Tocava, ao violão, “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim, e alguém comentou como eram “bonitos” aqueles “acordes dissonantes”. Interessante! A conotação atual parece contradizer o sentido original de dissonância (sons que têm pouca afinidade, que não “soam bem” juntos). A expressão “acordes dissonantes” refere-se a um tipo de harmonia que se estabeleceu no Romantismo, no século 19, que acrescentava dissonâncias aos acordes perfeitos (acordes consonantes) do Classicismo, período anterior. Se este buscava a perfeição formal − a razão, o homem ideal, aos moldes dos gregos antigos −, agora a complexidade humana, a emoção, o inexato e o ambíguo encontram expressão nos acordes dissonantes, naturalmente ambíguos e inexatos. A escala natural, convencionalmente as sete notas conhecidas (na verdade existem mais), apresenta muitas possibilidades nas relações entre suas notas, que o homem vai descobrindo e aprendendo a usar. As relações mais complexas (dissonantes) apenas necessitaram de maior conhecimento e técnica, conquistados com o tempo, para virarem arte. Renovando ou mantendo a tradição, cada cultura interpreta e utiliza a natureza a seu modo. Também na arte o homem se adapta ao meio − ele aprende e atribui significados aos sons. Por exemplo o trítono (duas notas distantes três tons, uma relação muito dissonante), que era evitado e até proibido na Idade Média e na Renascença (a Igreja o chamava diabulus in musica), passou a ser usado no Barroco e no Clássico, mas como uma tensão que necessita de um relaxamento, logo em seguida, em notas mais consonantes (repouso). Esta articulação dialética é muito comum até hoje, por ser fundamental. Mais adiante, no Romantismo e no século 20, o trítono aparece “emancipado” − a dissonância não mais precisa de uma consonância subsequente. A tensão, agora, permanece! O ouvido passa a entender e a aceitar a tensão como um repouso. É o caso do blues (pai do jazz e um dos vovôs da bossa nova), em que essa situação característica sugere uma relação com o sofrimento e a aparente adaptação dos negros à escravidão. A prática, anterior à teoria, nos mostra que, para o homem subjetivo, tudo é relativo! Dissonância agora é consonância – ademais, “gosto é gosto”, dizia a veia é que comia sabão!