
Claude Royet-Journoud. Une disposition primitive.
P.O.L., 96 p., 18 Euros
Michèle Cohen-Halimi et Francis Cohen (dir.),
Claude Royet-Journoud
La Barque dans l’arbre no. 7, 176 p., 24 Euros
Acabam de ser publicados a coletânea Une disposition primitive, de Claude Royet-Journoud, e um número da revista Barque dans l’arbre dedicado ao poeta
Na época da publicação de Théorie des prépositions (2006), Claude Royet-Journoud falava do livro como do polegar oposto aos outros dedos, que eram os quatro volumes publicados pela Gallimard entre 1972 e 1997. Nesse meio-tempo, esse polegar se multiplicou em uma segunda tetralogia, desta vez pela P.O.L, cujo último volume, Une disposition primitive, acaba de ser publicado. Michèle Cohen-Halimi e Francis Cohen, organizadores do volume coletivo Je te continue ma lecture (P.O.L, 1999), que se seguiu ao primeiro conjunto, “cometem” um segundo – veremos que o vocabulário judiciário não é, de forma alguma, arbitrário, em especial porque ambos os volumes foram gestados em segredo, sem o conhecimento do poeta – que inclui a revista Barque dans l’arbre, dirigida por Olivier Gallon. De amigos de longuíssima data, como Paul Auster e Jacques Roubaud, a autores e autoras mais jovens, passando pelo clã dos escandinavos (dentre os quais, Helena Eriksson, Martin Högström e Jᴓrn H. Svᴂren foram traduzidos em francês), a coletânea desenha os contornos da comunidade que o cerca desde os anos 1960.
Os livros de Claude Royet-Journoud enunciam uma narrativa, uma história. Quer dizer, um pouco de história. Sigfried Plümper-Hüttenbrink destaca, no interior da “crise do verso” mallarmaica, a simultaneidade (1972) do surgimento de Renversement, de Royet-Journoud, e de Mécrit, de Denis Roche. Dois ataques fatais contra o verso, mas por meios diferentes. Onde Roche dinamita, Royet-Journoud, partindo, para cada sequência, de centenas de páginas em prosa (um “adubo negativo”), esvazia o verso, o poema, a página, a sequência, o livro, a poesia de qualquer possibilidade de identificação, de qualquer acesso ao sentido, de toda “poesia” – ou seja, concretamente, de qualquer metáfora, imagem, analogia, assonância, aliteração, referência (ainda que uma parte significativa de seus versos seja composta por citações). O léxico é rarefeito em proporções quase racineanas, como já demonstrou certa vez Éric Pesty (1). A violência contra o leitor é considerável. Vários dos autores do volume, dentre os quais os melhores conhecedores e os mais próximos de Royet-Journoud, evocam a dificuldade, jamais superada, de sua leitura (2). Mas, em 1972, não se tratava de brincar de vanguarda, de manifestar um conceito contra-poético e pronto! Já que a vida continuou, a escrita também continuou.
Nas “costas” do livro*
A instabilidade da segunda tetralogia é real. Se a palavra “fim”, que encerra Une disposition primitive, como no final do primeiro conjunto, Les Natures Invisibles (1997), informa em retrospectiva os quatro livros, a tangente inicial de Théorie des prépositions permanece sensível. É preciso partir deste efeito de agitação, pois é ele que certamente realiza a “impermeabilidade à dialética” assinalada por Victoria Xardel (“É muito desestabilizadora a impermeabilidade à dialética. Pensamos, de início, que o sujeito é um idiota”). “A ideia do livro era pesada” – disse Royet-Journoud, ao final da primeira tetralogia. “Eu me sinto livre dela. Agora eu quero escrever ‘pelas costas’”. Se a forma do livro não mudou, como observa Pesty (cada livro tem entre 80 e 96 páginas, e está dividido em 9 ou 10 capítulos), a segunda tetralogia evidencia uma inflexão que, antes de mais nada, é uma abertura, uma indeterminação – marcada fisicamente pela intervenção de textos em prosa cada vez mais numerosos. “Adubo”, a prosa? Talvez, pois o adubo está vivo.
A corporeidade do corpo que escreve permanece um tema central desta poesia “atemática” (Morten Chemnitz). Tanto na segunda quanto na primeira tetralogia, há de fato um corpo que sempre se faz presente; ou seja, também uma cena do crime, na qual Royet-Journoud entrega, à medida que os descobre, os resultados da investigação, os indícios, as pistas. Uma vez tendo se movido o “corpus”, os autores do volume se aventuraram em novas pistas, laterais. A leitura que Victoria Xardel faz de Royet-Journoud como um moralista, desloca a figura (já reticente) do teórico; ela se baseia na [leitura] de Françoise de Laroque, que levanta a hipótese de um amor pelos fatos em seus últimos livros. Sendo o poema o presente (afirma algumas vezes Royet-Journoud – e, de fato, jamais “terminamos” de ler seu ou seus livros), “O que é que confere ao poema a cor do presente?”, pergunta maliciosamente Marie de Quatrebarbes, como que respondendo à Royet-Journoud, que escreve: “mostrar que a cor não existe”.
Na segunda tetralogia, e talvez mais ainda em Une disposition primitive, o corpo é uma presença mais distante, mais antiga, eco de uma origem impossível, da infância, da matilha (“longe da matilha, longe da ferida”). O crime em questão é pessoal, ou a humanidade inteira é culpada?, pergunta Françoise de Laroque. As citações do diário de Viktor Klemperer e do Album d’Auschwitz mencionadas por Michèle Cohen-Halimi e Francis Cohen em sua reflexão inaugural apontam para esta última direção. Mas a investigação está em andamento.
Laurent Perez
- Autor de uma tese sobre o vocabulário de Rouyet-Journoud e editor da quase totalidade das sequências da segunda tetralogia.
- As estratégias de abordagem variam: em Je continue ma lecture, Marcel Cohen entrava em cena explicando a seu colega Georges que ele retoma o tom parisiense da história de detetive tradicional [polar].
* “Dans le dos du livre”: no original, é um trocadilho com “contracapa”, que não tem como preservar em português. Significa “fazer algo pelas costas, se aproveitando de uma situação” e, por extensão, sem amarras. Nesse sentido, ele usa essa expressão referindo-se ao término do livro :“Eu me sinto livre [da ideia do livro]. Agora eu quero escrever ‘pelas costas’ /na contracapa.