John Stanfield, sociólogo negro, doutor em teologia sagrada pela Universidade de Boston, ministro da religião batista, é professor de teologia na Universidade de Indiana, na cidade de Bloomington. O Estado de Indiana situa-se quase no nordeste dos EUA e sua capital é Indianápolis, famosa pelas corridas de automóvel. Estuda a diáspora africana e os sincretismos religiosos, dos quais extrai direitos inter-raciais, e é, também, especialista em justiça restaurativa, aquela na qual autor do crime e a vítima reúnem-se para discutir o fato e a responsabilidade, com um juiz de direito. É diretor Child Advocates, de Indianápolis (Advogados para crianças, pobres), aponta a origem da crise econômica em curso no desmantelamento do Estado do Bem Estar Social empreendido por Ronald Reagan (presidente de 1981 a 1989) nos EUA e por Margareth Thatcher na Inglaterra, de 1979 a 1990. O Welfare State, como era conhecido, surgiu do norte-americano Plano Marshall, de 1947, e, na Europa destruída pela guerra, a partir de 1950. Autorizava a intervenção do Estado na economia, para estimular o crescimento, e fazia a redistribuição de renda por meio de redes de serviços eficientes e universais (saúde, escolaridade, segurança pública etc). Para Reagan, o Estado era o problema e não a solução. É por isso que John McCain, um neoliberal, define Barack Obama como “socialista”. Stanfield aborda os principais pontos polêmicos da campanha norte-americana.
John Stanfield
Régis Bonvicino: Karl Rove, ex-assessor de George Walker Bush, e um dos estrategistas da campanha de John McCain, assegura que o candidato republicano seria mais bem sucedido se tivesse exposto, por meio de narrativa consistente, a inexperiência de Barack Obama para governar. Como interpreta afirmativa tão contundente?
Professor John Stanfield: O tema da inexperiência tem sido uma questão ambígua. Surge, sempre de um modo afoito, quando um candidato anti-sistema, assume liderança firme na disputa. Se o Sr. Rove conhece a história dos EUA, sabe que os melhores presidentes norte-americanos, tais como George Washington (1732-1799), presidente de 1789 a 1797, Abraham Lincoln (1809-1865), mandato de 1861 a 1865, Thomas Woodrow Wilson (1856-1924), mandato de 1913 a 1921, Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), mandato de 1933 a 1945, quando morreu no cargo, e John Kennedy (1917-1963), mandato de 1961-1963, possuíam pouquíssima experiência administrativa. Todos foram, no entanto, muito competentes ao governar. É preciso ter em mente que Licoln era, à sua época, avaliado como “uma falha política” antes de ser eleito. Rooselvelt era considerado “uma piada” por sua própria família, tanto que seu irmão Teddy Roosevelt fez campanha para seu oponente. Por outro lado, entre os piores presidentes, listam-se os com experiência administrativa anterior: Richard Nixon (1913-1994), mandato de 1969 a 1974, e Herbert Hoover (1874-1964), que não soube conter a crise em seu governo de 1929 a 1933. O que importa, além da personalidade do presidente, de sua ética, de seus valores, estilo de liderança, é como ele se assessora, formal e informalmente. Quem ele ouve? Essa é a verdadeira pergunta a ser feita. O senador Barack Obama foi feliz ao escolher seus assessores e ao formar seu círculo íntimo de conselheiros. É interessante refletir sobre a assertiva de Karl Rove. Ele era considerado o mais talentoso estrategista em campanhas presidenciais até o aparecimento da campanha de Barack Obama, que o suplantou.
Sociedade americana mudou
RB: O racismo vai atuar na eleição?
JS: Infelizmente, sim. Há aqueles que não votam em Obama apenas porque ele é um negro. E há aqueles que só votam nele porque ele é um negro. No entanto, a maioria dos eleitores, até mesmo os brancos preconceituosos, vai votar em Obama por suas qualidades: ele é sereno, consistente, hábil e capaz de inspirar as pessoas, qualidades que não víamos desde John Kennedy. A crise nacional é tão profunda que não demanda somente soluções sólidas mas igualmente recuperação da auto-estima do cidadão americano. As prioridades nacionais e pessoais vão mudar de modo extremo, em virtude da crise econômica e do colapso do sistema financeiro. Há negros e brancos que votam em Obama por essas razões e não por racismo, branco ou negro. Embora esteja desagregada, a sociedade americana, apesar de tudo, por ser profundamente democrática, sofreu enorme transformação para melhor, nos últimos 50 anos. Obama representa essa síntese de como somos americanos agora ou como é o americano hoje, de um ponto de vista histórico. Ele começa nos ombros dos movimentos civis dos anos 1940 e 1950, que abriram a América, mas também representa os negros dos 1980 e 1990, que se tornaram empresários bem sucedidos, professores universitários, advogados, médicos, artistas, líderes religiosos e a própria política, que afastava os negros de seu cenário, esmagando (às vezes, assassinando) suas lideranças em nível local, estadual, nacional e internacional. A política se transformou, democratizou-se. A campanha de John McCain falhou ao destilar rascismo velado e sutil: isto, esta falha, mostra a mudança dos Estados Unidos. A estratégia de McCain funcionava até os anos 1980, como no caso do prefeito de Los Angeles por 20 anos, Tom Bradley (1917-1998), quando candidato derrotado ao governo da Califórnia em 1982.
RB: A luta racial então quase desapareceu? Não há posibilidade de existir o “voto envergonhado” em McCain?
JS: A questão das disparidades de direitos entre negros e brancos e o preconceito seguem firmes, mas, como observei, surgiram novas gerações que permitiram que o rascismo se enfraquecesse em temas decisivos, como a eleição de um presidente. Parte significativa das novas gerações não abraçou os velhos preconceitos dos baby-boomers (geração de Bill Clinton) e de gerações mais velhas ainda. Para ser justo, McCain não é preconceituoso, mas, perdeu o controle de sua campanha, como todos sabem. Ele tem uma filha adotiva negra. A raça é uma construção social, que é reproduzida por preconceitos ao longo do tempo, preconceitos que se tornam rotina na linguagem. Todas as decisões do dia-a-dia implicam construção sobre a raça: onde vamos morar, quem serão nossos amigos, com quem vamos nos casar, quem consideramos inteligente ou não etc. Alguns, brancos e negros, vão votar em virtude exclusivamente da construção racial, até contra seus próprios interesses econômicos, como já remarquei. É uma vergonha, para negros e brancos! Tenho, todavia, certeza que a maioria vai decidir entre temperamentos, idéias, planos, liderança, programa econômico, relações internacionais. Há um nervosismo em relação à essa tópica racial, mas, não o levo tão a sério diante das mudanças que ocorreram na sociedade norte-americana. Até os “sábios” da mídia, os “chefões” da mídia conservadora, pararam de se referir ao Senador Obama como negro. Há uma transformação nisso.
A crise é mais dura do que se anuncia
RB: Quais são em realidade os Estados indefinidos eleitoralmente?
JS: Ohio, Flórida, Pensilvânia, Indiana, Colorado, Carolina do Norte e Virgínia.
RB: O que significa o apoio, neste aspecto, de Colin Powell a Barack Obama?
JS: Muito! Powell é um dos líderes mais respeitados do e nos EUA e no mundo. O americano médio sabe que ele é respeitado no exterior. McCain e os “sábios” da mídia de direita tentaram, em vão, neutralizar esse apoio. Powell confirma para os eleitores republicanos e, especialmente, para os independentes que Obama é a melhor escolha.
RB: Qual é a profundidade da crise econômica nos EUA? Como ela influencia nesta eleição?
JS: É muito mais profunda do que se anuncia hoje. É o fim da grande festa dos últimos dez anos de gastança e desperdício. Essa desgraça financeira de agora é, por outro lado, fruto da desregulamentação do capital, do desmantelamento do Estado do Bem Estar Social e do movimento contra os direitos civis que começou na Era Reagan. Essa tendência fez com que os pobres e a classe-média fossem abandonados, empobrecessem paulatinamente. Foi a festa desenfreada dos milionários desenfreados. Quando você “saqueia” seu próprio país, ele sofre as conseqüências e todos pagam a conta. Seja McCain ou mais provavelmente Obama, o próximo presidente vai lidar com uma situação nova, sem precedentes. Sem rígida disciplina financeira, não há saída para a economia. É preciso acabar também com o darwinismo social que ora vige. Os Estados Unidos estão decadentes em termos de infra-estrutura e em termos de redes sociais: das escolas às pontes, das hipotecas às relações pessoais. A festa acabou! A cultura de massa narcísica do consumo acabou!
RB: Haverá uma “guerra” contra Obama, caso se eleja?
JS: Sem dúvida. A mídia americana espera por uns meses, numa espécie de lua-de-mel com o novo presidente, sobretudo se for republicano, para, logo em seguida, tentar devorá-lo, destruí-lo A margem de tolerância para com Obama é bastante menor. Na verdade, ele terá que tomar “posse” de fato já no dia cinco de novembro, para começar seu trabalho, duro, inovando e produzindo resultados imediatos.