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LIBERDADE AVILTADA

Apesar do “black tax”, o imposto por ser negro, Barack Obama lidera, finalmente, a corrida eleitoral com dez pontos de vantagem sobre John McCain. Aliás, em sete de outubro agora, o ex-governador de Oklahoma, Frank Keating, um dos dirigentes da campanha republicana, chamou Obama de “guy of the streets” (cara das ruas), relembrando que ele usou drogas na adolescência, como ele mesmo Obama narra em seu livro Dreams from my Father/A Story of Race and Inheritance, de 1995. Racismo vergonhoso! Keating prolongou a estratégia fracassada dos “vermelhos”: atacar o candidato democrata por meio de comerciais e declarações em comícios e ou à imprensa. A campanha de Obama registrou 1 milhão e 300 mil eleitores pobres em 41 estados por meio da ACORN – Association of Comunity Organizers for Reform Now – e, como informa o analista político do jornal inglês The Guardian, Michael Tomasky, abriu três escritórios contra um do republicano em todos os estados americanos. Obama já é o novo presidente dos EUA.

João Bengala

A estratégia dos comerciais violentos, como o que comparou o democrata a Paris Hilton e Britney Spears, chamando-o de mera celebridade, funcionava – em termos –  até a explosão da crise mundial em setembro. Com ela, George Walker Bush, o Napoleão III, o idiota, tornou-se o maior cabo eleitoral de Barack Obama, que tem lá seus defeitos imperialistas. A palavra cane, em inglês, quer dizer também bengala. Na próxima quarta-feira, dia 15 de outubro, haverá o terceiro debate entre os candidatos. O que mais me chamou a atenção no segundo foi que, além das frases vazias, McCain arrastava-se penosamente pelo piso do tablado, onde ele e o “guy of streets” falavam com os eleitores. Pensei que seria mais adequado chamá-lo de John McCane! Ou João Bengala. Embora tenha 72, parece ter uns 82 anos bem vividos. O único defeito do filme Casino, de Martin Scorcese, de 1995, foi não tê-lo convidado para fazer o papel do político que dá cobertura para máfia. Ele não faria o feio que fez nessa campanha e seria um coadjuvante perfeito para o chefe de segurança do Cassino, em Las Vegas, Sam Rothstein, vivido por Robert De Niro. Mulherengo assumido, o senador republicano se deleitaria, igualmente, com as curvas de Sharon Stone, a Ginger, esposa de Sam.

 

Sharon Stone e De Niro em Casino

 

Esse terceiro debate tem relevância apenas para se saber o que o novo presidente dos EUA, Barack Obama, vai falar sobre a crise mundial. McCane não precisa comparecer. Segundo o economista Nouriel Roubini, em entrevista a Sérgio Dávila (Folha de S. Paulo, de 10 de outubro), diferentemente de John “Casino” McCain: “Obama tomará medidas mais decisivas para lidar com a crise e não deixará o mercado cuidar de si mesmo”. Afirma o economista que:” Precisaremos de uma intervenção mais formal, e isso estava faltando na última gestão, e continuará faltando na de McCain”. Nouriel previu a crise atual em 2006. Fique tranqüilo, Roubini: McCain, um também assumido viciado em jogo, é carta fora do baralho. O pesadelo nazifascista imposto ao mundo por Napoleão III, o idiota, perderá, em termos substantivos, sua força. Os republicanos têm nojo dos pobres, da democracia, das liberdades. Os republicanos cabem à maravilha na definição de Nelson Rodrigues (1912-1980): “Nos Estados Unidos, há uma liberdade exagerada, violentada. O norte-americano é tão livre que precisa sujar, aviltar a própria liberdade”. Esse foi o programa de governo de Napoleão III, o idiota (sócio oculto – relata a imprensa americana – da Halliburton) e é o de João Bengala: aviltar a própria liberdade e destruir o mundo!

Erário-tutor

O Brasil – embora com um governo sem programa – beneficiava-se do “ambiente global de grande crescimento”, como observa Roubini, e, agora, segundo, ele vai sofrer queda significativa em seu PIB (Produto Interno Bruto). O preço das matérias-primas brasileiras caem vertiginosamente, o real se desvaloriza numa velocidade de Fernando Alonso. Não há mais crédito. O desemprego já ronda a porta sombria das empresas. Responsabilidade de Napoleão III, o idiota, que deixou os bancos americanos “doarem” dinheiro para que as pessoas adquirissem um imóvel, sem prévia avaliação rigorosa do bem. Os bancos não verificavam igualmente as condições financeiras dos compradores. E, além disso, negociavam esses títulos (créditos) nas bolsas! Bush reelegeu-se em 2004 com essa política. E, agora, entrega os EUA falidos a Barack Obama, numa crise mais grave – por sua dimensão global e pelo tamanho da economia de hoje – do que a de 1929. Felizmente, a candidatura do sicário João Bengala, apoiador de primeira hora da invasão ao Iraque e da destruição da Babilônia – com seu dístico hipócrita Country first – carbonizou-se em Wall Street. O lema revela esforço desesperado para salvar o provinciano nacionalismo ianque, que é, creio, arma de destruição em massas – como qualquer nacionalismo.

Há ressonâncias da crise de 1929 nos poemas do livro Brejo das Almas, de 1934, de Carlos Drummond de Andrade. Leiamos trecho do poema intitulado “Convite Triste”: “Meu amigo/ Vamos sofrer,/ vamos beber, vamos ler jornal,/ vamos dizer que a vida é ruim,/ meu amigo, vamos sofrer // Vamos fazer um poema / ou qualquer outra besteira…”.  Aceitemos o mote de Drummond. E falemos de mais poesia.  Há outro poeta –  Joaquim de Sousândrade (1833-1902) – o maior do período romântico brasileiro, que viveu em Nova Iorque entre 1870 e 1880 e que escreveu um poema chamado O Inferno de Wall Street, que flagra o nascimento de Wall Street e do capitalismo selvagem, exatamente este do aviltamento da liberdade, de que fala Nelson Rodrigues, que vai ser – felizmente – reorganizado por Barack Obama. O poema é longo e foi publicado em Nova Iorque em 1877. É ainda hoje atualíssimo. Deixo ao leitor uma de suas estrofes: “– Strike! Do Atlântico ao Pacífico! / = Aos Bancos! Ao erário-tutor! / — Strike, Arthur! Canalha / Esbandalhar! / Queima, assalta! (Reino do horror)”. Deixo também a mensagem que Napoleão III e João Bengala – com seu olhar malévolo – não passam de cadáveres políticos.

 

Robert de Niro à direita em Casino


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.