental da cidadania, não apenas a justiça, mas também a jurisprudência “pertence ao povo”. E pertence, neste caso, através de algum conhecimento e reconhecimento, ou seja, de certa familiaridade − o oposto do estranhamento, do se manter estranho, distante, alheio. Tanto mais quando se trata de leis de caráter político, como a da anistia. Neste caso, houve de fato forte envolvimento da sociedade brasileira no momento histórico, o fim dos anos 1970, em que a anistia aos presos políticos da ditadura era uma demanda fundamental no caminho da restauração da democracia, pois não se concebe a prisão por razões políticas no estado democrático de direito, em que a participação e a manifestação políticas são, de certo modo, a própria base do sistema. Mas passado o período entre a aprovação da “Lei da Anistia” (1979) e a promulgação da Constituição de 1988, certo padrão histórico de grande distanciamento entre sociedade e Estado, que marca profundamente o “autismo” institucional e a fraca cidadania do país, logo voltou a se instalar com toda a força de um velho e arraigado hábito. O PT, então, vendeu ilusões reformistas, como Collor, antes, vendera ilusões moralizantes e FHC, em seguida, ilusões de racionalidade política (ainda que sua racionalidade econômica fosse um fato). Mas o fracasso reiterado e sistemático de sucessivos governos é o fracasso do sistema político, e o fracasso do sistema político é o fracasso da sociedade em reformá-lo. Como demonstram tanto a enorme força quanto a completa falta de resultados, apesar de tal força, das manifestações de julho de 2013, a sociedade brasileira, mesmo quando se sabe insatisfeita, absolutamente não sabe o que fazer a respeito. E esse não saber a condena a viver em uma espécie de democracia zumbi − que tem o corpo institucional da democracia representativa, mas sem mando e comando efetivos por parte de quem deveria dirigi-la, através de seus representantes políticos, no sentido de satisfazer suas principais e mais fundamentais demandas, além de garantir seus direitos básicos. Essa clivagem entre Estado e sociedade também marca a relação desta com seu sistema judicial e seu ordenamento jurídico.
A sentença reproduzida abaixo (juiz Gustavo Santini Teodoro, São Paulo, 7 de outubro de 2008) é um documento histórico exemplar, que Sibila publica com a dupla intenção de divulgá-lo e de oferecer a oportunidade de se tomar contato com a discussão jurídica como feita no país em relação a um fato histórico incontornável. Quando, em 1979, aprova-se a “Lei de Anistia”, ela iguala guerrilheiros (que lutaram com táticas de guerrilha contra o exército) e terroristas (que cometeram atentados, inclusive a bomba), torturadores a serviço do Estado (civis, policiais e militares) e cidadãos torturados (quer tivessem atuação em organizações clandestinas, no movimento estudantil ou na imprensa). Nos países da América Latina que passaram por ditaduras militares nos anos 1970, nenhum votou uma anistia tão “geral e irrestrita”, ou, se o fez, voltou atrás, como a Argentina. Na sentença reproduzida abaixo, envolvendo o notório torturador Brilhante Ustra, discute-se até que ponto a “Lei de Anistia” brasileira, apesar de completamente “geral”, é de fato “irrestrita”. Ou seja, o que afinal o ordenamento jurídico brasileiro, apesar dela, ainda preserva de salvaguardas aos que foram presos ilegalmente e torturados sob a “proteção” do Estado.
Luis Dolhnikoff
Vistos. JANAINA DE ALMEIDA TELES, EDSON LUIS DE ALMEIDA TELES, CÉSAR AUGUSTO TELES, MARIA AMÉLIA DE ALMEIDA TELES e CRIMEIA ALICE SCHMIDT DE ALMEIDA, alegando que foram vítimas de tortura, ajuizaram AÇÃO DECLARATÓRIA contra CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA. Na contestação (fls. 267-290), preliminarmente, o réu arguiu ilegitimidade passiva ad causam, falta de interesse processual em razão da lei de anistia, falta de interesse processual por inadequação da ação declaratória e falta de interesse processual em razão da prescrição da pretensão de condenação na reparação de danos morais. No mérito, negou a ocorrência dos fatos. Pediu a extinção do processo ou a improcedência da ação. Houve réplica (fls. 294-309). Seguiu-se decisão que rejeitou as preliminares e deferiu a produção de provas oral e documental (fls. 310). No curso do procedimento, diversos documentos vieram aos autos e testemunhas foram ouvidas. O réu interpôs agravos de instrumento contra o saneador e contra decisão proferida no curso da instrução, convertidos em agravos retidos. Encerrada a instrução (fls. 927), as partes apresentaram memoriais, sustentando seus pontos de vista (fls. 935-942 e 984-1015). Autos conclusos para sentença em 22 de setembro p.p., com juntada, nove dias depois, de cópia de recorte de jornal, dando conta da extinção de ação semelhante proposta por outros autores contra o réu, no dia 24 de setembro, por falta de interesse processual, em julgamento de agravo de instrumento, pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. É o relatório. Fundamento e decido.
1. Muito embora as questões preliminares já tenham sido decididas no saneador, é necessário reafirmar as razões pelas quais este processo comporta apreciação pelo mérito. Tal se justifica porque, com a conversão do agravo de instrumento interposto contra aquela decisão em agravo retido, não houve ainda o julgamento definitivo. Além disso, releitura da minuta do agravo revela argumentos que exigem análise mais fundamentada, em reforço do que decidido no saneador. São estas as questões: 1) ilegitimidade passiva ad causam; 2) falta de interesse processual em razão da lei de anistia; 3) falta de interesse processual por inadequação da ação declaratória; 4) falta de interesse processual em razão da prescrição da pretensão de condenação na reparação de danos morais.
1.1. Quanto à ilegitimidade passiva ad causam, não se desconhece o entendimento doutrinário de Hely Lopes Meirelles, no sentido de que “o Estado indeniza a vítima; o agente indeniza o Estado, regressivamente” (Direito Administrativo Brasileiro, 26a ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo et al, Malheiros, p. 619, apud Rui Stoco, Tratado de Responsabilidade Civil, 7a edição, Editora Revista dos Tribunais, Título VI, item 1.02, pág. 1354). Porém, como diz Rui Stoco (idem, ibidem, g.n.), em que pese a autoridade desse pronunciamento, o § 6o do art. 37 da CF, tal como o art. 107 da Carta anterior, como, aliás, já se acentuava em doutrina dominante, não exclui a ação do prejudicado contra o funcionário causador do dano. O aludido preceito constitucional reproduz, em substância, o art. 194 da Carta de 1946, que teve o sentido inequívoco de fixar a responsabilidade objetiva do Estado, aumentando as garantias de indenização do lesado. Como salientou Carlos Maximiliano, em comentário a essa regra constitucional, “cabe ao prejudicado sempre o direito de acionar o Estado, o que preferirá, em regra, pela certeza de se encontrar, na execução da sentença, com um devedor solvente” (Comentários à Constituição Brasileira de 1946, 1948, v. 3, p. 258). Contudo, nada impede que o lesado ingresse com a ação contra o próprio servidor ou contra ambos: a Fazenda Pública e o seu preposto. Caso ajuíze a ação apenas contra o servidor, terá de demonstrar sua culpa, ao contrário do que ocorreria se direcionasse a ação contra a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, mas prestadora de serviço público, caso em que se dispensa a comprovação de culpa, pois sua responsabilidade é objetiva. Rui Stoco menciona ainda vários juristas que admitem a propositura da ação de indenização contra o agente ou contra o Estado: Oswaldo Aranha Bandeira de Melo, Adilson de Abreu Dallari, Weida Zancaner Brunini, Yussef Said Cahali, Celso Antônio Bandeira de Mello. Muito embora a presente ação não seja indenizatória, mas sim apenas declaratória, não há razão jurídica que se possa validamente opor à integração do polo passivo pelo agente estatal ao qual se imputa a prática de tortura, à luz do parágrafo único do artigo 4o da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil): “É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito” Fundamentos para embasar a legitimidade passiva ad causam estão também nos três últimos parágrafos do item 2.2, infra, se bem que relacionados mais ao próprio mérito da ação.
1.2. A tese de que a Lei de Anistia acarreta falta de interesse processual nesta ação declaratória carece de fomento jurídico. É certo que a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, visou colocar “uma pedra nos acontecimentos do passado” (fls. 426, declaração do jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho, na página A7 da edição de 24 de novembro de 2006 do jornal O Estado de São Paulo), ou ainda, “cicatrizar feridas e reconciliar a nação por meio do esquecimento recíproco das violências mútuas, as quais haviam despertado emoções intensas e dolorosas” (fls. 445, artigo do coronel da reserva Jarbas Passarinho, na página A3 da edição de 28 de novembro de 2006 do jornal Folha de São Paulo). Entretanto, como já decidido no saneador, “a lei de anistia refere-se apenas a crimes, não a demandas de natureza civil”. Basta ler a Lei nº 6.683/79 para verificar que, no que diz respeito à anistia, seu campo de incidência é exclusivamente penal. E há ainda mais argumentos a considerar, a seguir transcritos, propositadamente extraídos de obras jurídicas consagradas, editadas antes da Lei nº 6.683/79. Basileu Garcia, Instituições de Direito Penal, vol. I, tomo II, 4a edição, 28a tiragem, Max Limonad, 1965, págs. 671, 673 e 674, g.n.: “A anistia […] tem em mira a pacificação dos espíritos, agitados por acontecimentos que, engendrando paixões coletivas, perturbam a ordem social, incidindo no Direito Penal. Aplica-se, em regra, a crimes políticos e a infrações que lhes sejam conexas. Às vezes, com o mesmo intuito apaziguador, são os seus efeitos estendidos a crimes militares, eleitorais, de imprensa e contra a organização do trabalho. […] Exatamente porque o seu escopo é a pacificação dos espíritos, tem o condão de, ex vi legis, ocasionar o esquecimento absoluto do delito praticado. Anistia quer dizer, etimologicamente, esquecimento. Para todos os fins penais, passa-se uma esponja sobre o caso criminal. […] Constitui matéria de controvérsia saber se o procedimento civil reparatório do dano ex delicto é obstado pela anistia, desde que esta envolve em perpétuo silêncio o acontecimento criminoso, “fonte do dever de indenizar. A opinião afirmativa exagera, inconsideradamente, no campo civil, os efeitos da anistia. Não é preciso ir-se tão longe. A anistia é uma renúncia à faculdade de punir. Como tal, só abrange direitos que podem ser renunciados pelo Estado, e não direitos de particulares, que são terceiros perante a munificência estatal”. Anibal Bruno, Direito Penal, parte geral, tomo 3o, 3a edição, 1967, pág. 202, g.n.: “Dessas formas de indulgência estatal, a de força extintiva mais enérgica e, portanto, de mais amplas consequências jurídicas é a anistia. Ela não se limita a excluir a pena, extingue o próprio crime e com ele todos os seus efeitos penais. Só lhe sobrevivem as obrigações de ordem civil. Caberá sempre ao responsável pelo dano o dever de indenizá-lo. O fato como crime cessa de existir, mas subsiste como acontecer histórico e dele podem resultar efeitos não-penais. Um destes é essa obrigação civil de reparação”. E. Magalhães Noronha, Direito Penal, 1o volume, 8a edição, Saraiva, 1972, págs. 379-380, g.n.: “Aplica-se, em regra, a crimes políticos, tendo por objetivo apaziguar paixões coletivas perturbadoras da ordem e da tranquilidade social; entretanto, tem lugar também nos crimes militares, eleitorais, contra a organização do trabalho e alguns outros. […] É o mais amplo dos institutos enumerados pelo Código, pois colima o esquecimento do crime, que, a bem dizer, desaparece, visto a lei da anistia revogar, no caso, a penal. Cessam, assim, os efeitos penais do fato […]. Já o mesmo não sucede com os efeitos civis. Não alcança a reparação civil a anistia, já que ela é tão-somente renúncia ao jus puniendi. Consequentemente, não abrangerá direitos, como a indenização do dano, que não pertencem ao Estado”. A menção que a doutrina penal faz à reparação civil é claramente exemplificativa, como se extrai especialmente do último trecho transcrito. A vítima não tem à sua disposição só a ação condenatória, pois, conforme o já mencionado parágrafo único do artigo 4o do Código de Processo Civil, “é admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito”. Para que não se suponha que essa consagrada ressalva dos efeitos civis teria passado por alguma espécie de revisão após a edição da Lei nº 6.683/79, com base em argumentos que jurídicos não poderiam ser, cabe transcrever doutrina mais recente, posterior a 1979, de Paulo José da Costa Jr., Comentários ao Código Penal, editora Saraiva, 1996, págs. 320 e 321, g.n.: “De todas as formas de clemência soberana, é a que produz efeitos mais amplos, dispondo de caráter essencialmente geral. Como visa quase sempre a pacificação dos espíritos tumultuados, aplica-se via de regra aos crimes políticos, podendo ainda ter seus efeitos aplicados a crimes militares, eleitorais, de imprensa, ou contra a organização do trabalho. A anistia, que etimologicamente significa esquecimento, procura passar uma esponja sobre os fatos acontecidos, apagando por completo o passado. […] Subsistem apenas os efeitos civis do delito, que ensejam sempre o ressarcimento do dano, já que a medida não poderá abranger direitos estranhos ao Estado. […] Poderá a anistia ser geral (ampla) ou parcial (restrita). Sendo geral, beneficia indistintamente todos os autores e se estende a todos os fatos. Sendo parcial, restringe seus efeitos a determinados autores, ou a certos crimes praticados”. Para maior clareza, se já não bastasse a lição consagrada dos juristas, admitir esta ação declaratória não representa “revisão da lei de anistia”, ou outra heterodoxia jurídica parecida. Significa, apenas e tão somente, que a amplitude da anistia na esfera penal em nada interfere nos direitos reconhecidos à vítima no âmbito civil.
1.3. Também não pode ser acolhido o argumento segundo o qual falta interesse processual porque inadequada a ação declaratória. Pode-se questionar se de um ato ilícito surge relação jurídica. A resposta vem do consagrado Pontes de Miranda: “Relação jurídica é a relação inter-humana, a que a regra jurídica, incidindo sobre os fatos, torna jurídica” (Tratado de Direito Privado, parte geral, tomo I, 4a edição, editora RT, 1977, § 39, pág. 117). “Às vezes, o direito e o dever, a pretensão é a obrigação, ou a ação, ou a exceção, que irradiam da relação jurídica são ao longo e ao largo de toda ela. Nenhum efeito mais surge; toda a eficácia se produziu. […] C feriu a D: deve-lhe a indenização. São as relações jurídicas unigeradoras” (idem, § 43, pág. 130). Na doutrina de Pontes de Miranda, ato ilícito como o exemplificado por último considera-se “ato ilícito absoluto”, tratado, conforme legislação então em vigor, nos artigos 159 e 1.518 do Código Civil de 1916, que cuidam da responsabilidade civil. Distingue-se do ato ilícito relativo, “cuja ilicitude concerne à vinculação negocial, que se infringiu” (ob. cit., parte especial, tomo LIII, 3a edição, editor Borsoi, 1972, § 5.501, pág. 81). A vítima do ato ilícito absoluto tem à sua disposição diversas ações. Em duas linhas, com clareza e objetividade, Pontes de Miranda menciona uma delas: “A ação declaratória pode ser proposta pelo lesado ou pela pessoa a que se atribui responsabilidade” (ob. cit., parte especial, tomo LIV, 3ª edição, editor Borsoi, 1972, § 5.553, pág. 176). Exposição mais detalhada, que conduz inequivocamente à conclusão enunciada por Pontes de Miranda no Tratado de Direito Privado, encontra-se em sua obra Tratado das Ações, atualizada por Vilson Rodrigues Alves, tomo II, 1a edição, editora Bookseller, 1998, § 4o, pág. 61, g.n.: “A ação declarativa, a que se faz referência especial, a propósito de interesse jurídico, dito interesse legítimo no art. 76 do Código Civil, declara (i. é, faz claro) que existe, ou que não existe direito, pretensão, dever, obrigação, ação ou exceção. Somente não pode ter por objeto algum fato, inclusive ato, positivo ou negativo, que não entrou, nem vai entrar no mundo jurídico; isto é, que permaneceu, exclusivamente, no mundo fático. A relação jurídica, que se há de declarar, pode ter provindo, ou ter de provir, de negócio jurídico, de ato jurídico stricto sensu, de ato-fato jurídico, de fato jurídico, de ato ilícito relativo ou absoluto, ou de fato ilícito. A posição de relação jurídica, no mundo jurídico, é indiferente para o cabimento da ação declarativa”. À luz de tudo que se expôs, pode-se afirmar que tortura, como ato ilícito absoluto, faz nascer uma relação jurídica, que pode ser objeto de ação declaratória. Voltem-se algumas páginas naquele tomo do Tratado das Ações (pág. 56, g.n.), para constatar também que a natureza da discussão travada nestes autos não é obstáculo à ação declaratória: “O interesse jurídico na declaração não precisa ser de direito privado, pode ser de direito público, ou moral, no campo privado ou no campo público (e.g., político)”. É certo que a presente ação declaratória é bastante incomum e pode dar margem a interpretações leigas equivocadas. Para que estas não contaminem a análise, que deve ser técnico-jurídica, vem a calhar, novamente, do Tratado das Ações, o que pontifica seu autor (tomo II, pág. 49): “As relações jurídicas (e) são, necessariamente, irradiações de fatos jurídicos (d) e em todos os fatos jurídicos há fatos puros, (c) que compõem ou entram na composição do suporte fático (b) da regra jurídica (a). Mas o que se quer seja declarado e se pode declarar, na sentença que se profere, é (e) e não (d), (c), (b) ou (a). Às vezes, nos julgados, se diz declarar-se (d), ou declarar-se o direito, a pretensão, a ação, ou a exceção, mas ao direito, à pretensão, à ação ou à exceção corresponde relação jurídica necessariamente, e é isso o que se declara. Os autores de ações declarativas não raro pedem declaração de (d), e são repelidos; outras vezes, de (c), e as decisões frisam o erro no pedido […]. É aconselhável, quando se pede a declaração de (d), que o juiz busque nas postulações ou na discussão posterior salvar a ação, descobrindo qual a relação jurídica, resultante de (d), cuja existência se controverteu”. Nestes autos, o que se pede na inicial não é declarar que ocorreu tortura, que os autores foram torturados e que o réu é torturador, mas sim declarar que existe entre as partes relação jurídica, nascida da prática de tortura, geradora de danos morais, irrelevante, à luz do artigo 4o, parágrafo único, do Código de Processo Civil, se a indenização não foi pedida. Toda esta análise não objetiva “salvar a ação”, pois basta leitura da inicial para ver que a pretensão é exatamente declarar a existência de relação jurídica de responsabilidade civil, nascida da prática de ato ilícito, gerador de danos morais. Realmente, a petição inicial descreve fatos, que são atos ilícitos absolutos; estes compõem o suporte fático das normas jurídicas adiante analisadas (itens 2.1 a 2.3); o pedido é de declaração de existência de relação jurídica (“reconhecendo-se a existência de relação jurídica”); a menção, no pedido, a fatos da causa de pedir, que entram na composição do suporte fático das normas (“agir com dolo”, “cometer ato ilícito passível de reparação”, ‘causar danos morais”), não obnubila o caminho escolhido, mas apenas sintetiza, das 45 páginas da peça, em que consiste a relação jurídica que se quer declarar (responsabilidade civil).
1.4. Os fundamentos para rejeitar, no saneador, a preliminar de falta de interesse processual, por prescrição da pretensão condenatória de reparação dos danos morais, foram estes: “ação declaratória”, especialmente no caso destes autos, em que estão em causa direitos da personalidade e direitos humanos, “é imprescritível”.
1.4.1. Conforme precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça (Primeira Turma, AgRg no Recurso Especial nº 616.348, MG, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, j. 14 de dezembro de 2004, v.u., trecho da ementa), a doutrina processual clássica assentou o entendimento da imprescritibilidade da ação declaratória “baseada em que (a) a prescrição tem como pressuposto necessário a existência de um estado de fato contrário e lesivo ao direito e em que (b) tal pressuposto é inexistente e incompatível com a ação declaratória, cuja natureza é eminentemente preventiva. Entende-se, assim, que a ação declaratória (a) não está sujeita a prazo prescricional quando seu objeto for, simplesmente, juízo de certeza sobre a relação jurídica, quando ainda não transgredido o direito; todavia, (b) não há interesse jurídico em obter tutela declaratória quando, ocorrida a desconformidade entre estado de fato e estado de direito, já se encontra prescrita a ação destinada a obter a correspondente tutela reparatória”. Do corpo do v. acórdão, extraem-se estas lições: Realmente, segundo Chiovenda (a quem se atribui a formulação da doutrina da imprescritibilidade), “o autor que requer uma sentença declaratória não pretende conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja garantido por vontade da lei, seja que o bem consista numa prestação do obrigado, seja que consista na modificação do estado jurídico atual […]; pleiteia no processo a certeza jurídica e nada mais” (Instituições de Direito Processual Civil, Vol. 1, Bookseller Editora e Distribuidora, 1998, p. 260). Justamente por isso, a doutrina clássica acentua o caráter tipicamente preventivo das ações declaratórias. Não são lides de dano, mas de probabilidade de dano, dizia Carnellutti (Derecho Y Proceso, trad. Santiago Sentis Melendo, Ed. Jurídicas Europa-América, Buenos Aires, vol. I, p. 67). Nessas ações, ensinava Calamandrei, a declaração de certeza refere-se ao preceito primário, “ainda não transgredido, mas incerto”, e não ao mandado sancionatório, que supõe a ocorrência da lesão; é, portanto, ação destinada a “prevenir os atos ilegítimos” e “dar às partes uma regra para sua conduta futura” (Instituciones de Derecho Procesal Civil, trad. de Santiago Sentis Melendo, Ed. Bibliográfica Argentina, 1945, vol. I, p. 152/3 e 168). Assim, segundo os padrões tradicionais, nas lides que fazem surgir interesse de mera declaração fica caracterizado o caráter preventivo da correspondente tutela jurisdicional. Sua origem está, não no descumprimento da obrigação, mas sim na dúvida a respeito da existência da relação jurídica, ou do seu modo de ser ou, quem sabe, do conteúdo da prestação ou da sanção que, no futuro, poderá ser exigida. Ora, esclarecia Chiovenda, “de ordinario no hay prescripción donde no hay un estado de hecho, en sentido estricto, diverso de aquel que corresponde al derecho, a consolidar, o un estado jurídico imperfecto a sanar […] Así se comprende también por qué las acciones de declaración de mera certeza son imprescriptibles” (Ensayos de Derecho Procesal Civil, vol I, Bosch y Cía. Editores, 1949, p. 32). O mesmo raciocínio veio em outro de seus textos: “Há, todavia, ações imprescritíveis. Assim, […] em geral as ações de mera declaração, porquanto não se destinam a fazer cessar um estado de fato contrário, em sentido próprio, mas a declarar qual é o estado de fato conforme ao direito, fazendo cessar a propósito o estado de incerteza […]. No silêncio da lei deve reputar-se imprescritível, ou não, uma ação, consoante se proponha ou não fazer cessar um estado de fato contrário ao direito ou um estado jurídico viciado (por exemplo, por vício da vontade, de forma ou outro)” (Instituições, cit. p. 50). Foi nesse ambiente que a tese da imprescritibilidade da ação declaratória aportou em nosso sistema. Ilustrativa, no particular, a resenha de Agnelo Amorin Filho, em testo publicado em 1960, (“Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis”, Revista dos Tribunais, vol. 300, out./1960, p. 7-37), segundo a qual “os vários autores que se dedicaram à análise do termo inicial da prescrição fixam esse termo, sem discrepância, no nascimento da ação (actio nata), determinado, tal nascimento, pela violação de um direito”. Savigny, por exemplo, no capítulo da sua monumental obra dedicada ao estudo das condições da prescrição inclui, em primeiro lugar, a actio nata, e acentua que esta se caracteriza por dois elementos: a) existência de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo; e b) violação desse direito. Opinando no mesmo sentido, podem ser citados vários outros autores, todos mencionando aquelas duas circunstâncias, que devem ficar bem acentuadas (o nascimento da ação como termo inicial da prescrição, e a lesão ou violação de um direito como fato gerador da ação): De Ruggiero, Instituições de Direito Civil, vol. 1º, págs. 324 e 325; Carpenter, Da Prescrição, pág. 269 da 1ª ed.; Von Tuhr, Derecho Civil, vol. 3º, tomo 2º, pág. 202, da trad. cast.; Ennecerus-Kipp e Wolf, Tratado de Derecho Civil, tomo 1º, vol. 2º, pág. 510 da trad. cast.; Ebert Chamoun, Instituições de Direito Romano, pág. 68; Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, vol. VI, pág. 114; Lehmann, Tratado de Derecho Civil, vol. 1º, pág. 510, da trad.castelhana ” (p. 18/19). “Desse modo”, prossegue Agnelo Amorin Filho, “fixada a noção de que a violação do direito e o início do prazo prescricional são fatos correlatos, que se correspondem como causa e efeito, e articulando-se tal noção com aquela classificação dos direitos formulada por Chiovenda, concluir-se-á, fácil e irretorquivelmente, que só os direitos da primeira categoria (isto é, os ‘direitos a uma prestação’), conduzem à prescrição, pois somente eles são suscetíveis de lesão ou de violação, conforme ficou amplamente demonstrado. […] Por via de consequência, chegar-se-á, então, a uma segunda conclusão importante: só as ações condenatórias podem prescrever, pois são elas as únicas ações por meio das quais se protegem os direitos suscetíveis de lesão, isto é, os da primeira categoria da classificação de Chiovenda” (p. 19/20). E conclui o mesmo autor, mais adiante: “Ora, as ações declaratórias nem são meio de proteção ou restauração de direitos lesados, nem são, tampouco, meio de exercício de quaisquer direitos (criação, modificação ou extinção de um estado jurídico) […]. Daí é fácil concluir que o conceito de ação declaratória é visceralmente inconciliável com os institutos da prescrição e da decadência: as ações desta espécie não estão, e nem podem estar, ligadas a prazos prescricionais ou decadenciais. Realmente, como já vimos, o objetivo da prescrição é liberar o sujeito passivo de uma prestação, e o da decadência, o de liberá-lo da possibilidade de sofrer uma sujeição. Ora, se as ações declaratória não têm o efeito de realizar uma prestação, nem tampouco o de criar um estado de sujeição, como ligar essas ações a qualquer dos dois institutos em análise” (p. 25/26). Compreensível, portanto, à luz de tais padrões clássicos, a doutrina da imprescritibilidade da ação declaratória. Entretanto, é importante dar à tese os seus adequados limites, a fim de torná-la compatível com o atual sistema processual brasileiro. Como se sabe, o Código de 1973, no parágrafo único do art. 4º, traz dispositivo segundo o qual “é admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação do direito”. Ao assim estabelecer, dá ensejo a que a sentença, agora, possa fazer juízo, não apenas sobre o “mandado primário ainda não transgredido”, como restringia a doutrina clássica, mas também sobre o da “mandado sancionatório”, permitindo juízo de definição inclusive a respeito da exigibilidade da prestação devida. Isso representa, sem dúvida, um comprometimento do padrão clássico de tutela puramente declaratória (especialmente com seu caráter de tutela tipicamente preventiva), circunstância que não pode ser desconsiderada pelo intérprete do Código. Quando isso ocorre (ou seja, quando a ação declaratória diz respeito a relação jurídica decorrente de lesão a direito, ou de descumprimento da obrigação ou de outro qualquer estado de fato desconforme ao direito), é insustentável a tese da imprescritibilidade. Ocorrida a lesão, desencadeia-se o curso de prazo prescricional da ação, qualquer que seja a natureza da pretensão que nela se formula. Nosso atual Código Civil traz esse enunciado de modo expresso, em seu artigo 189: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Aliás, essa circunstância não passou desapercebida nem mesmo para a doutrina clássica, valendo repetir o que escreveu Chiovenda: “No silêncio da lei deve reputar-se imprescritível, ou não, uma ação, consoante se proponha ou não fazer cessar um estado de fato contrário ao direito ou um estado jurídico viciado (por exemplo, por vício da vontade, de forma ou outro)” (Instituições, cit. p. 50). Conforme referiu Agnelo Amorin Filho, levando em consideração a possibilidade de ação declaratória ter por objeto direitos “de uma das outras duas categorias de ações (condenatórias ou constitutivas) […] acentuam Chiovenda (Ensayos de derecho procesal civil, 1/129 da trad. cast.) e Ferrara (A simulação dos negócios jurídicos, pág. 458 da trad. port.), que quando a ação condenatória está prescrita, não é razão para se considerar também prescrita a correspondente ação declaratória, e sim para se considerar que falta o interesse de ação para a declaração para a declaração da certeza” (op. cit., p. 26). Em suma, a tese da imprescritibilidade deve ser compreendida nos seguintes termos: a ação declaratória não está sujeita a prazo prescricional se o seu objeto for, simplesmente, juízo de certeza sobre a relação jurídica, quando ainda não transgredido o direito. Todavia, não há interesse jurídico em obter tutela declaratória quando, ocorrida a violação (i. é, a desconformidade entre estado de fato e estado de direito), já se encontra prescrita a ação destinada a obter a correspondente tutela reparatória.
1.4.2. Em outro julgado do Superior Tribunal de Justiça (Segunda Turma, Recurso Especial nº 602.237 PB, Relator Ministro Franciulli Netto, j. 05 de agosto de 2004, v.u., trecho da ementa), entendeu-se que “em se tratando de direitos fundamentais, das duas uma, ou deve a ação ser tida como imprescritível ou, quando menos, ser observado o prazo comum prescricional do direito civil, a menos que se queira fazer tábula rasa do novo Estado de Direito inaugurado, notadamente, a partir da atual Constituição Federal”. Do corpo do v. acórdão, extraem-se estes escólios: Na lição de Alexandre de Moraes, os direitos humanos fundamentais são “o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana” (Direitos Humanos Fundamentais, 4ª ed., Atlas, São Paulo, 2002, p. 39). Em se tratando de lesão à integridade física, que é um direito fundamental, ou se deve entender que esse direito é imprescritível, pois não há confundi-lo com seus efeitos patrimoniais reflexos e dependentes, ou a prescrição deve ser a mais ampla possível, que, na ocasião, nos termos do artigo 177 do Código Civil então vigente, era de vinte anos. […] Como bem assevera José Afonso da Silva, “o exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se verificam requisitos que importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. […] Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição” (Curso de Direito Constitucional, 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 181). […] A respeito do tema, a colenda Primeira Turma desta egrégia Corte, no julgamento de questão atinente à responsabilidade civil do Estado por prática de tortura no período militar, salientou que, “em casos em que se postula a defesa de direitos fundamentais, indenização por danos morais decorrentes de atos de tortura por motivo político ou de qualquer outra espécie, não há que prevalecer a imposição quinquenal prescritiva”. Nesse diapasão, concluiu que “a imposição do Decreto nº 20.910/1932 é para situações de normalidade e quando não há violação a direitos fundamentais protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição Federal” (REsp 379.414/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 17.02.2003). No mesmo sentido, vide o REsp 476.549/RJ, voto proferido em 08.04.2003, e o REsp 449.000/PE, DJ 30.06.2003, da relatoria deste signatário. Porém, no Recurso Especial nº 602.237 PB, cuidava-se de hipótese de ação proposta por mãe de vítima falecida em virtude de acidente automobilístico em veículo conduzido por servidor público estadual. Este Juízo, como se vê no saneador, adota o entendimento da imprescritibilidade, mas apenas, ressalte-se, nos casos de violação de direitos humanos fundamentais, e não em hipóteses como a daquele Recurso Especial. Em outros termos, este Juízo segue o entendimento exteriorizado no voto da Excelentíssima Senhora Ministra Eliana Calmon, no Recurso Especial nº 602.237 PB, g.n.: “Sob a égide da Constituição de 88, inaugurou-se no Brasil uma nova visão do fenômeno jurídico, dando-se primazia aos princípios constitucionais, de forma a estar o magistrado autorizado a afastar a lei ordinária, se esta colidir com algum princípio da Lei Maior. Como a Carta da República tem como um dos seus princípios fundamentais a preservação da dignidade da pessoa humana, tem-se sustentado a imprescritibilidade do direito à recomposição material ou moral, quando a lesão é causada por ato político, o qual deixa a vítima inteiramente à mercê do Estado. Daí o reconhecimento da imprescritibilidade da ação de indenização dos que sofreram tortura ou outro dano qualquer por ato praticado durante o governo revolucionário de 1964, diante da fragilidade da vítima para se insurgir contra o Estado. O entendimento acima expresso, entretanto, por se constituir em visão excepcional, tem aplicação restrita, não podendo ser estendido a todos os episódios em que houver lesão à vida, mesmo sendo esta o bem maior, acima de todos os demais direitos”. Não interfere na análise o fato de figurar no polo passivo o agente estatal, porque não há fundamento jurídico, doutrinário ou jurisprudencial, que autorize traçar, no tema discutido, uma linha divisória entre a ação condenatória ou declaratória proposta contra o Estado e a ação condenatória ou declaratória ajuizada contra o seu agente. Portanto, dada a imprescritibilidade da ação voltada à indenização por violação de direitos humanos fundamentais, é impertinente argumentar com falta de interesse processual na respectiva ação declaratória, por decurso do prazo prescricional para a ação condenatória.
1.4.3. De todo modo, ainda que se adotasse a tese da prescritibilidade quando violados direitos humanos fundamentais, o termo inicial haveria de ser a data da entrada em vigor da nova ordem constitucional, que marcou o fim do regime de exceção constitucional. Nesse sentido, confira-se este precedente, também do Colendo Superior Tribunal de Justiça (Segunda Turma, Recurso Especial nº 462.840 PR, Relator Ministro Franciulli Netto, j. 02 de setembro de 2004, v.u., ementa na íntegra, g.n.): “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO, PRISÃO E TORTURA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL VINTENÁRIO. CC/16. TERMO A QUO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. NÃO-OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO NA ESPÉCIE. No que toca ao termo a quo do prazo prescricional, a Lei n. 9.140/95, que cuida do reconhecimento como mortas de pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, não se aplica à hipótese dos autos, em que não houve morte ou desaparecimento, mas perseguição, prisão e tortura durante o regime militar. Conforme restou concluído por esta Turma, por maioria, no julgamento do Recurso Especial 602.237/PB, de minha relatoria, em se tratando de lesão à integridade física, que é um direito fundamental, ou se deve entender que esse direito é imprescritível, pois não há confundi-lo com seus efeitos patrimoniais reflexos e dependentes, ou a prescrição deve ser a mais ampla possível, que, na ocasião, nos termos do artigo 177 do Código Civil então vigente, era de vinte anos. In casu, segundo salientou o r. Juízo de primeiro grau, ‘de acordo com a inicial, bem como com a documentação juntada e prova produzida nos autos, o autor teria sofrido perseguição política durante os anos de 60 e 70’ (fl. 255). Ocorre, porém, que o termo a quo do prazo prescricional não deve ser contado da data de acontecimento dos fatos, mas sim da Constituição Federal de 1988, que, no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, afastou a legalidade dos atos anteriormente praticados. Dessa forma, como a ação foi ajuizada em 1996, na espécie não ocorreu a prescrição, pois não se passaram os vinte anos previstos no Código Civil de 1916 entre o ajuizamento da ação e a promulgação da Constituição Federal de 1988. Recurso especial provido, para afastar a ocorrência da prescrição quinquenal do direito aos danos morais e determinar o retorno dos autos à Corte de origem para que sejam analisadas as demais questões de mérito”. Então, ainda que se entendesse prescritível a ação condenatória quando em questão direitos humanos fundamentais, não se haveria de considerar ausente o interesse processual para a presente ação declaratória, porque foi proposta em 2005, ou seja, antes de expirado o prazo vintenário, contado a partir de 1988. 2. Portanto, não há razão para reconsiderar o que decidido no saneador. A ação deve ser examinada pelo mérito, sem conversão do julgamento em diligência, como requerido pelo réu nos memoriais, porque já foi assegurada oportunidade para ampla defesa. 2.1. Sobre direitos fundamentais, a consulta à obra de Flávia Piovesan (Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 7a edição, editora Saraiva, 2007, págs. 127-129, 131, 137-138, 140, g.n.) traz dados importantes ao julgamento. “A Carta das Nações Unidas de 1945 consolida […] o movimento de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto de instituições internacionais e do direito internacional. Basta, para tanto, examinar os arts. 1o (3), 13, 55, 56 e 62 (2 e 3), da Carta das Nações Unidas. […] Embora a Carta das Nações Unidas seja enfática em determinar a importância de defender, promover e respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais […], ela não define o conteúdo dessas expressões, deixando-as em aberto. Daí o desafio de desvendar o alcance e significado da expressão “direitos humanos e liberdades fundamentais”, não definida pela Carta. Três anos após o advento da Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, veio a definir com precisão o elenco dos “direitos humanos e liberdades fundamentais”. Contudo, ainda que a Carta da ONU tenha adotado linguagem vaga e imprecisa no que se refere aos “direitos humanos e liberdades fundamentais”, os dispositivos, já aludidos, pertinentes à promoção desses direitos implicaram importantes consequências. Na visão de Thomas Buergenthal: “A Carta das Nações Unidas ‘internacionalizou’ os direitos humanos. Ao aderir à Carta, que é um tratado multilateral, os Estados-partes reconhecem que os ‘direitos humanos’, a que ela faz menção, são objeto de legítima preocupação internacional e, nesta medida, não mais de sua exclusiva jurisdição doméstica. […] A Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais. Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a Declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos. […] Mas qual o valor jurídico da Declaração Universal de 1948? A Declaração Universal não é um tratado. Foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas sob a forma de resolução, que, por sua vez, não apresenta força de lei. O propósito da Declaração, como proclama seu preâmbulo, é promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais a que faz menção a Carta da ONU, particularmente nos arts. 1o (3) e 55. Por isso […], a Declaração Universal tem sido concebida como a interpretação autorizada da expressão ‘direitos humanos’, constante da Carta das Nações Unidas, apresentando, por esse motivo, força jurídica vinculante. Os Estados membros das Nações Unidas têm, assim, a obrigação de promover o respeito e a observância universal dos direitos proclamados pela Declaração. […] Há, contudo, aqueles que defendem que a Declaração teria força jurídica vinculante por integrar o direito costumeiro internacional e/ou os princípios gerais de direito, apresentando, assim, força jurídica vinculante. […] Nessa ótica, por exemplo, a proibição da escravidão, do genocídio, da tortura, de qualquer tratamento cruel, desumano ou degradante e de outros dispositivos da Declaração consensualmente aceitos assumem o valor de direito costumeiro internacional ou princípio geral do direito internacional, aplicando-se a todos os Estados e não apenas aos signatários da Declaração. […] Para esse estudo, a Declaração Universal de 1948, ainda que não assuma a forma de tratado internacional, apresenta força jurídica obrigatória e vinculante, na medida em que constitui a interpretação autorizada da expressão ‘direitos humanos’ constantes dos arts. 1o (3) e 55 da Carta das Nações Unidas. Ressalte-se que, à luz da Carta, os Estados assumem o compromisso de assegurar o respeito universal e efetivo aos direitos humanos. Ademais, a natureza jurídica vinculante da Declaração Universal é reforçada pelo fato de, na qualidade de um dos mais influentes instrumentos jurídicos e políticos do século XX, ter-se transformado, ao longo dos mais de cinquenta anos de sua adoção, em direito costumeiro internacional e princípio geral do direito internacional”. Para este julgamento, basta ter como certo que a Carta das Nações Unidas de 1945, como tratado multilateral aprovado no Brasil, obriga o país, desde aquela época, a respeitar os direitos humanos fundamentais, ainda que a Declaração Universal de 1948, concebida “de modo a não conter obrigações internacionais”, não pudesse ser considerada, na época dos fatos discutidos nesta demanda, quando passados pouco mais de 20 anos de sua promulgação, parte do direito costumeiro internacional. O artigo 5o da Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.
2.2. A propósito do tema segurança nacional, transcreve-se trecho de depoimento do general Adyr Fiúza de Castro, ex-chefe do CODI (Centro de Operações e Defesa Interna), a Araújo, Soares e Castro, em Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão, Relume Dumará, 1994, apud Larissa Brisola Brito Prado, Estado Democrático e Políticas de Reparação no Brasil: torturas, desaparecimentos e mortes no regime militar, página 39, dissertação de mestrado apresentada à Banca Examinadora do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, publicada no site http: // libdigi. unicamp. br / document / ? code = vtls 000321605: “Nós verificamos que se estava organizando a luta armada por esses diferentes grupos. Através de nossos infiltrados, dos nossos informantes, e pela escuta telefônica, nós sabíamos que eles estavam tramando coisas realmente violentas, cujo início foi o sequestro do embaixador [dos EUA] […] Era preciso haver um órgão que fizesse uma avaliação nacional, porque a ALN e todas as organizações existiam em âmbito nacional, escolhiam o local e o momento para atuar, independente de fronteiras estaduais ou jurisdição […] Então, nós tivemos que fazer com que os crimes contra a segurança nacional fossem julgados por um órgão nacional, federal, que eram as Auditorias Militares e o Supremo Tribunal Militar. Mas as Auditorias e o Supremo Tribunal Militar só julgavam inquéritos e processos oriundos da área militar, tivemos que fazer com que os crimes contra a segurança nacional fossem todos lançados para a área militar, para abrir o inquérito e ajuizar a auditoria. E era necessário que estes órgãos tivessem autonomia para atuar em todo o território nacional […] Foram criados, então, o CIE e o Destacamento de Operações de Informações (DOI), que tinham total independência e autonomia no âmbito daquela área militar. Foi por isso que foram criados e que o Exército se envolveu. Porque era uma luta nacional, e não podia ficar limitada às esferas estaduais”. Para melhor contextualizar a questão da luta armada e seus objetivos, transcreve-se trecho da carta que Carlos Marighella escreveu à Comissão Executiva do PC do B, extraído da mesma dissertação de mestrado, página 36: “A Executiva ainda pensa em infligir à ditadura derrotas eleitorais capazes de debilitá-la. E dá grande importância ao MDB, apontado como capaz de permitir aglutinação de amplas forças contra a ditadura… Parece não se ter compreendido Lênin, quando em Duas táticas afirma que ‘os grandes problemas da vida dos povos se resolvem somente pela força’. Depois de tanto se ter falado que a violência das classes dominantes se responderia com a violência das massas, nada foi feito para que as palavras coincidissem com os atos. Esquece-se o prometido e continua-se a pregar o pacifismo. Falta o impulso revolucionário, a consciência revolucionária que é gerada pela luta. A saída do Brasil, a experiência atual está mostrando, só pode ser a luta armada, o caminho revolucionário, a preparação da insurreição do povo, com todas as consequências e implicações que daí resultarem”. Sem embargo disso tudo, em nenhuma circunstância a tortura pode ser considerada legítima (v. item 2.1, supra). Mesmo quem atenta contra a segurança do Estado, mesmo quem se inspira em doutrinas vigorantes em nações que se abstiveram, em 1948, de votar pela aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mesmo essas pessoas têm direito à preservação de sua dignidade e, portanto, não devem ser submetidas a tortura. A investigação, a acusação, o julgamento e a punição, mesmo quando o investigado ou acusado se entusiasme com ideias aparentemente conflitantes com os princípios subjacentes à promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, devem sempre seguir a lei. O agente do Estado não deve torturar, pois qualquer autorização nesse sentido só pode ser clandestina ou manifestamente ilegal. Os fins não justificam os meios. Aliás, não se tem conhecimento de norma que, na época dos fatos, autorizasse militares a torturarem presos. Muito pelo contrário, os artigos 3o e 4o da Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, ainda em vigor, enumeravam as hipóteses de abuso de autoridade, entre os quais o atentado à incolumidade física do indivíduo e a submissão de pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei. Tortura sem dúvida implica atentado à incolumidade física, vexame e constrangimento não autorizado em lei. Mais ainda, o artigo 5o da mesma lei definiu autoridade como “quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração”. Outrossim, conforme artigo 6o, “o abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa, civil e penal”. Portanto, de acordo com a lei, o militar que praticasse tortura responderia pessoalmente pelo delito, inclusive na esfera civil. 2.3. O réu afirma que os autores César Augusto, Maria Amélia e Crimeia não eram perseguidos políticos, mas sim “procurados pelos Órgãos de Segurança por atentarem contra a segurança do regime vigente. […] As equipes que os prenderam não fizeram mais que cumprir as leis vigentes na época. […] O réu […] nunca participou de sessões de tortura ou de qualquer atividade ilegal descrita pelos autores na inicial” (v. memoriais – fls. 1006-1009). Porém, a testemunha Marly Rodrigues (fls. 362-364), que ficou presa cerca de 15 dias, em janeiro de 1973, na mesma cela que a autora Maria Amélia, relatou que esta foi torturada e tinha marcas disso pelo corpo. Essa testemunha disse que o réu lhe aplicou tortura psicológica, desmoralizando-a perante seus familiares e fazendo considerações sobre sua pessoa e posições políticas, sempre em tom de voz alto e agressivo, com emprego de palavras de baixo calão. Além disso, ouviu gritos de pessoas sendo torturadas e viu também marcas em outros presos, resultantes das torturas. Sofreu, como os outros presos, com os sons que antecediam as torturas: o tilintar das chaves nos bolsos dos agentes, o barulho da abertura da porta de aço da sala de tortura. Acrescentou que os presos na OBAN apontavam o então Major Ustra como chefe daquela estrutura. Mais ainda, a testemunha Joel Rufino dos Santos (fls. 371-372), preso em dezembro de 1972, ficou na mesma cela do autor César Augusto. Viu o réu no DOI e disse que era ele quem comandava as operações de tortura. Acrescentou que, indiretamente, presenciou as torturas dos autores Maria Amélia e César Augusto, pois viu quando eles retornaram para as celas com ferimentos. Especificamente quanto ao autor César Augusto, afirmou que o viu retornar várias vezes à sua cela após ser torturado, fisicamente muito mal. Disse que foi pessoalmente interrogado pelo réu, o qual o ameaçou, o espancou e lhe aplicou choques elétricos. Foi posto nu, durante seu interrogatório. Não foi muito diferente o testemunho da testemunha Elia Menezes Rola (fls. 373-374). Declarou que não se lembrava de fisionomias e nomes de torturadores, razão pela qual nada podia afirmar quanto ao réu. Contudo, presa na mesma cela da autora Maria Amélia, viu esta retornar das sessões de tortura com lesões pelo corpo, quase sempre irreconhecível. Acrescentou que sofreu tortura consistente em agressões a soco, mas nunca foi parar no pau-de-arara. Relatou que o tilintar das chaves de um carcereiro chamado Marechal prenunciava as torturas. A testemunha Ricardo Maranhão (fls. 375-376) também ficou duas ou três semanas numa solitária e mais duas ou três semanas numa cela coletiva. Nesse período, presenciou a autora Crimeia, que estava grávida, ser torturada, com pancadas na cabeça. Não soube dizer quem a torturou. Mencionou que, na sala de tortura, passavam vários torturadores para aplicação das sevícias. Disse que também foi torturado, levando socos e choques elétricos. Viu outros presos serem torturados. Ouviu os gritos de outros presos submetidos a tortura. Chamou o local de “casa de horrores”. Na contestação, o próprio réu informou que comandou o DOI-CODI do II Exército e dirigiu a OBAN entre 29 de setembro de 1970 e 23 de janeiro de 1974. Os testemunhos são justamente da época em que lá estavam presos os autores César Augusto, Maria Amélia e Crimeia. Do que disseram as testemunhas, extrai-se que o local era realmente uma “casa de horrores”, razão pela qual o réu não poderia ignorar o que ali se passava. Ainda que as testemunhas não tenham visto todos esses três autores serem torturados especificamente pelo réu, este não tinha como ignorar os atos ilícitos absolutos que ali se praticavam, pois o comando do DOI-CODI e a direção da OBAN estavam a seu cargo. Não é crível que os presos ouvissem os gritos dos torturados, mas não o réu. Se não o dolo, por condescendência criminosa, ficou caracterizada pelo menos a culpa, por omissão quanto à grave violação dos direitos humanos fundamentais dos autores César Augusto, Maria Amélia e Crimeia, os quais certamente sofreram danos morais, pois tortura é ato suficiente, por si só, para provocar lesão à esfera jurídica extrapatrimonial da pessoa, como decorrência de sua condição humana. “Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” (artigo 5o da Declaração Universal dos Direitos Humanos). “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” (art. 159 do Código Civil de 1916). O agente estatal que atenta contra a incolumidade física do preso ou o submete a vexame ou a constrangimento ilegal, conforme Lei nº 4.898/65, sujeita-se à responsabilidade civil. Eis as normas que, incidindo sobre os fatos, dão origem à relação jurídica de responsabilidade civil, cuja declaração aqui se busca. Cabe consignar que as testemunhas do réu (fls. 512-514, 536, 620-621 e 768-772) não estiveram no DOI-CODI do II Exército, tampouco participaram da OBAN, razão pela qual pouco puderam esclarecer sobre o que ocorria naquele local. Aliás, não se compreende por qual razão não foram arroladas como testemunhas pessoas que também desempenhassem suas funções na “casa de horrores”, as quais pudessem esclarecer a que se deveriam as lesões e os gritos mencionados pelas testemunhas dos autores.
2.4. Entretanto, a prova testemunhal ficou muito vaga quanto aos autores Janaina de Almeida Teles e Edson Luis de Almeida Teles, então menores de idade, filhos dos autores César Augusto e Maria Amélia. Realmente, as testemunhas não viram Janaina e Edson na prisão. Ninguém soube esclarecer se os então menores realmente viram os pais com as lesões resultantes das torturas. Nada indica que eles teriam recebido ameaças de tortura, ou sido usados como instrumento de tortura de seus pais. Mesmo o relato do réu em seu livro Rompendo o silêncio não corresponde a uma confissão (fls. 17), pois, ainda que por dedução e indução facilmente se possam identificar os nomes das crianças mencionadas na narrativa, não há reconhecimento da prática de tortura contra elas, ou da utilização dos infantes como instrumento de tortura de seus pais. 3. Em síntese: a) tortura, mesmo em período de exceção constitucional e de atentados contra a segurança do Estado, era inadmissível, à luz do direito internacional, vinculante para o país (itens 2.1 e 2.2); b) na época dos fatos, o ordenamento jurídico nacional, pela Lei nº 4.898/65, previa responsabilidade pessoal, não afastada pelo artigo 107 da Constituição Federal então em vigor, de quem exercia cargo, emprego ou função pública, inclusive de natureza militar, por atos que implicassem atentado à incolumidade física do indivíduo e a submissão de pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei (item 1.1; item 2.2, três últimos parágrafos); c) a Lei nº 6.683/79 (lei da anistia) não atinge direitos de particulares, que possam ser exercidos na esfera civil (item 1.2); d) tortura, que é ato ilícito absoluto, faz nascer, entre seu autor e a vítima, uma relação jurídica de responsabilidade civil, pela incidência da Carta das Nações Unidas de 1945, do artigo 5o da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, do artigo 159 do Código Civil de 1916 e da Lei nº 4.898/65 (itens 1.3 e 2.3); e) a ação declaratória é meio processual adequado para declarar a existência da relação jurídica de responsabilidade civil (item 1.3); f) dada a imprescritibilidade da ação voltada à indenização por violação de direitos humanos fundamentais, é impertinente argumentar com falta de interesse processual na respectiva ação declaratória, por decurso do prazo prescricional para a ação condenatória (item 1.4.2); g) o pedido formulado nesta ação não objetiva declarar fatos, isto é, que ocorreu tortura, que os autores foram torturados ou que o réu é torturador, mas sim declarar que existe entre as partes relação jurídica de responsabilidade civil, nascida da prática de ato ilícito, gerador de danos morais, o que está em consonância com o ordenamento jurídico nacional (item 1.3); h) é admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito, à luz do artigo 4o, parágrafo único, da Lei nº 5.869/73, Código de Processo Civil (item 1.3); i) as normas antes referidas efetivamente incidiram, no que diz respeito à esfera jurídica extrapatrimonial dos autores César Augusto, Maria Amélia e Crimeia, porque demonstrada a concretização dos elementos constitutivos de seus suportes fáticos (itens 1.3 e 2.3), mas não quanto aos autores Janaina e Edson. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pelos autores César Augusto Teles, Maria Amélia de Almeida Teles e Crimeia Alice Schmidt de Almeida, para declarar que entre eles e o réu Carlos Alberto Brilhante Ustra existe relação jurídica de responsabilidade civil, nascida da prática de ato ilícito, gerador de danos morais. Sucumbente, o réu arcará com custas, despesas processuais e honorários dos advogados dos autores, fixados estes, nos termos do artigo 20, parágrafo 4o, do Código de Processo Civil, em dez mil reais, com atualização monetária pela tabela prática a partir desta sentença. JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pelos autores Janaina de Almeida Teles e Edson Luis de Almeida Teles, os quais, porque sucumbentes, arcarão com custas, despesas processuais e honorários dos advogados do réu, fixados estes, de acordo com a norma já invocada, em dez mil reais, com atualização monetária pela tabela prática a partir desta sentença. P.R.I. São Paulo, 7 de outubro de 2008. GUSTAVO SANTINI TEODORO Juiz de Direito