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Identidades em conflito: 12 poetas catalães

O volume, bem-vindo, traz ao menos duas questões relevantes e imbricadas: uma política e outra propriamente poética. A política refere-se ao fato de a Espanha, desde sua constituição de 1978, dividir-se em dezessete comunidades autônomas (estados), subdivididas em 51 províncias, além de duas, por assim dizer, cidades-estado: Mellila e Ceuta. A capital da Catalunha é Barcelona, e sua identidade avança sobre o sul da França. O jornal El País, em reportagem recente sobre a radicalização vasca e seu propósito de retomar o terrorismo como arma de autodeterminação nacionalista, informava que a Espanha era algo alheio, um imperativo legal, para a maioria dos 9.800 habitantes do porto pesqueiro de Ondarroa (País Vasco), que fala euskera e resume suas aspirações à separação da própria Espanha.

Seria 12 poetas catalães uma antologia de afirmação nacionalista e separatista ou, caso contrário, uma antologia de poetas regionais de Espanha? Resenhar é também opinar. Creio que se trata, em razão da parelha ética/estética, de manifestação subjacente de nacionalismo catalão. Por exemplo, nos Estados Unidos não faria qualquer sentido uma seleta de “poetas texanos”. Vejo o nacionalismo como uma arma de destruição em massa, tanto para a humanidade (ética) quanto para a estética, haja vista o “case” Brasil, que se fechou em Mários de Andrades e, depois de uma certa abertura, em eternos E. E. Cummings, e hoje produz uma das mais epigonais poesias do mundo. Ponsatí não toca nesses assuntos diretamente e, por isso, resguardo-o, assumindo a interpretação. O nacionalismo, nesses casos, pode significar também uma estratégia de sobrevivência e diversidade cultural ante um poder central esmagador (franquismo). Transcrevo trecho do depoimento do poeta Josep N. Santaeulàlia: “Um dos valores máximos de toda a poesia é o que poderíamos denominar a sua força unitiva”, embora, em seguida, fale igualmente de seu (da poesia) “poder de fusão”. Ou seja, a poesia, em 12 poetas catalães, reflete fielmente a necessidade internacionalista da arte em choque com os movimentos nacionalistas que proliferam em Espanha.

Do ponto de vista poético, a metapoesia (dúvidas a respeito de sua potência no mundo de hoje), um pouco de tom solene, uma tendência ao abstrato (o contrário da poesia de um João Cabral, por exemplo), um discursivismo que se limita com o prosaico e, por fim, uma inocência quase trovadoresca são traços comuns a quase todos os selecionados. Portanto, o “recâmbio estético” mencionado por Ponsatí é muito particular e distante de câmbios mais efetivos como o empreendido pelos poetas franceses do grupo de Marselha na mesma quadra, mesmo quando nos deparamos com um Pere Gimferrer, que nos expõe, em seu depoimento, suas contradições: “Sou um poeta experimental, inclusive quando faço classicismo […], porque minha vocação é ser vários escritores simultâneos”. Aqui reaparece, sob o aspecto político, a questão da dupla identidade em conflito, como em Santaeulália. Transcrevo, para encerrar, “Uma pequena Ars poética”, de Salvador Oliva, que sintetiza o que há de melhor neste volume: “Nasce o desejo entre o desejo e o lábio/ esquadrinhando as florestas da língua/ que não soube criar-se./ Escravo de cada palavra/ morre o desejo entre o desejo e o lábio”.

12 poetas catalães

Domènech Ponsatí & Ronald Polito (orgs.)

Lumme, 2007


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.